Desafios da internet são perigosos para saúde física e mental das crianças
A Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu o termo Jogos Perigosos (Hazardous Gaming em inglês) na Classificação Internacional de Doenças (CID), em 2019. Especialistas alertam para a necessidade de mais rigor na regulamentação das redes sociais
Sara Raíssa Pereira, 8 anos, foi encontrada na cama. Ao lado do corpo, um tubo de desodorante e o celular - (crédito: Reprodução/Redes sociais)
O que é divulgado como "brincadeira" nas redes sociais colocou a Organização Mundial da Saúde (OMS) em alerta. Desde 2019, a agência incluiu o termo Jogos Perigosos (Hazardous Gaming em inglês) na Classificação Internacional de Doenças (CID). O distúrbio refere-se a "um padrão de jogo, on-line ou off-line, que aumenta consideravelmente o risco de consequências prejudiciais à saúde física ou mental do indivíduo ou de outras pessoas ao seu redor".
A pneumologista Flávia Fonseca, secretária-geral da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) explica que o perigo aumenta, no caso de crianças, pois o sistema respiratório infantil, dependendo da idade, ainda está em desenvolvimento e não possui os mesmos mecanismos de defesa de um adulto.
"Temos dados sobre exposição a quantidade baixa e eventual de aerossol — como de quando aplicamos um desodorante, por exemplo. Esse tipo não tem efeitos significativos no organismo. Porém, em casos de crianças inalarem quantidades maiores e sobreviveram, é possível haver sequelas no futuro", alerta. Se isso acontecer, é fundamental procurar um hospital imediatamente.
A facilidade de reprodução e o apelo emocional são ingredientes centrais na disseminação e engajamento nos desafios perigosos nas redes sociais. Segundo a psicóloga Rosana Cibok, esses conteúdos se espalham rapidamente por apresentarem baixa complexidade, o que aumenta o número de participações. "Eles trabalham com emoções primárias, como a surpresa e a alegria em cumprir o que foi proposto, de maneira simples e espontânea", explica.
As plataformas apostam em recompensas sociais para atrair crianças e jovens, que, segundo a especialista, são naturalmente curiosos e estão desenvolvendo a capacidade crítica e o controle dos impulsos. O consumo desses vídeos pode gerar ansiedade, baixa autoestima e até distorção da realidade. "A busca por validação digital pode levar à dependência de curtidas e visualizações. Em certos contextos, colocar-se em perigo passa a parecer uma forma de aceitação social."
Para proteger as crianças e adolescentes, o especialista em tecnologia e inovação Artur Igreja afirma que há diversos recursos disponíveis para auxiliar os responsáveis. Plataformas como o YouTube Kids e sistemas operacionais de celulares oferecem perfis com controle parental. É possível restringir conteúdos, definir horários de uso e monitorar atividades, explica.
Igreja defende, ainda, uma rotina que combine tecnologia e educação. "A combinação entre conversa e uso de filtros e ferramentas de moderação é o caminho mais eficaz", diz. Ele critica a baixa exigência das redes sociais em relação à segurança de seus usuários. "Existem soluções tecnológicas avançadas — como inteligência artificial, detecção de links e análise de voz —, mas o problema estaria na falta de vontade política e regulatória para implementar essas ferramentas de forma eficaz.
Rosana também critica a lentidão na adaptação da legislação brasileira ao ambiente digital. "Apesar do Estatuto da Criança e do Adolescente garantir a proteção integral, a regulação do terreno virtual ainda é insuficiente", pontua. Para ela, as plataformas devem assumir responsabilidade ética e social, investindo em moderação humana eficaz e mecanismos ágeis de denúncia e remoção de conteúdos nocivos.
Cinco perguntas para: Walber Lima, delegado-adjunto da 15ª DP Walber Lima fala sobre os riscos do uso não supervisionado da internet por crianças
(foto: Material cedido ao Correio)
Qual deve ser a relação de pais e filhos quando se trata de celular?
O acesso à internet deve ser monitorado pelos pais. Isso inclui o cadastro nas redes sociais e quais conteúdos os filhos acessam.
A quais tipos de crimes as crianças estão expostas, caso não sejam monitoradas?
São vários os tipos de crimes, desde o estupro virtual a automutilação.
Quais mecanismos existem para bloquear o que a criança pode ver?
Hoje,têm sido debatidos mecanismos de bloqueios para certos conteúdos. Acontece que as plataformas possuem muita resistência quanto ao tema, devendo os pais se manterem vigilantes.
A inclusão do tema no Marco Civil da Internet seria um caminho?
Com certeza. O próprio judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal (STF), tem enfrentado o tema, intimando as empresas, seja para manter representantes no Brasil ou bloquear conteúdos.
Têm sido frequentes crimes praticados contra crianças nas redes? E quais os mais comuns?
Sim. Vivemos em uma sociedade tecnológica. Temos muitos jogos e plataformas que permitem que as crianças se comuniquem de maneira instantânea com apenas um clique. Um crime que tem sido recorrente é o estupro virtual, além dos desafios que são propostos e ocasionm a auto mutilações. Quando estava na delegacia de Vicente Pires, investigamos um caso de desafio em que a vítima sobreviveu.
Formado em Jornalismo na Universidade de Brasília (UnB). É repórter na editoria de Cidades do Correio Braziliense. Tem interesse em jornalismo de dados e temas ligados à segurança pública.