CHACINA NO DF

A perícia por trás da elucidação da chacina que abalou o país

Impressões digitais, vestígios e DNA foram elementos essenciais para a elucidação de um dos crimes mais bárbaros da história do Distrito Federal. Cinco suspeitos foram identificados e presos, além de um menor apreendido ontem

 25/01/2023 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press Brasília- DF - Casa da chacina da família do Paranoá. Peritos da Polícia Cívil que trabalharam no caso. Instituto de Identificação. Renata Silva Simões - papiloscopista. -  (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press)
25/01/2023 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press Brasília- DF - Casa da chacina da família do Paranoá. Peritos da Polícia Cívil que trabalharam no caso. Instituto de Identificação. Renata Silva Simões - papiloscopista. - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press)
Darcianne Diogo
postado em 29/01/2023 05:00 / atualizado em 30/08/2023 16:14

Análise de impressões digitais, coleta de vestígios, necropsia e confronto genético. Os elementos fazem parte de um trabalho minucioso da perícia técnica do Distrito Federal, que foram fundamentais na elucidação da maior chacina do DF. Em um tempo recorde, peritos papiloscopistas, peritos criminais e peritos médicos-legistas desvendaram detalhes do massacre que resultou na morte de 10 pessoas da mesma família. O resultado foi a identificação ágil de quatro vítimas encontradas em avançado estado de decomposição e dos autores já presos — incluindo o adolescente de 17 anos, acusado de atuar nos crimes, que foi apreendido novamente, ontem, pela Polícia Civil (PCDF), por meio de mandado expedido pela Vara da Infância e Juventude (VIJDF) e cumprido pela Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA I).

O Correio visitou o Instituto de Identificação (II), o Instituto de Criminalística (IC), o Instituto de Medicina Legal (IML) e o Instituto de Pesquisa de DNA Forense (IPDNA) e conversou com profissionais da linha de frente do caso. As investigações da Polícia Civil (PCDF) sobre a chacina começaram em 13 de janeiro, quando o carro da cabeleireira Elizamar da Silva, 37 anos, foi encontrado carbonizado e com os corpos dela e dos três filhos, Gabriel, 7, e os gêmeos, Rafael e Rafaela, 6, dentro do veículo, em Cristalina (GO). A identificação da empresária e das crianças ficou a cargo do IML de Goiás. Um dia depois, os policiais localizaram os corpos de Renata Belchior, 52, e Gabriela Belchior, 25, — mulher e filha de Marcos Antônio Lopes, 54, — também carbonizados dentro de um veículo, em uma rodovia de Unaí (MG). As duas mulheres foram identificadas pelo IML de MG. Já o corpo de Marcos foi encontrado enterrado na casa alugada por Horácio Carlos, 49, um dos presos. O patriarca da família foi encontrado sem os braços e a cabeça e em estado avançado de decomposição, o que comprometeria a identificação por meio da análise de impressões digitais. 

Etapas

Renata Silva Simões, chefe do Laboratório de Exames Necropapiloscópicos em Cadáveres Especiais, conta que, da mão encontrada em outra parte da cova, restou apenas o polegar direito da vítima. "Cada cadáver tem um protocolo diferente, seja essa pessoa vítima de afogamento, carbonizado ou em estado de decomposição, utilizamos um método diferente de identificação", explica. A reconstituição do polegar de Marcos consistiu no uso de ácido acético para neutralizar o cal encontrado no membro, elemento capaz de acelerar o estado de decomposição. Depois, os papiloscopistas iniciaram a etapa da micro-adesão (revelação e decalcagem com pó de fina granulagem). Após esse processo, o polegar passou pelo tratamento à base de um produto químico para a reidratação do tecido. Em menos de 24 horas, os profissionais chegaram à identidade de Marcos Antônio Lopes. "Como estávamos tratando de supostas vítimas da chacina, sabíamos que tinha apenas dois homens no caso, o Marcos e o Thiago, filho dele. Dessa forma, já imprimi a análise biométrica dos dois, fizemos o confronto e tivemos o resultado", frisou Renata.

