Homenagem

Roland Montenegro deixa legado para o mundo da medicina

Amigos, pacientes e colegas de profissão expressaram sua tristeza e relembraram a competência e a humanidade do cirurgião especializado em transplante de pâncreas e de fígado, que morreu em um acidente de avião no sábado, em Barcelos (AM)

Os médicos cirurgiões Lúcio Lucas, Roland Montenegro  -  (crédito: Arquivo Pessoal)
Os médicos cirurgiões Lúcio Lucas, Roland Montenegro - (crédito: Arquivo Pessoal)
postado em 18/09/2023 06:00 / atualizado em 18/09/2023 10:33

Referência no Brasil e conhecido mundialmente, o médico Roland Montenegro Costa, que completaria 71 anos em 1° de outubro, era querido por colegas e pacientes. Para todos que o conheceram, o sentimento deixado pelo cirurgião é o mesmo: legado de gentileza, educação, amor ao próximo, profissionalismo e competência. Ele foi uma das vítimas do acidente de avião em Barcelos, no Amazonas, ocorrido no último sábado.

Pioneiro em transplantes em Brasília e aposentado do Hospital de Base de Brasília, tornou-se renomado pelas inovações com técnicas para tratar pacientes com tumores no fígado e no pâncreas. Durante os 45 anos de trajetória, também atuou em consultório particular e outros hospitais da capital federal. O talento de Roland rendeu à medicina uma nova técnica para cirurgia no pâncreas, que levou o sobrenome dele. 

A técnica de Montenegro para anastomose pancreato gástrica foi descrita em 2005 e apresentada no Congresso Europeu da Sociedade Internacional de Cirurgia Hepato-Pancreatobiliar, em Heidelberg, na Alemanha. Nos casos de retirada de tumor no pâncreas, a reconstrução do órgão após o procedimento envolve diversas dificuldades. Cerca de 25% dos pacientes apresentam complicações, mas, com a técnica desenvolvida por Roland, essa estatística diminuiu drasticamente. "Pela técnica de Montenegro, essa reconstrução do pâncreas passou a apresentar cerca de 5% de complicações", contou Lúcio Lucas, 53, amigo de Roland e seu braço direito, que realizou cirurgias em parceria com o profissional por 24 anos. 

Em 2006, por exemplo, utilizou uma técnica incomum para extrair um tumor do fígado de uma mulher, de 52 anos, que havia sido desenganada por outros médicos. "Para mim, ele foi um dos cirurgiões mais importantes que já passaram por Brasília, ele tinha uma capacidade única e inovadora", disse Lúcio ao Correio, relembrando que a destreza de Roland era tanta que ele foi um dos primeiros cirurgiões do Brasil a buscar especialização em transplantes fora do país. "Era uma pessoa muito especial. Vou lembrar dele como uma pessoa de extrema habilidade, sempre foi uma pessoa com muito conhecimento, sempre ajudou os profissionais mais novos", completou, com a voz embargada pela tristeza.

Amado pelos pacientes

A jornalista Gláucia Guimarães, 51, revelou que conheceu o médico há 10 anos, em um momento difícil. "Descobri um nódulo na cauda do pâncreas. Consultei vários médicos e todos indicaram Roland. Ouvi de muitos profissionais de saúde que, se eles próprios tivessem qualquer problema no pâncreas, não teriam dúvidas, procurariam o doutor Roland", relatou.

Gláucia fez a cirurgia com Roland e a relação entre médico e paciente se transformou em uma grande amizade. "A medicina mundial perde demais com a morte desse homem. Sim, ele era chamado para operar pacientes em vários países. O povo de Brasília, nem se fala", assinalou em um post.

Desde a primeira consulta, Sara Sousa de Oliveira, 44, afirma que Roland foi um refrigério e um ponto de calmaria. Ao descobrir um tumor no pâncreas, em agosto de 2021, o sentimento foi de desespero. "Ele me tranquilizou e sempre dizia que ia dar tudo certo. Contava piadas e falava sobre as experiências na medicina. O que mais me impactava sobre ele era sua dedicação aos pacientes", comentou.

Em janeiro do ano passado, operou para retirar o tumor do pâncreas. Uma cirurgia complexa, nada fácil. Sara conta que buscava por um médico experiente, que pudesse lhe ajudar. Indicado pelo oncologista Daniel Girardi, ele foi enfático: faça a cirurgia com o Roland, ele é o melhor. E sem dúvidas, Sara assegura que nunca encontrou ninguém tão apaixonado pelo que fazia como o cirurgião.

A afinidade cresceu e as visitas ao consultório tornaram-se frequentes, não apenas para as consultas, mas para colocar o papo em dia. Descontraído, ele contava histórias de quando era jovem e das peripécias na terra natal, Maranhão. A proximidade, inclusive, cresceu ainda mais em virtude disso. Sara tem família maranhense. "Roland vai deixar um imenso legado."

