O recente caso do "desafio do desodorante" — que levou à morte de Sarah Raíssa, de 8 anos, na quinta-feira da semana passada—, serviu como alerta para famílias, educadores e autoridades. Especialistas em comunicação que participaram, nessa quarta-feira (16/4), do seminário Letramento transmídia, práticas comunicacionais e as realidades brasileiras, na Universidade de Brasília (UnB), afirmam que, mais do que limitar o uso das redes sociais, é essencial que pais e responsáveis compreendam o que os filhos estão comunicando no ambiente digital.
De acordo com os especialistas, a trágica morte de Raíssa escancarou um problema muito maior do que um vídeo ou uma plataforma. O episódio, na verdade, é apenas a face visível de uma cultura digital que, sem mediação e educação, coloca crianças e adolescentes em risco constante.
"A educação sobre mídia não é responsabilidade das crianças. É dos adultos que convivem com elas: pais, professores, cuidadores. Não deixamos nossos filhos sozinhos numa praça à noite — por que deixaríamos nas redes sociais sem orientação?", questionou a professora Bianca Becker, da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
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Essa responsabilidade compartilhada foi reforçada pelos professores Vitor José Braga, da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), e Tatiana Aneas, da Universidade Federal de Sergipe (UFS), que destacaram a importância de políticas públicas que deem suporte a essa educação midiática. "Há um discurso forte sobre a importância dela, mas ainda não vemos isso se concretizando nas escolas, e muito menos chegando às famílias", afirmou Tatiana.
O seminário evidenciou que a educação para o uso de redes sociais deve ser pensada como um processo contínuo e levar em consideração diferentes contextos sociais. Tatiana ressaltou que, acima de tudo, é necessário cuidado para não culpabilizar as vítimas, tendo em vista que muitas famílias entregam o celular à criança por falta de alternativas seguras de lazer, enquanto outras o fazem por desconhecimento dos riscos. "É preciso acolher essas famílias e oferecer formação, e não apenas as responsabilizar", avaliou Carina Flexor, professora do Departamento de Audiovisuais e Publicidade da UnB.
Big techs e influencers
Os especialistas criticaram a atuação das plataformas digitais, que frequentemente se recusam a fornecer informações à Justiça ou não implementam mecanismos eficazes de proteção. Para Braga, o cenário é de total assimetria de poder, onde empresas bilionárias evitam responsabilidades, enquanto a sociedade responsabiliza os mais vulneráveis — pais, professores e as próprias crianças. "Normalmente, essa resistência ocorre sob a justificativa de que os dados precisam ser protegidos, mas protegidos por quem? Para quem? Com que finalidade?", questionou.
Os influenciadores digitais ocupam uma posição central no atual ecossistema comunicacional, especialmente entre crianças e adolescentes. Com enorme alcance e capacidade de engajamento, esses criadores de conteúdo atuam como referências comportamentais, estéticas e até ideológicas. No entanto, conforme alertaram os professores, nem todos estão cientes da responsabilidade ética que essa função demanda.
"Hoje, temos mais influenciadores do que médicos e advogados no Brasil. É uma profissão consolidada, mas ainda pouco regulamentada", destacou Mariana Ferreira Lopes, professora da Faculdade de Comunicação (Fac) da UnB. A ausência de formação específica e códigos de conduta contribui para que muitos desses influenciadores reproduzam ou até incentivem práticas perigosas, como desafios virais, discursos de ódio ou conteúdos com viés desinformativo.
Entretanto, nesse cenário, os influenciadores precisam ser vistos não como vilões ou heróis, mas como agentes comunicacionais que devem ser incluídos nos debates sobre ética digital, educação e regulamentação. "A formação crítica desses atores é fundamental para transformar o ambiente digital em um espaço menos tóxico e mais construtivo", concluiu Carina.
