Literatura

"A voz de quem não pode falar mais" traduzida em obra literaria

Em livro, perita detalha ao Podcast do Correio como é realizado o trabalho de investigação em casos de feminicídios

  24/08/2023 Crédito: Kayo Magalhães/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF - Podcast do Correio entrevista Beatriz Figueiredo, diretora da Divisão de Perícias Externas do Instituto de Criminalística. -  (crédito: Kayo Magalhaes)
24/08/2023 Crédito: Kayo Magalhães/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF - Podcast do Correio entrevista Beatriz Figueiredo, diretora da Divisão de Perícias Externas do Instituto de Criminalística. - (crédito: Kayo Magalhaes)
José Augusto Limão*
Mila Ferreira
postado em 25/08/2023 06:00

A diretora da Divisão de Perícias Externas do Instituto de Criminalística do DF, Beatriz Figueiredo, foi a entrevistada do Podcast do Correio — programa semanal do Correio Braziliense. Em conversa com as jornalistas Mariana Niederauer e Sibele Negromonte, a perita criminal falou sobre o lançamento do seu livro Feminicídio: perícia criminal e valor jurídico da prova material. A perita criminal detalhou o trabalho da perícia para desvendar casos de repercussão. "É um trabalho de formiguinha e detetive. É chegar em uma cena de crime e tentar desvendar o que aconteceu, recontar os últimos momentos. A gente é a voz de quem não pode mais falar", declara.

Ao longo dos anos, as cenas de feminicídios têm mudado muito? 

Ainda vai demorar até que consigamos fazer uma análise mais específica e mais clara de alguns aspectos do feminicídio. Estamos falando de um crime que existe desde sempre, mas cuja legislação é muito nova. A Lei do Feminicídio é de 2015. A gente demorou para engrenar na tipificação e entender esses casos. Não sabemos se os casos aumentaram ou se antes eram subnotificados. Muitas mortes de mulheres antes da lei não eram entendidas como feminicídio e passavam despercebidas nesse aspecto. Com as investigações focadas na morte como uma questão de gênero, temos condição de analisar melhor esses dados. Mas, de fato, os números são assustadores. Tenho percebido que as mortes têm se tornado cada vez mais violentas.

Percebemos que os feminicídios têm ocorrido com pessoas mais novas. Essa também é a sua percepção?

O mais comum é o feminicídio íntimo, em virtude de relacionamentos, mas também há casos onde não há relação entre autor e vítima. O feminicídio é a morte por ela ser mulher, pelo ódio à condição feminina. Há outros casos, como, por exemplo, um vizinho que quer ter um relacionamento com uma vizinha, ela negou, ele invade a casa dela, estupra e mata. Ou quando um criminoso assalta alguém no ponto de ônibus, esse alguém é uma mulher e além de roubar, ele também estupra e mata. Mortes de mulheres em profissões estigmatizadas: dançarinas, strippers, profissionais do sexo, massagistas, etc. Quando elas morrem em função das profissões, também estamos falando de feminicídio. Ou no caso da violência estrutural, quando um homem assalta alguém no ponto de ônibus, e se esse é uma mulher, além de roubar, ele também estupra e a mata.

Dentro do âmbito dos relacionamentos, há um aumento entre as mulheres jovens. Elas têm um acesso mais precoce a informações, elas conseguem diagnosticar mais cedo o ciclo da violência. E a mulher morre quando ela rompe, quando ela tenta terminar e não aceita mais.

Como funciona o dia-a-dia na sua profissão?

Muito do que mostram na tevê traduz a nossa realidade. É um trabalho de formiguinha e detetive. É chegar em uma cena de crime e tentar desvendar o que aconteceu, recontar os últimos momentos. A gente é a voz de quem não pode mais falar. Pela perícia, conseguimos detectar o que significa cada mancha de sangue, cada copo quebrado, cada substância presente nos líquidos. A gente vai reconstruindo a história por meio da perícia. Conseguimos fortalecer ou enfraquecer versões. O perito só fala o que ele consegue provar.

Veja na íntegra a entrevista com a perita Beatriz Figueredo

Conte um pouco do que estará em seu livro, que será lançado na segunda-feira.

O livro surgiu por acaso, não era minha intenção escrevê-lo, a princípio. Mas, percebi ao longo do caminho, que a parte técnica em relação aos crimes de gênero não era contemplada. Temos pesquisadoras incríveis no Brasil, na parte sociológica da academia, para falar de movimento feminista e de como o feminicídio está no meio da sociedade respaldado pelo machismo e pelo patriarcado. Muitas publicações excelentes na fase jurídica falando do tribunal do júri, promotores e defensores. Mas, vi que a parte técnica a gente não tinha.

Comecei a estudar e surgiu a ideia do livro. Peguei todos os vestígios possíveis nas cena de crimes e analisei com viés de gênero. Por exemplo, se estou falando de pó, poeira e cinza em um local de homicídio tem um significado, se estou falando em um local de gênero, tem outro. Se eu estou falando de pó, posso estar falando de cocaína até medicamentos pulverizados que o autor pode ter administrado na mulher para ela perder a consciência, até maquiagem. Tive um caso que deu para falar que foi feminicídio, porque tinha maquiagem no travesseiro que o autor usou para sufocar a vítima. Esses detalhes podem fazer toda a diferença, do perito saber encontrar isso no local, examinar e colocar no laudo que será utilizado no processo penal.

*Estagiário sob a supervisão de Suzano Almeida

 

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