
O assassinato de uma família em Alvorada do Norte, em Goiás, está cercado de mistério, barbárie e frieza. Os brasilienses Flávio dos Santos Neri, 29 anos; a esposa dele, Jéssica Cristina de Assis, 27, grávida de oito meses; e a filha do casal, Naira Gabrielly, de 1 ano e 8 meses, estavam desaparecidos desde dezembro de 2024 e foram encontrados enterrados na chácara onde residiam, em uma área de assentamento distante cerca de 60km do centro do município goiano. O principal suspeito do crime brutal é um dos tios de Flávio, identificado como Ismael Gonçalves.
Luiza Pereira dos Santos, 26, uma das irmãs de Flávio, acompanhou toda a operação de buscas e os desdobramentos da investigação policial. Dias antes de desaparecer, Flávio, a mulher e a filha visitaram a família, em Brasília, no Paranoá, onde ele morou por anos. Há cerca de três meses, o casal decidiu se mudar para uma chácara em Alvorada do Norte. A propriedade, que pertence ao avô de Flávio, tem seis alqueires, e era alvo da ganância de Ismael. "A intenção do meu irmão era ficar lá só até a bebê da Jéssica nascer, pois já tinha havido briga com Ismael, que não queria meu irmão lá."
Flávio não tinha qualquer interesse na propriedade e morava lá apenas por gostar de roça e por conseguir acolher a família em um lar, alegam os familiares da vítima. Em 17 de dezembro do ano passado, ele saiu de Brasília com a esposa e a filha em direção a Alvorada. "Eu pedi que ele não fosse, que era melhor ficar morando aqui para evitar qualquer confusão, mas ele disse que estava tudo bem e fiquei tranquila", disse Luiza.
Sumiço
Para chegar à chácara, Flávio tinha de pegar um ônibus que passa semanalmente em um ponto da cidade em direção ao assentamento. Por ter chegado tarde ao município goiano, ele perdeu a viagem e ligou para a irmã, pedindo um dinheiro para embarcar em um outro coletivo. Luiza contribuiu com R$ 25 e, depois disso, ouviu o irmão dizer: "Chegando lá, eu procuro um sinal de wi-fi e te aviso que cheguei bem". Essa foi a última mensagem.
Por não ter área de cobertura, era comum Flávio não corresponder às mensagens instantaneamente e nem receber ligações. Por isso, o "sumiço" de dias foi considerado normal pelos parentes. As semanas se passaram e a preocupação começou a aumentar, relatou Luíza. A jovem conversou com uma irmã e as duas chegaram à conclusão de que o familiar e a esposa estavam desaparecidos. "Não chegava mensagem nem ligação. Os familiares da Jéssica não tinham notícias. Então, ficamos preocupadas."
Em busca de respostas, Luíza foi à casa do avô, no Paranoá. O idoso é pai de Ismael, o suspeito. "Eu não sabia de nada. Fui perguntar a eles (avô e avó) se tinham informações, mas notei meu avô estranho. Ele disse que havia voltado de Alvorada em 17 de dezembro, mesmo dia que meu irmão foi e, por isso, não havia o encontrado", relatou.
Mas a preocupação aumentou depois que Luíza ouviu de outra pessoa que Flávio e a mulher haviam pegado as coisas e ido embora, hipótese essa considerada incabível pela família. "Só caiu nossa ficha quando o irmão do Ismael, que é alcoólatra, disse à minha irmã que o Flávio, a mulher e a filha estavam enterrados na chácara. Nos desesperamos e procuramos a polícia", desabafou a irmã da vítima.
Varredura
Luíza e a família de Jéssica se deslocaram até Alvorada do Norte e registraram um boletim de ocorrência por desaparecimento. Na delegacia, descobriram que o avô, pai de Ismael, havia feito um boletim contra Flávio em 13 de dezembro e retirou a queixa no dia 20, o que contradisse a versão do idoso, de que teria retornado a Brasília no dia 17. "No boletim, ele pedia para que o Flávio saísse da chácara. Como ele retira a queixa no período do sumiço?", questionou Luíza.
Os familiares foram à chácara e encontraram a propriedade abandonada. O chão aparentava estar lavado. Havia resquícios e pontos de sangue em alguns objetos, como um calendário. A Polícia Civil do Estado de Goiás (PCGO) iniciou uma varredura minuciosa no local. A operação contou com o apoio de bombeiros, peritos criminais e cães farejadores. Ao Correio, o delegado titular da Delegacia de Alvorada do Norte, Thiago Ferreira Farias, afirmou que os três corpos foram encontrados na manhã desta terça-feira, próximo ao rio, em uma cova rasa de, aproximadamente, 1,5m.
Pelo estado de decomposição, a polícia acredita que as vítimas foram mortas há cerca de dois meses. Também não foi possível determinar a causa da morte. "Há uma suspeita de que Ismael pode ter sido ajudado por outra pessoa. Ele se relacionava com uma mulher, que ainda estamos tentando identificar", informou o delegado.
A família não tem dúvidas quanto à participação de uma segunda ou terceira pessoa. Os corpos das vítimas estão no IML de Goiânia, sem previsão de liberação. Os familiares irão à unidade do IML de Águas Lindas para a coleta do DNA. Luíza, que teve os pais assassinados na infância, carrega, agora, mais uma dor do luto.
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