
Eu nunca imaginei que um amor pudesse caber em um corpo tão pequeno. Em junho de 2013, Pérola chegou à minha vida como quem chega para ficar — sem pedir licença, sem prometer nada, mas preenchendo cada espaço vazio que eu nem sabia que existia. Era só uma filhotinha sem raça, pretinha, resgatada das ruas, mas logo se tornou tudo: filha, amiga, companheira de alma.
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Foram 12 anos de convivência, e ainda assim parece pouco. Doze anos e três meses em que ela esteve presente em todos os momentos — nos bons, nos ruins e, principalmente, naqueles em que eu mais precisei. Nesse período, não houve silêncio que ela não preenchesse, nem tristeza que resistisse ao seu rabo abanando.
Pérola foi minha razão para levantar da cama quando a depressão me prendeu a ponto de questionar a minha própria existência. Deitou-se ao lado, quieta, respeitando o peso que eu carregava. Foi meu remédio quando entendi que, apesar de toda dor que sentia, um ser dependia exclusivamente de mim.
Durante o isolamento da pandemia, foi minha companhia nos meses silenciosos em que o mundo parecia distante demais. Quando o mundo se trancou, restamos só nós dois em uma quitinete: ela, eu, e a certeza de que o amor cabe num focinho úmido e em um olhar atento.
Lembro-me das viagens de carro — eu, que sempre tive medo de dirigir na estrada, aprendi a enfrentar o volante para encarar quase mil quilômetros só para que ela não precisasse ser dopada e viajar em bagageiro. Pérola, deitada no banco de trás, devidamente segura, com o focinho para fora da janela, parecia entender que aquele gesto era por amor. E era. Tudo com ela era.
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Ela amava os parques de Brasília, o lago, o vento, o sol. Era pura alegria quando corria pela grama e entrava na água fria, como se celebrasse a própria existência. E, sem perceber, ela me ensinava a fazer o mesmo: a viver o agora, a encontrar felicidade nas pequenas coisas, a amar sem pressa, sem cobrança, sem condições.
Há uma semana, minha filha partiu. O corpo cansou, e o tempo fez o que o tempo sempre faz. Dói demais, como dói! A casa ficou vazia. A cama onde ela dormia, agora, é só um pedaço de tecido. O bebedouro ainda está lá, servindo aos dois irmãos que vieram depois — igualmente frutos do resgate pelo amor —, mas o som da água nunca mais foi o mesmo. E eu sigo tentando entender como seguir com a ausência dela ao redor.
Mas, entre as lágrimas, há uma certeza: Pérola veio para me salvar. Ela me mostrou que amor não precisa de palavras, que presença é o maior gesto de cuidado, e que adoção é o encontro mais bonito que o destino pode oferecer. Eu a adotei, é verdade — mas, no fundo, foi ela quem me adotou primeiro.
Pérola me ensinou o que nenhum manual humano conseguiu: que amar é cuidar, é retribuir o afeto recebido, é estar presente. Que adoção não é caridade, é encontro. Que quando se acolhe um animal, acolhe-se também uma parte melhor de si mesmo. Ela foi, mas deixou um legado de lealdade, de ternura e de amor simples — aquele que não cobra, não exige, apenas existe.
A minha menina se foi, mas não acabou. Está em mim, literalmente tatuada na pele, mas, especialmente, em cada lembrança, em cada lugar por onde passei com ela. O que a gente viveu não tem fim — só mudou de forma. Porque alguns amores, mesmo quando partem, continuam respirando dentro da gente. E o dela… ah, o dela vai respirar em mim para sempre.
Hoje, quando penso nela, gosto de acreditar que o céu dos bichinhos tem gramados verdes, lagos tranquilos e uma estrada sem fim, onde Pérola corre livre, feliz, esperando o dia em que voltaremos a nos encontrar. Porque os anjos, afinal, sempre voltam. E ela vai voltar para, um dia, adotar e salvar outro humano.
Revista do Correio
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