ELEIÇÕES 2022

Candidatos com poucos bens declarados buscam vaga na política do DF

Em disputa contra candidatos milionários, postulantes a cargos eletivos com poucos recursos financeiros concorrem no pleito deste ano com apoio da comunidade e de voluntários. Eles representam moradores de áreas fora de Brasília e categorias profissionais

Edis Henrique Peres
Ana Isabel Mansur
postado em 29/08/2022 05:45 / atualizado em 27/02/2023 18:04
 (crédito: Marília Lima/CB/D.A Press. Brasil)
(crédito: Marília Lima/CB/D.A Press. Brasil)

Com poucos bens declarados — ou até sem qualquer um —, cidadãos de profissões como donos de casa, vigilantes, motoristas de aplicativo, cabeleireiros, entregadores, líderes comunitários e engraxates querem o voto dos brasilienses nas urnas, em outubro. Eles entram na disputa eleitoral contra postulantes com rendas maiores e ocupações mais comuns entre os candidatos pelo Distrito Federal neste ano: advogados, servidores públicos e empresários. Levantamento do Correio com base nas informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aponta que, ao menos, 74 nomes concorrem sem muitos recursos financeiros. Todos buscam uma chance no Legislativo, e a maioria (56) pleiteia uma vaga na Câmara local.

Bens declarados por candidatos do Distrito Federal nas eleições de 2022
Bens declarados por candidatos do Distrito Federal nas eleições de 2022 (foto: Editoria de Arte/CB)

Quase metade dos 74 candidatos (46,5%) não declararam qualquer bem à Justiça Eleitoral (leia Confirmação de dados), enquanto 21,5% registraram patrimônios entre R$ 101 mil e R$ 250 mil. Advogados e empresários chegaram a listar valores maiores, de R$ 9 milhões a R$ 72 milhões. Apesar da abrangência de categorias profissionais no pleito, a renda dos candidatos não costuma determinar o voto dos eleitores, segundo Ricardo Amado, especialista em marketing político, planejamento estratégico e coordenação de campanhas políticas. "A tendência é escolher quem acene com soluções para as demandas (do eleitorado). Pode-se votar em quem teve a mesma origem e conheça problemas (da população), que tenha demonstrado capacidade de superação e apresente ofertas de melhoria de vida para as pessoas", avalia.

Mesmo assim, a discrepância de condições não desanimou os cidadãos interessados em ocupar um cargo eletivo. Eles se apoiam nas comunidades de onde vêm e nas categorias das quais fazem parte.

As regiões administrativas onde moram e as classes profissionais são alguns dos principais motivos que os levaram a ingressar na política, segundo candidatos ouvidos pela reportagem. Eles mencionam o desejo de suprir a falta de atenção recebida pelas cidades em que habitam — muitas vezes, periféricas — e de fortalecer a luta pelos direitos das categorias a que pertencem, frequentemente deixadas de lado. É o caso de Joab Santa Luzia (Avante), Junior Capão Comprido (Avante), Scooby Ube (PSC) e Sonic Motoboy (PDT), que tentam uma das 24 cadeiras da Câmara Legislativa.

Intenções

Motorista de aplicativo, Scooby Ube, com poucos recursos, afirma que conta com o apoio dos colegas de profissão. "Eles têm me ajudado nos grupos de WhatsApp, onde as informações se espalham rapidamente. Isso acontece de forma voluntária. É uma campanha simples, pelas mídias sociais. Para todos os passageiros que pego, conto que sou candidato, que represento a categoria e que luto há muito tempo pela causa (dos trabalhadores de app)", detalha.

No caso do tapeceiro e morador da Estrutural Joab Santa Luzia, as estratégias envolvem a própria região administrativa: "Queremos eleger alguém dali e possibilitar que se mude a situação que vivemos, pois os políticos que estão lá (na Câmara Legislativa) não olham para nossa RA. Tenho recebido muito apoio de outras pessoas fazendo campanha no corpo a corpo. E, como não temos recursos para ir a outras cidades, foco muito na minha para falar à população, com uma equipe de voluntários que vai às ruas".

