Ciência

Solidão é sofrimento? Especialistas apontam as vantagens de estar sozinho

A solidão não precisa ser sinônimo de sofrimento, diz cientista israelense. Ao observar 1.700 voluntários, ele concluiu que a experiência proporciona liberdade psicológica e tempo para satisfazer desejos. Para especialistas, o ideal é conciliá-la com momentos de sociabilização

Vilhena Soares
postado em 29/11/2020 06:00
 (crédito: Editoria de ilustração)
(crédito: Editoria de ilustração)

O ano de 2020 pode ser considerado o mais solitário da vida de grande parte das pessoas. Isso porque a população mundial se viu obrigada a ficar em casa a maior parte do tempo para se proteger da covid-19. Há expectativa de que esse retiro forçado desencadeie aumento de problemas psicológicos, como ansiedade e depressão. Mas, para um cientista israelense, pode, também, ser um período que vá contribuir para o crescimento pessoal.

Liad Uziel, professor do Departamento de Psicologia da Universidade Bar-Ilan, analisou estudos anteriores sobre o comportamento humano e observou mais de 1.700 voluntários para chegar à conclusão. Ele constatou que os padrões do pensamento diferem-se quando uma pessoa está sozinha ou acompanhada. No primeiro caso, o foco no futuro e o no passado são mais constantes. Já em episódios de convivência social, a mente se mantém no presente e mais alegrias são vivenciadas. Segundo especialistas, ambas situações podem contribuir para a autoavaliação e a melhora da saúde mental.

“Na revisão de trabalhos, percebi que sabemos pouco sobre as experiências das pessoas quando estão sozinhas. Portanto, isso se revelou uma questão interessante”, conta, ao Correio, Liad Uziel. “Publiquei várias pesquisas que enfocam a experiência de solidão de indivíduos com alto grau de neuroticismo, em que observei que essa situação é extremamente difícil e desafiadora para eles. Nessa última investigação, quis analisar o tema de forma mais ampla.”

Os voluntários foram orientados a gerar frases e afirmações sobre suas experiências e seus padrões de pensamento habituais enquanto estavam sozinhos e acompanhados. Eles não receberam instruções ou tópicos específicos sobre o que escrever, em uma tentativa de garantir que as respostas não fossem influenciadas ou comprometidas.

A análise do material, publicada na revista Social Psychology, revela que, quando estavam sozinhas, as pessoas pensavam menos no presente. “Os dados mostram que, quando estamos sozinhos, temos a oportunidade de nos desenvolver atendendo às nossas necessidades e aos nossos desejos, livres de pressões externas. Temos tempo para seguir hobbies e liberdade psicológica para satisfazer nossos desejos”, detalha o cientista.

Por outro lado, quando estavam acompanhados, os voluntários sentiram mais ansiedade (que nem sempre é negativa) e raiva (pela possibilidade de atrito com os outros), mas menos tristeza do que quando estavam sozinhos. Além disso, ficaram mais focados no momento presente. “É engraçado perceber que muitas pessoas buscam atividades individuais, como a meditação, para se manterem mais focadas no presente, e que isso ocorra quando estamos acompanhados”, enfatiza Liad Uziel. “Por mais que nossas experiências sozinhos sejam positivas, desejamos ter contatos sociais porque, na presença de outras pessoas, desfrutamos da emoção das interações, da alta energia. Somos capazes de atender às nossas necessidades de conexão e pertencimento e de aumentar a autoestima por meio de comparações sociais”, avalia.

Equilíbrio

Para o cientista israelense, o segredo está em equilibrar as duas situações: solidão e sociabilização. “Estar sozinho e estar com os outros são experiências que proporcionam recursos diferentes para a nossa mente”, justifica. “É necessária uma combinação para usufruir de todas as vantagens proporcionadas por cada uma delas.” Vladimir Melo, psicólogo, também acredita que o equilíbrio é a receita ideal. Mas, segundo o especialista, muitas pessoas não conseguem usufruir das vantagens oferecidas pela solidão. “Isso depende do desenvolvimento emocional que foi adquirido ao longo da vida. Para algumas crianças, por exemplo, brincar sozinha pode ser uma tarefa prazerosa, enquanto, para outras, pode ser uma experiência de angústia e sofrimento”, ilustra.