Caroline Moura de Sales, 30, conheceu o médico em 2018, também por recomendação de outra profissional. "Eu não tinha pâncreas, tinha cistos, várias lesões, crises recorrentes de dores. Ele me devolveu qualidade de vida. Costumo dizer que sou uma outra pessoa após a cirurgia", relembrou a hoteleira hospitalar.  Segundo Carol, era nítida a paixão pela profissão, por ajudar o próximo e salvar vidas. Sempre que podia, fazia questão de manter proximidade com os pacientes. Uma conexão rara, poucas vezes vista. "Passávamos horas nas consultas conversando sobre tudo. Ele amava viajar, conhecer novas culturas. Um homem bastante viajado. E eu, formada em turismo, adorava escutar as histórias", revelou.

Hoje, ela trabalha em um hospital particular em Brasília. Viu o amigo Roland pela última vez na semana passada. O avistou de longe, em visita a um paciente. "Elegante, de terno preto, vaidoso como de costume" — Carol recorda que esse era o visual preferido do médico.

Vanderlea de Farias Magalhães diz não acreditar na perda. "Tive a bênção e a felicidade de conhecê-lo, na minha primeira cirurgia, em 2008. Depois, pude contar com o seu profissionalismo, carinho, apoio, acolhimento e bondade em 2014, 2017 e em 2022. Quero registrar minha eterna gratidão. Um profissional diferenciado. Era notório o amor com que exercia sua missão. Que Deus o acolha em seu Reino", disse, comovida.

Respeitado por colegas

Ernandes Nakamura, 47, cirurgião de cabeça e pescoço, ressaltou que o colega era respeitado por toda a classe médica. "Pessoa de personalidade ímpar, sempre de bom humor a despeito das dificuldades. Fazia cirurgias de alta complexidade. Sempre com pensamento positivo da vida. Realmente uma grande perda."

Assim como Roland, a pesca também é uma paixão de Ernandes, que esteve várias vezes em Barcelos. Ambos partilhavam da mesma prática, tanto profissionalmente como nos hobbies. "Ele pescava e soltava os peixes. Sempre preocupado com a vida. Espero que possa ser acolhido no mundo espiritual por espíritos de luz. Estou triste, coisas da vida", complementou o médico.

Cirurgião oncológico, Renato Sabbag, 47, relembrou que Roland, antes de tudo, sempre foi um grande amigo. "Extremamente generoso e atencioso com os colegas e pacientes. médico exemplar, irretocável, com técnica cirúrgica primorosa. Pessoa agradável e facilmente cativante. Energia vital e disposição para trabalhos inabaláveis. Sem tempo para lamúrias. Enfim, um exemplo. Deixou um legado de belas histórias e fez muita diferença na vida de inúmeras pessoas, dentre as quais me incluo", completou Renato.

"Meu cirurgião". Era assim que o cardiologista Wladimir Magalhães de Freitas, 56, carinhosamente chamava Roland. Ele e a esposa estão consternados com a perda do amigo. Para Wladimir, o profissional era uma inspiração como médico. "Fará muita falta à família, aos amigos e à cidade. Uma saída rápida de cena no teatro da vida nos deixa a impressão que ele ainda está nos bastidores", descreveu Wladimir.

A hematologista Liliana Mendes, 55, trabalhava na mesma equipe com Roland. Para ela, o médico é insubstituível. "Ele era um mito, um exemplo de vida. No dia a dia, uma pessoa sempre alegre, cheia de planos, deixava a gente muito confortável. Ele tinha um espírito agregador, um dom para cirurgia. O procedimento dele era uma verdadeira obra de arte", atestou.

Roland deixou esposa, quatro filhos, e duas netas. O corpo será cremado, atendendo a vontade do médico, e a previsão é que chegue em Brasília hoje. Até o fechamento desta edição, não havia informações sobre o velório.

 

  • Renato Sabbag na companhia do grande amigo Roland Montenegro Costa
    Renato Sabbag na companhia do grande amigo Roland Montenegro Costa Foto: Arquivo pessoal
  • O cirurgião tinha 45 anos de carreira e faria 71 anos em 1º de outubro
    O cirurgião tinha 45 anos de carreira e faria 71 anos em 1º de outubro Foto: Reprodução/Instagram/@mariadelaciseixas
  •  Sara e o marido ao lado do médico Roland Montenegro
    Sara e o marido ao lado do médico Roland Montenegro Foto: Fotos: Reprodução/Instagram
  • Os cirurgiões Lúcio Lucas e Horacio Asbun com Roland
    Os cirurgiões Lúcio Lucas e Horacio Asbun com Roland Foto: Arquivo Pessoal
  • O médico Lúcio Lucas era amigo e braço direito de Roland. Os dois realizaram cirurgias em parceria durante 24 anos
    O médico Lúcio Lucas era amigo e braço direito de Roland. Os dois realizaram cirurgias em parceria durante 24 anos Foto: Arquivo pessoal
  •   Médico do Hospital de Base Roland Montenegro qu8e morreu na queda de avião.
    Médico do Hospital de Base Roland Montenegro qu8e morreu na queda de avião. Foto: Arquivo pessoal
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