Já o interesse de Junior Capão Comprido na vida política surgiu após o trabalho como líder na comunidade de São Sebastião, onde mora. "Voluntários têm participado da campanha e conversado (com os moradores) no boca a boca. Essa é a realidade do candidato que não tem dinheiro. Mas lutamos com muita força, porque sempre trabalhamos para levar melhorias para (as regiões do) Capão Comprido, Zumbi dos Palmares e outras esquecidas. Assim, continuamos a mostrar nossa vontade de trabalhar e de trazer atenção à nossa cidade", comenta.

Sonic Motoboy ressalta que luta para representar essa classe profissional no Legislativo. As iniciativas de divulgação da candidatura envolvem, principalmente, o contato direto com o eleitorado. "Quando encontro outro motoboy, paro para conversar. Tenho adesivos (de campanha) que fiz por conta própria. Infelizmente, nossa categoria não tem voz lá dentro (da Câmara Legislativa), e sofremos muito preconceito na rua. Precisamos ter essa representatividade e temos tentado espaço nos grupos, entre os amigos e assim vai", diz.

"Chão de fábrica"

A concentração das decisões partidárias nas mãos de poucos nomes, conhecida tecnicamente como "oligarquização" das legendas, pode dificultar a carreira política de quem não tem tradição nas siglas. É o que observa André César, cientista político da Hold Assessoria Legislativa. "Os partidos são uma estrutura como uma empresa, com cargos da cúpula, elites e 'o chão de fábrica'. E isso fica muito claro em um processo eleitoral. Há as lideranças, as celebridades e, lá embaixo, o pessoal desses grupos 'normais'", analisa.

Para o especialista, nomes mais conhecidos tendem a ser priorizados pelos partidos. "No Brasil, desenvolveu-se, a partir de um certo momento — e é difícil precisar quando —, a candidatura de celebridades que se elegem com votações espantosas e 'puxam' muita gente. As legendas adoram isso. Por outro lado, há essas candidaturas de pessoas com profissões comuns, que podem buscar nichos específicos. Em minha avaliação, isso é pouco produtivo. As siglas, em geral, dão mais espaço e recursos para as lideranças, bem como para parlamentares com mandato. O pessoal (com menos bens) entra só para formar uma base", pondera André César.

Isso não significa, contudo, que a aposta dos partidos em candidatos com poucos recursos financeiros não seja genuína. "No cálculo de uma eleição, todo voto é importante. Ainda mais em um sistema multipartidário, com mais de 30 legendas. A disputa é por voto. Qualquer um a mais pode fazer a diferença. Nesse sentido, conquistar os motoboys, por exemplo, é uma boa estratégia, porque essa é uma categoria que cresce. E não só o motoboy, mas a família, os amigos e a comunidade dele", completa o cientista político.

Professor da Universidade de Brasília (UnB) e doutor em ciência política, Lúcio Rennó avalia os riscos envolvidos em uma candidatura: "Quem tem uma renda mais baixa, ao passar pelo caminho da política, tem de construir uma carreira em um partido, o que pode representar possíveis ganhos financeiros no futuro, mas essa não é a principal motivação. O custo de se engajar na vida pública, de investir energia e tempo nela é muito alto. No caso de candidatos ricos, não será o dinheiro que fará a diferença, são as outras motivações, como (assumir) cargos com implicações futuras, a carreira, transitar no poder público. Mas as duas categorias (de postulantes) podem se incentivar, obviamente, pelo desejo de fazer algo pela população", salienta. 

Confirmação de dados

A Lei nº 9.504/1997 não define critérios específicos para a declaração de bens, mas define a necessidade de inclusão desse documento no processo de candidatura. Na Justiça Eleitoral, o entendimento tem sido de que esse registro é autossuficiente e, por isso, não há dever legal dos tribunais de confirmar ou verificar a propriedade dos recursos informados pelos candidatos. No entanto, o Ministério Público, os partidos e demais postulantes a cargos eletivos podem contestar esses dados por meio de representação judicial.

A produção desta reportagem usou recursos da ferramenta Pinpoint, do Google. Confira a coleção de arquivos analisados.

 

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