Um dos significados para o termo "trabalho" é "atividade profissional regular, remunerada ou assalariada". No entanto, remuneração pode ganhar um sentido muito mais amplo do que uma determinada quantidade de dinheiro destinada para subsistência. Isso é bem sabido por algumas mulheres do Distrito Federal, que gastam tempo, esforço e até recursos financeiros em atividades que rendem como recompensa o bem coletivo. Boa parte dos trabalhos voluntários têm como intuito amenizar as mazelas que assolam a sociedade e elas não hesitam em arregaçar as mangas e ir à luta.
A gaúcha Luíza Costa Lima Corrêa, 30, atua na frente de segurança alimentar, provendo marmitas, cestas básicas, água e outras doações para população em vulnerabilidade no DF. Ela faz parte do projeto Dividir, no qual começou a trabalhar voluntariamente no ano passado. "Desde então, tenho contribuído tanto com um valor mensal, na campanha de financiamento, quanto com o meu trabalho como cozinheira no processo de produzir marmitas, auxiliar cozinheiros nos almoços beneficentes ou liderar a cozinha nesses almoços", revela.
Luíza defende que a soberania alimentar é uma fonte importante de dignidade e sustentação da vida. "É muito engrandecedor ter a oportunidade de oferecer meu trabalho em troca de algo que não seja o dinheiro, de ver o meu tempo e dedicação se transformando em um dia de menos sofrimento para as pessoas que o projeto atende. Elas vão comer uma comida boa, vão ser tratadas com o respeito e dignidade que merecem. E o projeto dividir faz isso lindamente, conectando produtores de hortaliças orgânicas, movimentos sociais e voluntários para esse fim", celebra
A produção de marmitas varia de acordo com os insumos disponíveis para a produção. São de 50 a 100 por semana. "E são marmitas muito especiais: comida de verdade, bem temperada, arrumada, bonitona e distribuídas no Setor Comercial Sul ou em outras ocupações do DF e no Entorno", explica Luíza, que já trabalhou como cozinheira em Porto Alegre (RS) e, atualmente, tem um estúdio onde ensina Yoga, na Asa Norte. "Gosto muito de morar aqui, me senti muito bem recebida pela cidade."
Há 34 anos, a Casa Azul Felipe Augusto, localizada em Samambaia Sul, faz ações sociais com famílias carentes do DF. Para Daíse Lourenço, 70, presidente da casa, o trabalho é feito para ajudar outras pessoas, mas, no fim das contas, os colaboradores que estão se ajudando. "Quando estamos doando o nosso tempo e trabalho para fazer com que aquelas crianças possam pensar e ter uma perspectiva de vida melhor, isso gera na gente um sentimento que não tem preço", comenta.
A instituição atua no combate às desigualdades sociais no Distrito Federal, promovendo assistência, diariamente e no contraturno escolar, a mais de duas mil crianças, jovens e famílias do Distrito Federal, por meio de atividades de incentivo à cultura, tecnologia, educação, formação profissional e ao esporte. Os principais locais de atuação da organização são nas comunidades de Samambaia, Riacho Fundo II, São Sebastião e Vila Telebrasília. Nesses lugares, a Casa Azul promove oficinas de artes, teatro, música, dança, informática, atividades esportivas, orientação pedagógica, entre outros.
Daíse acredita que as mais de três décadas à frente da instituição em prol dos mais precisam fez com que ela virasse um símbolo de motivação para outras mulheres perceberem que também são capazes de buscar a realizar os próprios sonhos. "Elas podem saber que também são capazes de fazer o que quiserem, porque sinto que nem tudo que move é o dinheiro. Quando se trabalha por amor à causa, você passa uma credibilidade maior. Não tem uma remuneração melhor do que ver o sorriso estampado naquele que você ajuda", emociona-se.
Amor animal
Natália Dutra, 35, agarrou para si a causa dos felinos desprovidos de lar. Além da dureza de viver nas ruas, passíveis de diversos tipos de perigos, os milhões de gatos abandonados são um problema de saúde pública. "Desde que uma gata pariu na minha rua e, em uma noite chuvosa, os filhotes se espantaram com o barulho de um gerador que queimou e foram se esconder em um cano, onde morreram afogados, eu jurei que nenhuma outra gata pariria de novo na minha rua", lembra emocionada a moradora do Lago Sul.
Há sete anos, ela começou a aplicar o protocolo CED (captura, esteriliza e devolve), que consiste em pegar os animais em situação de rua, castrá-los e devolvê-los para suas colônias. "Muita gente tem a ilusão de que haverá abrigos ou lares para todos, mas essa não é a realidade. Muitos desses animais são ferais, nem selvagens e nem domésticos, o que inviabiliza a adoção", explica a carioca.
Ela começou na rua dela, depois expandiu para a quadra onde mora até que, hoje, captura animais e esteriliza gatinhos em diversas partes da cidade. Já foram mais de 3 mil bichanos cuidados por Natália, que ajuda no controle da expansão da população de felinos nas ruas. "Comecei a fazer CED intuitivamente. Um tempo depois, descobri que é um protocolo existente em mais de 40 países." Uma de suas ações foi no Setor de Embaixadas Sul, onde capturou mais de 180 gatos que tiveram as castrações custeados pelos cachorros-quentes que vendeu no Cruzeiro, com o único objetivo de levantar recursos para a causa. Vários gatos vão ao seu encontro na vizinhança para receber ração diariamente.
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Cerrado
O sonho de ver espécies vegetais nativas do cerrado por Brasília é alimentado desde sempre pela servidora pública Cilene Maria de Camargos, 57. É com entusiasmo que ela fala das "filhas" que ela plantou em uma área anteriormente degradada, na 210 Norte. Os carros costumavam estacionar no local para acessar a comercial da quadra. A prática destruía, inclusive, mudas que outros voluntários chegaram a plantar no local anteriormente.
Mesmo com a resistência de algumas pessoas da vizinhança, ela não desistiu. Em 2016, ela se juntou com a prefeitura da quadra e pensou no paisagismo do trecho destruído pela ação humana Os carros pararam de circular ali após a instalação de obstáculos nas calçadas, para impedir a entrada de veículos. "As mudas eu conseguia com a Novacap, viveiros ou por conta própria. Após o plantio, foram alguns anos frequentando a quadra regularmente para cuidar das minhas filhas. Hoje, algumas já dão frutos, como é o caso do Jatobá, que frutificou pela primeira vez este ano", orgulha-se.
A atitude de Cilene embeleza a vizinhança e valoriza o cerrado, bioma ameaçado pela devastação. Ipês amarelos do cerrado, jatobás, mutambas, jatobá da mata, aroeira do sertão, cajuzinho do cerrado, cagaiteiras e araçás do cerrado agora fazem parte da paisagem da 210 Norte, graças ao trabalho feito por Cirlene. Em meio às espécimes, chama atenção a mil-homens, com suas flores gigantes que ela faz questão de mostrar para a reportagem. "Ela é medicinal, facilitadora de partos, segundo os tratados do grego Hipócrates", detalha.
Fã de Roberto Burle Marx desde menina, a experiência na quadra onde morava a fez despertar o interesse por uma nova área do conhecimento. Atualmente, ela é estudante de paisagismo e moradora do Lago Norte.
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