Em 2030, as pessoas idosas serão 16,6% da população do Distrito Federal, confirmando a tendência de que, no futuro, esse grupo será, quantitativamente, superior ao de crianças e adolescentes. Em 2021, dos 356.514 mil habitantes com 60 anos ou mais, 13,7% tinham alguma ocupação, seja no serviço público, na iniciativa privada ou como autônomos. Uma mão de obra cada vez maior e que, em breve, será a força motriz da economia da capital.
Este ano, as pessoas idosas representam 12,8% da população do DF, um aumento de 0,5% em relação à porcentagem do ano anterior, segundo dados do Instituto de Pesquisa e Estatística (IPEDF). Para especialistas ouvidos pelo Correio, este é o momento para que poder público e iniciativa privada reconheçam a relevância da pessoa idosa na economia e comecem a desenvolver políticas de contratação e de qualificação dessa mão de obra.
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Marcelo Neri, economista e diretor do FGV Social, explicou que o desenvolvimento de políticas de contratação ainda esbarra em dois desafios: a baixa escolaridade desse público, em relação ao restante da população, e a inclusão digital, fundamental no mercado, principalmente após a pandemia. "A força desse grupo está na experiência adquirida ao longo da vida", completou.
A maior parte das pessoas idosas do DF possui nível superior completo (26,8%), seguido do fundamental incompleto (24,1%) e médio completo (21,5%). Já o acesso a internet é de 66%, de forma que quanto maior a faixa etária, menor foi o acesso. Os dados são do estudo Retratos Sociais da Pessoa Idosa, feito pelo IPEDF, em 2021.
Quarta idade
Para o especialista, é preciso compreender que aquelas que estão com 65 anos têm demandas diferentes das de 80 anos, ainda que sejam incluídas no mesmo grupo. "Há países que já trabalham com o conceito de quarta idade, para indivíduos com mais de 80 anos, em vista do aumento da expectativa de vida. Hoje, quem tem 60 anos possui condições de saúde bem melhores do que antigamente", comentou.
Atrair as pessoas idosas para o mercado novamente significa rever a forma como a sociedade os enxerga, muitas vezes de forma infantilizada e sem utilidade, preconceitos que vão ao encontro do chamado etarismo. Pensar em grupos de trabalho mais diversos é, para Marcelo Neri, um dos pontos de partida para essa inclusão.
Para Lays Parentes, psicóloga e idealizadora do projeto Atividade na Melhor Idade, é preciso adaptar o ambiente de trabalho, fornecendo programas de bem-estar, treinamento contínuo e flexibilidade de horários. Cumpridos os requisitos, esses espaços podem se tornar aliados na saúde mental das pessoas idosas, considerando a criação de vínculos e a socialização promovidas pelo trabalho.
"Muitos idosos enfrentam o isolamento social, devido à perda de amigos e familiares, à aposentadoria e a dificuldades de locomoção, o que pode levar a problemas como a depressão e a ansiedade", explicou a psicóloga. No DF, o fenômeno das famílias estendidas, no qual várias gerações coabitam, é baixo, apenas 9,61%, segundo dados de 2022, do Centro de Políticas Sociais/FGV Social. Assim, essas pessoas tendem a morar sozinhas ou com algum cônjuge.
Renda e ocupação
A ocorrência de famílias estendidas é maior em estados mais pobres do nordeste e do norte. A título de comparação, no Piauí e no Amazonas, esse percentual é de 13,68% e de 12,67%, respectivamente. "Este fenômeno se acirra combinado com a conjuntura adversa de recessão ou pandemia, por exemplo. Levando a um efeito canguru, no qual os filhos voltam a morar com os pais. Os idosos fazem com que as famílias que são idosas ou morem com idosos subam de classe econômica, devido ao efeito da aposentadoria", descreveu o estudo "Famílias estendidas".
De acordo com a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD) de 2021, a renda individual média das pessoas de 60 anos ou mais no DF era, naquele ano, de R$ 3.888,40. Os maiores gastos, conforme pontuou o economista Marcelo Neri, concentram-se nos serviços de saúde, que incluem remédios, planos de saúde, cuidadores etc. Há categorias de serviços que também se voltam majoritariamente para esse grupo, como o turismo fora da alta temporada, em vista do maior tempo disponível para aqueles que se aposentaram.