Segundo o psicólogo, o equilíbrio entre as duas experiências é ainda mais difícil nos dias atuais, principalmente, devido à influência da tecnologia. “De fato, ser capaz de estar nas duas situações é fundamental, sobretudo em tempos de vínculos virtuais, que também têm a sua importância no mundo de hoje. O espaço virtual acaba sendo uma forma de estar só e acompanhado ao mesmo tempo”, explica Melo. “O equilíbrio entre essas experiências é essencial para construir uma sensação de segurança pessoal pelo pertencimento a grupos sociais e, ao mesmo tempo, pelo fortalecimento da autonomia.”

Pandemia

As observações foram feitas antes da pandemia, mas o cientista israelense acredita que as reflexões valem também para o momento atual. “Os dados para esse estudo foram coletados antes do surto pandêmico. No entanto, eles podem informar e encorajar as pessoas que precisam ficar sozinhas, mostrando que essa situação pode trazer alguns benefícios”, frisa.

Liad Uziel adianta que pretende realizar mais pesquisas que ajudem a entender melhor o efeito da solidão. “Meus planos estão focados em explorar maneiras que possam tornar a experiência de estar sozinho mais construtiva e desejável. Muitos acham que ela é intimidante, e uma meta para estudos futuros é explorar maneiras de transformar a experiência de solidão em algo estimulante”, conta.

Instabilidade

É um dos principais traços de personalidade reconhecidos pela psicologia, definido pela instabilidade emocional, pela tendência a se preocupar demais e pela falta de resiliência. Sozinho, o neuroticismo não é considerado um problema mental, mas pode contribuir para o desenvolvimento de transtornos, como a ansiedade e a depressão.

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Palavra de especialista

Impactos na pandemia

“Esse estudo nos mostra que estar com os outros nos gera alegria e felicidade, ao mesmo tempo em que estar sozinho é fonte de paz e tranquilidade. Com isso, vemos que nenhuma das duas experiências é melhor ou pior do que a outra, e que elas são necessárias na vida de todo e qualquer ser humano. A pesquisa não mostrou esse ponto, mas podemos destacar, também, que estar com outras pessoas durante atividades específicas, como o trabalho, pode nos ajudar a aumentar a produtividade e a ter mais criatividade por meio de um aprendizado colaborativo. Sem sombra de dúvidas, teremos, ainda, mais dados para analisar esse tema com pesquisas futuras. Com certeza, muitos cientistas avaliarão o isolamento social que enfrentamos durante a pandemia da covid-19 e como a solidão impactará o emocional das pessoas”

Rafael vinhal, psiquiatra do instituto Castro e Santos (ICS), em Brasília

Jovens estão vulneráveis

A solidão em excesso pode provocar danos duradouros a crianças e adolescentes, segundo estudo publicado na revista Elsevier. Cientistas ingleses chegaram a essa conclusão após revisar mais de 60 pesquisas, com dados de mais de mil pessoas com 4 a 21 anos. Eles observaram que aqueles que viviam maiores períodos de solidão tinham maior risco de sofrer com doenças mentais, como depressão e ansiedade, quando adultos.

“A partir dos estudos selecionados, houve evidências de que crianças e jovens solitários podem ter até três vezes mais probabilidade de desenvolver depressão”, enfatiza, em comunicado, Maria Loades, professora e pesquisadora na University of Bath, no Reino Unido, e uma das autoras do estudo. Apesar dos dados terem sido coletados antes da pandemia, os pesquisadores acreditam que as análises podem ser usadas para prevenir problemas de saúde decorrentes do isolamento forçado.

Fazer contatos

Renata Nayara Figueiredo, médica psiquiatra e presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília, lembra que nem sempre o distanciamento social desencadeia o sentimento de solidão. “Para evitar que isso ocorra, podemos manter contato pela internet e fazer com que as crianças tenham uma relação ainda mais próxima com os pais”, sugere. “É difícil projetar como vai ser depois desse período de isolamento, mas é importante manter esse cuidado e maior atenção à forma como as crianças estão psicologicamente.”

Lara Umbelina, psicóloga na Clínica Renoir Especialidades Médicas, em Brasília, também sinaliza os possíveis desdobramentos dos resultados obtidos. “Pesquisas que mostram possíveis consequências do isolamento social são interessantes porque ampliam os nossos conhecimentos, dando fundamentação para aumentarmos medidas que minimizem os efeitos indesejáveis para a saúde mental de criancas, jovens e, também, de adultos”, diz. “Também podem interferir em políticas públicas de saúde, sensibilizando os gestores para que possam fazer planejamentos estratégicos para enfrentar a questão.”

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