O mesmo método foi usado para identificar Cláudia Regina, 55, ex-mulher de Marcos, e Thiago Belchior, 30, marido de Elizamar e filho de Marcos. Os dois, incluindo a filha de Cláudia, Ana Beatriz, 19, foram jogados em uma fossa, após terem sido esfaqueados. Devido ao estado de decomposição, nenhum dos corpos tinham os 10 dedos da mão. Segundo a profissional, dos dedos, restaram apenas o chamado "espelho digital". No entanto, seguindo o mesmo processo, Renata e a equipe de nove profissionais conseguiram obter a identificação dos dois.

Indícios

A perícia na casa feita como cativeiro para manter as vítimas em cárcere, os papiloscopistas encontraram impressões digitais que ajudaram a polícia a identificar os autores da chacina. Foi o caso de Carlomam dos Santos, 26, responsável por simular os assaltos na chácara de Marcos e na casa de Cláudia para sequestrar os familiares. Os peritos encontraram as digitais dele no cativeiro e no carro de Gideon Batista, 55, também preso, graças à câmara de fumigação de cianoacrilato para veículo, a primeira da América Latina. O equipamento de alta tecnologia possibilita o controle da umidade, temperatura e tempo de exposição, fatores determinantes para o sucesso na revelação de impressões digitais. "Essa é uma etapa importante para chegar à pesquisa. Com a câmara, desvendamos, por exemplo, as identidades dos autores do latrocínio do padre e latrocínios de motoristas de aplicativos", frisa Débora Kist, chefe do Laboratório de Exames Papiloscópicos.

A coleta de qualquer vestígio em local de crime é crucial na elucidação de um caso. Peritos criminais do IC estiveram no cativeiro e encontraram elementos cruciais para as investigações. Na casa, por exemplo, os profissionais encontraram cordas, fios de cabelo, além de oito celulares, que estavam com as câmeras tapadas com fitas pretas e envolto de um papel alumínio, um indicativo de que os criminosos pretendiam bloquear o sinal dos aparelhos. "O nosso objetivo é encontrar vestígios e provas materiais para comprovar o crime", pontua a chefe da Seção de Crimes contra a Pessoa, Renata Grangeiro.

O perito Luis Deus esteve à frente da equipe no caso da chacina. Na primeira visita ao cativeiro, eles encontraram manchas de sangue próximo ao portão. No veículo de Gideon, os profissionais usaram o equipamento luminol, um detector de manchas de sangue. "A olho nu, não dava para ver nenhum resquício, mas quando ligamos o luminol pudemos constatar a presença de sangue, o que indicava que o carro havia sido lavado pelos autores", explica.

Os oito celulares apreendidos, por exemplo, foram encaminhados para o setor de perícia em informática, local onde os profissionais quebram a senha e analisam o conteúdo.

IML e IPDNA

Responsáveis pela identificação de cadáveres e por fornecer bases técnicas em Medicina Legal para o julgamento de causas criminais, os médicos-legistas atuaram diretamente na determinação das causas que levaram às mortes de Marcos, Cláudia, Ana Beatriz e Thiago. O laudo apontou que Marcos morreu ao levar um tiro na nuca. Já Thiago, Ana e Cláudia vieram a óbito após serem esfaqueados.

Cristofer Beraldi Martins, chefe da Seção de Antropologia Forense, explica como funciona todo o processo. "Toda etapa de identificação é comparativa. A identificação antropológica serve para a prévia do DNA. O primeiro passo é traçar o perfil biológico da pessoa. Ou seja, precisamos saber qual o sexo, ter ideia de estatura e uma faixa etária aproximada da idade. No caso da chacina, trabalhamos com algo chamado de lista fechada de vítimas, pois sabíamos que estávamos procurando", frisa.

Os profissionais do IML são capazes de saber quem morreu primeiro e as circunstâncias do óbito, o que pode auxiliar no quebra-cabeça investigativo. "Essa comunicação entre o IML e a polícia é fundamental na apuração de um crime, pois, a depender do olho treinado de quem examina, os fatos podem ser alterados", argumenta o diretor-substituto do IML, Otavio Castello. Em dois dias, os médicos-legistas responderam a todas as questões referentes aos assassinatos das três vítimas da chacina.

Em trabalho conjunto ao IML, o Instituto de Pesquisa de DNA Forense (PDNA) desvendou a identidade de Ana Beatriz e, consequentemente, de Renata e Gabriela, que estavam no IML de MG. Samuel Ferreira, médico-legista, geneticista forense e diretor do Instituto, conta que o desafio inicial era saber se as oito partes de corpo humano encontradas na cova onde Marcos foi enterrado eram de fato dele, apesar da constatação da impressão digital. A mãe de Marcos foi levada ao IPDNA, onde os profissionais coletaram amostras do DNA dela. "O DNA vinculou as oito partes a um dos filhos dela e comprovamos que era o Marcos", explica.

A tecnologia de ponta utilizada no Instituto possibilitou o envio do perfil genético de Marcos ao IML de Unaí, onde estavam os corpos da mulher dele e da filha Gabriela. "Trabalhamos com prioridade absoluta nesse caso, identificando as vítimas por meio de exames de DNA em tempo recorde, pois a identificação das vítimas é importante para a investigação e esclarecimento do caso, mas acima de tudo, é fundamental para dar uma resposta para as famílias. Nosso trabalho é desafiador e complexo, mas, ao mesmo tempo, gratificante. Ao identificarmos uma vítima, utilizamos a ciência para ajudar a resgatar, a devolver, de certa forma, a memória daquela vítima à sua família", finalizou o geneticista forense.

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  •  25/01/2023 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press Brasília- DF - Casa da chacina da família do Paranoá. Peritos Criminais da Polícia Cívil que trabalharam no caso. Instituto Medicina Legal. Doutor Cristofer Beraldi.
    25/01/2023 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press Brasília- DF - Casa da chacina da família do Paranoá. Peritos Criminais da Polícia Cívil que trabalharam no caso. Instituto Medicina Legal. Doutor Cristofer Beraldi. Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press
  •  25/01/2023 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press Brasília- DF - Casa da chacina da família do Paranoá. Peritos Criminais da Polícia Cívil que trabalharam no caso. Instituto de Pesquisa de DNA Forense - IPDNA. Doutor Samuel Ferreira.
    25/01/2023 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press Brasília- DF - Casa da chacina da família do Paranoá. Peritos Criminais da Polícia Cívil que trabalharam no caso. Instituto de Pesquisa de DNA Forense - IPDNA. Doutor Samuel Ferreira. Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press
  •  25/01/2023 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press Brasília- DF - Casa da chacina da família do Paranoá. Peritos Criminais da Polícia Cívil que trabalharam no caso. Instituto de Criminalista, Laboratório Forense, equipe faz uma demonstração em uma peça de roupa aleatória, com o produto químico luminol para encontrar evidência de sangue.
    25/01/2023 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press Brasília- DF - Casa da chacina da família do Paranoá. Peritos Criminais da Polícia Cívil que trabalharam no caso. Instituto de Criminalista, Laboratório Forense, equipe faz uma demonstração em uma peça de roupa aleatória, com o produto químico luminol para encontrar evidência de sangue. Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press
  •  25/01/2023 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press Brasília- DF - Casa da chacina da família do Paranoá. Peritos da Polícia Cívil que trabalharam no caso. Instituto de Identificação. Debora Kist - papiloscopista.
    25/01/2023 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press Brasília- DF - Casa da chacina da família do Paranoá. Peritos da Polícia Cívil que trabalharam no caso. Instituto de Identificação. Debora Kist - papiloscopista. Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press
  •  25/01/2023 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press Brasília- DF - Casa da chacina da família do Paranoá. Peritos da Polícia Cívil que trabalharam no caso. Instituto de Identificação. Renata Silva Simões - papiloscopista.
    25/01/2023 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press Brasília- DF - Casa da chacina da família do Paranoá. Peritos da Polícia Cívil que trabalharam no caso. Instituto de Identificação. Renata Silva Simões - papiloscopista. Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press
  • Trabalho minucioso da perícia técnica foi fundamental na elucidação do crime. Em tempo recorde, peritos papiloscopistas, criminais e médicos-legistas desvendaram detalhes do massacre de 10 pessoas da mesma família. O resultado foi a identificação ágil de quatro vítimas encontradas em avançado estado de decomposição e dos autores já presos
    Trabalho minucioso da perícia técnica foi fundamental na elucidação do crime. Em tempo recorde, peritos papiloscopistas, criminais e médicos-legistas desvendaram detalhes do massacre de 10 pessoas da mesma família. O resultado foi a identificação ágil de quatro vítimas encontradas em avançado estado de decomposição e dos autores já presos Foto: Valdo virgo
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