Aposentar-se, aliás, não tem sido motivo para que esse público pare de estudar. Também segundo a PDAD 2021, 7.858 idosos (2,2% do total) informaram estar frequentando alguma instituição formal de ensino (escola ou universidade), enquanto 7.624 (2,1%) informaram realizar cursos diversos, tais como educação profissional, línguas estrangeiras e preparatório para concurso, entre outros.
Oportunidades
A carência de atividades educacionais voltadas ao envelhecimento saudável e ativo motivou um grupo de pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB), liderados pela professora Margô Karnikowski, a criarem o curso de extensão Universidade do Envelhecer (UniSER), em 2015. O programa visa a promoção da qualidade de vida e as mudanças de paradigmas da população madura, por meio de uma capacitação que permite a ela atuar na própria velhice, de forma que essas pessoas tornem-se participativas e ocupem espaços na sociedade.
O curso de educador político e social em gerontologia, ofertado a cada semestre e com duração de um ano e meio, formou mais de mil participantes e também possibilita a atuação em instituições que prestam serviços para pessoas idosas. Os educadores tornam-se, portanto, agentes de transformação social e política, que promovem o empoderamento, a autonomia, a cidadania e a ampliação das capacidades na vida adulta.
Entre as disciplinas do programa, estão incluídas aulas de políticas públicas, autocuidado, inglês básico, arte e cultura e educação física. Os requisitos para fazer o curso são: ter 45 anos ou mais; disponibilidade de horário, de segunda à sexta-feira, das 14h às 18h, para as aulas e para as atividades de cunho extracurricular; e residir no DF ou no Entorno.
Kerolyn Ramos Garcia, doutora em ciências e tecnologias em saúde e coordenadora executiva do UniSER, reforça que o programa interliga diferentes gerações, algo fundamental para promover a socialização das pessoas idosas. "Sempre falamos que, na melhor das hipóteses, todos vamos envelhecer, então, que façamos dessa fase a melhor possível. Nesse contexto, as ações educativas nos ajudam a viver melhor, afinal, estamos sempre em processo de aprendizagem", argumentou.
Viver bem
Cleunice Castro, 66, foi aluna da UniSER e hoje atua como professora voluntária de artesanato na instituição. Chegada em novidades, ela, que sempre foi costureira e artesã, ficou sabendo pela filha da oportunidade de iniciar o curso de educador político e social em gerontologia. Não perdeu tempo e fez sua inscrição em 2016.
As principais motivações estavam em obter mais conhecimentos sobre os direitos das pessoas idosas, além de crescer emocionalmente. "Lá, eu estava sempre com a mente ocupada, fazendo amizades e me sentindo atualizada sobre as coisas. O curso me manteve ativa e longe da tristeza", comemorou.
Quando finalizou a formação, em 2017, foi chamada para ser professora voluntária e organizadora de eventos na instituição. Lecionar, para ela, foi a realização de um antigo sonho. "Sempre tive o desejo de dar aulas, então, hoje me sinto realizada. Percebo que muitos idosos também têm vontade de progredir, se desenvolver, mas falta apoio da família e da sociedade, que desacreditam em seu potencial", destacou.
Manter-se ativa é, para Cleunice, sinônimo de saúde. Ideia compartilhada por Algemira Fernandes, 81, que mantém uma loja de bijuterias e cosméticos no Shopping Popular de Ceilândia. De segunda a sábado, das 9h30 às 17h, lá está a comerciante, que trabalha com vendas há quase 60 anos. "Quando a gente começa a trabalhar muito cedo, parar se torna difícil", disse.
E ficar em casa sozinha, para a octogenária, não é uma opção. "Gosto de conversar, sabe? Falar sobre a vida. Detesto ficar isolada e ter que pedir dinheiro aos meus filhos. Corro atrás do que preciso para mim". Aos domingos, quando a loja é fechada, procura atividades para se ocupar. Já aprendeu crochê e montou uma horta em seu quintal.
"Não consigo ficar parada. Às vezes penso que, se eu parar de trabalhar, posso entrar em depressão", desabafou. O deslocamento de casa até o shopping é feito a pé e, por vezes, de carro por aplicativo. "De ônibus não gosto, pois os motoristas não têm paciência com a gente", relatou. Algemira confidenciou que o movimento em sua loja é pequeno, mas o trabalho segue fundamental em sua vida. "Meus filhos já falaram que não preciso mais desse serviço, mas isso aqui [o trabalho] é minha vida, é o que me dá saúde", concluiu.
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