
O trânsito de Brasília às 18h é quase um cidadão da cidade, roubando grande parte dos dias dos trabalhadores. A situação é pior ainda para quem utiliza transportes coletivos — e 32% dos passageiros do DF levam mais de meia hora para chegar ao seus destinos, segundo o IBGE. Isso sem contar com atrasos, acidentes e pessoas inconvenientes que marcam os nossos dias.
Foi em um dia atarantado que, saindo um pouco mais tarde do trabalho, cheguei até a parada para embarcar no 0.169, rumo à UnB. Embora tivesse me atrasado para esperá-lo, as mesmas pessoas que sempre o pegavam comigo estavam lá, sentadas, à espera do transporte que nunca vinha.
Deparei-me com o paradoxo do ônibus: quanto mais eu espero, menos eu espero. Mesmo que a chegada seja incerta, dado ao horário e as feições semelhantes de preocupação de todos os meus colegas de transporte, não há outra opção em uma cidade construída para motoristas.
Por minutos que pareceram horas, nos olhávamos vez ou outra para ter certeza de que o ônibus não tinha passado de supetão. Quando eu já estava devaneando sobre a espera do coletivo como uma metáfora para a vida, vejo-o virando a esquina.
Ao levantarmos todos, apressados, para sinalizar a urgência da parada, não pude deixar de rir da situação: pessoas que vejo todos os dias, compartilham da mesma angústia de locomoção que eu, mas cujos nomes nem sei. Não sei nada sobre, e as vejo mais do que a minha própria família.
O motor rangeu, e o ônibus se moveu como um animal cansado, arrastando os corpos sonolentos que tentavam se equilibrar dentro dele. No começo da W3 Norte, o movimento cessou. O silêncio que se seguiu era quase sólido, uma pausa entre a pressa e o cansaço. Olhei pela janela e vi a fileira interminável de luzes vermelhas, pulsando como uma veia congestionada. Pensei que Brasília respirava mal.
As pessoas, imóveis, pareciam flutuar em pensamentos que nunca se cruzavam. Cada uma trancada dentro de si, como se o trânsito fosse uma extensão das próprias prisões. Mas havia uma espécie de comunhão invisível ali, uma rendição coletiva ao tempo que não andava.
Percebi que ninguém olhava para ninguém, mas todos se viam através do reflexo do vidro. Eu também me via: cansada, ansiosa por chegar, mas sem saber bem onde. Talvez ninguém estivesse realmente indo. Talvez o destino fosse apenas o pretexto para suportar o percurso.
O trânsito, teimoso, não cedia. Por um instante, senti que o ônibus todo respirava junto, uma respiração lenta, mas quase bonita. Pensei em como passamos a vida tentando avançar, mas há algo de profundamente humano em ser obrigado a parar.
Quando o fluxo enfim se moveu, senti uma pontada de descontentamento. Como se o movimento me arrancasse de um pensamento que ainda não terminei. Talvez seja isso o que o trânsito faz conosco: não apenas rouba tempo, mas nos devolve a nós mesmos por alguns instantes. E depois, como tudo em Brasília, acelera de novo, como se nada tivesse acontecido.
