Covid-19

Imunidade de Rebanho: 'Não existe essa tal proteção', diz infectologista

José David Urbaéz declarou que o conceito está sendo utilizado erroneamente no enfrentamento à pandemia, e que isso expõe a população a riscos

Jéssica Gotlib
postado em 01/10/2020 16:56 / atualizado em 01/10/2020 19:22
"O mais importante é nós reconhecermos que os seres humanos têm comportamentos muito diferentes. Isso faz com que, quando você fale de proteção ou de imunidade, você tenha que falar de heterogeneidade", diz o médico - (crédito: Ana Rayssa/CB/D.A. Press. )

Na esteira de outros profissionais, o diretor científico da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, José David Urbaéz, declarou que o conceito de imunidade de rebanho está sendo usado de maneira inadequada no enfrentamento à pandemia. Em entrevista ao CB.Saúde — parceria do Correio com a TV Brasília — desta quinta-feira (1º/10), o médico criticou a forma como o parâmetro da imunização coletiva sem que haja uma vacina vem sendo usado enquanto política pública contra a covid-19.

Ao ser perguntado sobre a recente declaração do governador Ibaneis Rocha (MDB) sobre a chance de o Distrito Federal estar alcançado a imunidade de rebanho, Urbaéz foi taxativo: “Não existe essa tal proteção”. O pesquisador emendou com o comentário sobre uma pesquisa da UnB que indica que 20% dos moradores da capital federal já tiveram contato com o novo coronavírus.

“Talvez a cifra da UnB possa ser mais próxima da população, ou talvez a gente tenha uma cifra até maior em outro cenário. O mais importante é nós reconhecermos que os seres humanos têm comportamentos muito diferentes. Isso faz com que, quando você fale de proteção ou de imunidade, você tenha que falar de heterogeneidade”, ressaltou.

Pandemia é heterogênea

Para que fique claro à população o que é essa incidência heterogênea do vírus, o infectologista citou exemplos de dois cenários distintos. “A oportunidade do vírus se transmitir é muito maior em uma pessoa que mora em um local distante, na periferia, onde ela tem que se submeter a um transporte público com pessoas aglomeradas, esse transporte público demora duas, três horas, para chegar no ponto de destino e ela está dentro de uma habitação onde não tem suficiente espaço vital para manter o distanciamento mínimo de dois metros”, desenhou.

No outro extremo, estaria alguém que tem acesso a mais recursos de proteção. “Quando você fala de uma outra pessoa que tem carro particular, um apartamento espaçoso onde moram duas pessoas, onde ele ou ela trabalha em teletrabalho, é muito simples você perceber que o risco desse teletrabalho em um apartamento espaçoso, com carro particular, e desse outro indivíduo é absolutamente diferente”, comparou.

Desigualdade e comportamento do vírus

Urbaéz ainda afirmou que essa é a principal causa de pessoas com vivências diversas estarem expostas de maneiras desiguais à pandemia. “A circulação do vírus não acontece de maneira homogênea, não é todo mundo que se expõe ao vírus da mesma forma. Por isso que não se pode falar de rebanho”, pontuou.

“O mundo é desigualíssimo. Nunca na história da humanidade o mundo foi tão desigual do ponto de vista socioeconômico. As diferenças ficam escancaradas e essas diferenças fazem com que a pandemia não seja igual para todos e, no quesito de transmissão, isso é óbvio. Então, você não pode dizer que nós estamos protegidos por que em algum segmento dessa população você tenha obtido altas taxas de sorologia positiva”, colocou.

O caso de Manaus (AM), onde alguns estudos apontam que o índice de infectados entre a população chega a mais de 60%, foi lembrado pelo pesquisador. Ele diz que, apesar disso, a capital do Amazonas está vivendo agora um novo surto da doença.

Imunidade coletiva só existe com vacina

Antes de falara dos exemplos práticos, Urbaéz já havia explicado que a imunidade de rebanho, ou coletiva, só pode ser observada enquanto um fenômeno decorrente da vacinação em massa. “Esse é um termo muito da vacinologia. Desde que nós tivemos a vacina como um instrumento de controle de doença infecciosa, têm cálculos que se fazem a partir da transmissibilidade de cada agente e, dessa forma, você consegue enxergar um verdadeiro rebanho, ou seja, um número de pessoas que você deve vacinar para que não aconteça mais a transmissão daquele agente infeccioso”, detalhou.

Para ele, a utilização do termo como política pública para combater a pandemia é um desvio do conceito original e causa desinformação, além de expor a população a riscos. “Hoje a gente tem tido uma situação atípica, onde esse termo de imunidade de rebanho, que a gente chama mais de imunidade coletiva, imunidade de grupo, ele está sendo extrapolado para o efeito que tem a infecção natural dentro de grupos populacionais em territórios definidos. Cidades, países, continentes. E isso traz uma enorme confusão porque, desde o momento em que você acredita que isso possa ser uma política pública, você entra em uma seara extremamente perigosa, de risco”, concluiu.

Assista à entrevista completa:

Confira também no formato podcast:

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação