CRÔNICA DA CIDADE

Cem dias de seca, um dia sem Jaguar

'Era início dos anos 2000 quando o cartunista, a contragosto, veio morar em Brasília, e logo deu o braço a torcer. Nas primeiras semanas ganhou estátua no Feitiço Mineiro, reduto de célebres moradores, brasilienses e visitantes, por anos'

O cartunista Jaguar em Brasília, em 2005, no Feitiço Mineiro
 -  (crédito:  Paulo de Araujo/CB/D.A Press)
O cartunista Jaguar em Brasília, em 2005, no Feitiço Mineiro - (crédito: Paulo de Araujo/CB/D.A Press)

A quase 100 dias sem chuva, Brasília desafia os limites do corpo humano. O clima de deserto não é novidade, mas nunca nos acostumamos ao calor e à seca que nos assola nesses agostos. O que podemos fazer é nos preparar, e usar a experiência de muitos anos enfrentando períodos de estiagem longos. Como se esquecer dos meses de racionamento de água? Ou da falta de energia, do corpo que cansa nas corridas, mas pouco sua de tão desidratado?

Nessas horas, o melhor a se fazer é ouvir a voz da experiência, e a dos especialistas. Muita água, atividade física só nos horários mais frescos, evitar bebidas quentes, caprichar na alimentação balanceada. A hidratação precisa se estender também ao resto do corpo: pele, narinas e lábios precisam se uma boa dose de cremes e soro fisiológico para se sustentarem sem rachaduras e feridas mais graves. O cuidado deve ser redobrado com crianças e idosos, mas nunca se pode também abusar da juventude. A prudência é boa conselheira.

Mas a seca traz, por outro lado, um ponto positivo. É a certeza. Aquela segurança de que você poderá promover ou participar de qualquer evento ao ar livre sem se preocupar com a previsão do tempo. Sem toldo, sem barraca, sem guarda-chuva, apenas confiar no céu azul sem as nuvens brancas, traço puro do arquiteto no horizonte.

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É certo também que haverá belos e variados tipos de ipês espalhados pelos eixos. Cada um a seu tempo e com seu colorido especial. Certeiro como a matemática, belo e complexo como a filosofia ou os versos dos mais maravilhosos poemas. De galhos retorcidos e finos, as árvores do cerrado se impõem.

O que desconcerta e ameaça as certezas dos nossos agostos é o desrespeito ao meio ambiente, ameaçado por mudanças climáticas que já se mostraram reais nos mais diversos cantos do mundo e no Brasil. Secas mais intensas, chuvas devastadoras.

Peço licença aos leitores para mudar um pouco o assunto, mas seguir falando de certezas, em especial, neste momento, a da nossa finitude. Ao que escrevo estas linhas, recebo a notícia da morte do cartunista Jaguar, que outro dia apareceu por aqui nesta crônica.

Era início dos anos 2000 quando o cartunista, a contragosto, veio morar em Brasília, e logo deu o braço a torcer. Nas primeiras semanas ganhou estátua no Feitiço Mineiro, reduto de célebres moradores, brasilienses e visitantes, por anos. "Estou em ilustre companhia: Juscelino, equilibrando-se em cima de uma coluna em frente ao Memorial JK, e a estátua da Justiça, obra-prima de meu amigo Ceschiatti, com quem já tomei grandes porres", escreveu o também cronista.

O Correio noticiou o fato na edição de 25 de agosto de 2005. A estátua era praticamente em tamanho real. "Agora vou ficar de plantão durante toda a noite no bar, de onde nunca deveria ter saído", brincou Jaguar. Que descanse em paz depois de trazer tanto humor para os nossos dias mais duros.

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postado em 26/08/2025 18:12 / atualizado em 26/08/2025 18:58
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