SAÚDE

Remédio para artrite ameniza casos graves de pacientes com covid-19

O tocilizumabe evita, em infectados pelo Sars-CoV-2, a famosa "tempestade de citocinas", uma reação exagerada do sistema de defesa que pode levar à falência de órgãos. Cientistas britânicos chegam à conclusão após acompanhar 303 pacientes na UTI

Um medicamento para tratamento de doenças reumáticas, o tocilizumabe, pode ajudar na recuperação de pacientes de covid-19 grave, que necessitam de suporte para respirar, segundo um estudo preliminar e ainda não publicado em revistas especializadas. De acordo com os pesquisadores do Imperial College Londres, a decisão de divulgar os dados antes da veiculação de um artigo revisado por pares ocorreu devido às implicações clínicas do resultado obtido.

Os dados preliminares, porém, que incluem as fichas médicas de 303 pacientes, foram avaliados por um Comitê de Monitoramento de Dados e Segurança, composto por cientistas independentes, esclarece Anthony Gordon, principal autor do estudo. Segundo Gordon, os participantes foram divididos aleatoriamente para receber diferentes moduladores do sistema imunológico: tocilizumabe, sarilumabe, anakinra ou interferon. Uma parte não fez uso de nenhum medicamento dessa classe, que tem como objetivo evitar que o organismo desencadeie uma resposta exagerada ao vírus, a chamada “tempestade de citocinas”, ligada a danos e falência de órgãos.

De acordo com o estudo preliminar, os pacientes que receberam tocilizumabe, prescrito para tratar, por exemplo, a artrite reumatoide, tiveram maior probabilidade de melhorar do que os que não receberam o modulador imunológico. A comparação teve como base uma combinação de fatores, como uso de suportes a órgãos vitais, incluindo respirador, e taxa de alta e de sobrevivência. Embora os dados referentes à contribuição exata do medicamento para a recuperação dos participantes não tenha sido analisados ainda, o grau de certeza estatística é alto: há 99,75% de probabilidade de que o tocilizumabe seja uma melhor abordagem, considerando quem não recebeu nenhuma modulação imunológica.

“Essas descobertas iniciais mostram que o tratamento com essa droga imunomoduladora é eficaz para pacientes de covid-19 em estado crítico, em unidades de terapia intensiva (UTIs). Quando tivermos os resultados disponíveis de todos os participantes, esperamos que nossas descobertas ofereçam uma orientação clara aos médicos para melhorar o prognóstico desses pacientes mais enfermos”, diz Anthony Gordon. Nos próximos meses, os pesquisadores esperam publicar essa informação, além da comparação de eficácia dos diferentes moduladores.

Análises diversas

A análise do tocilizumabe e dos demais moduladores do sistema imunológico faz parte de um grande esforço para o estudo de drogas já existentes no mercado no tratamento de pessoas com covid grave ou moderada. O Remap-CAP, coordenado por cientistas ingleses, teve início em março e divide aleatoriamente os pacientes em diversas combinações de tratamentos, permitindo analisar a eficácia de diferentes terapias para o Sars-CoV-2, incluindo antivirais e drogas que modulam a resposta imunológica. No total, mais de 2 mil pacientes em 15 países, incluindo o Brasil, foram inscritos em cerca de 260 hospitais de todo o mundo.

A avaliação revelou que um medicamento antiviral, o lopinavir / ritonavir, é ineficaz e não oferece nenhum benefício adicional para pacientes com covid-19 grave, em comparação com aqueles que não receberam o medicamento. A probabilidade dessa substância não ter efeito positivo para pessoas internadas em UTIs foi de 99,9%.

O Remap-CAP também foi responsável por identificar, em setembro, que a dexametasona, um tipo de corticoide, reduz a mortalidade de pacientes graves. “Esse é um resultado absolutamente incrível”, comentou, em nota, Lennie Derde, consultora em medicina intensiva da Universidade Medical Center em Utrecht e presidente do Grupo de Trabalho Específico do Domínio de Imunomodulação do Remap-CAP. “Ter uma segunda terapia eficaz para pacientes criticamente enfermos poucos meses após o início da pandemia não tem precedentes. O direcionamento específico da resposta imune é teoricamente atraente e agora mostramos que funciona.”

O professor de Farmacoepidemiologia da Faculdade de Higiene e Medicina Tropical de Londres, Stephen Evans, recomenda, porém, cautela com os primeiros resultados sobre o tocilizumabe. “Um estudo recente publicado no New England Journal of Medicine com pacientes hospitalizados não encontrou um benefício de sobrevida entre os que tomaram o medicamento. Eles estavam menos gravemente enfermos do que os relatados no estudo Remap-CAP”, destaca. “No entanto, é possível que medicamentos diferentes funcionem melhor em momentos diferentes durante a doença. Mesmo assim, acho que esses resultados precisam ser tratados com cautela nesse estágio inicial.”

OMS não recomenda uso do remdesivir

O medicamento antiviral remdesivir não deve ser indicado para pacientes internados com covid-19, independentemente de quão gravemente doentes estejam, porque, atualmente, não há evidências de que ele melhore a sobrevida ou a necessidade de ventilação mecânica, disse o Grupo de Desenvolvimento de Diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS), em um artigo publicado na revista British Medical Journal. A recomendação é baseada em uma nova revisão de evidências comparando os efeitos de vários tratamentos com diversos medicamentos e inclui dados de quatro ensaios clínicos randomizados internacionais envolvendo mais de 7 mil pacientes hospitalizados por covid-19.

 

Vacina de Oxford é segura para idosos

Um dia depois de a Pfizer divulgar a informação de que a vacina norte-americana é eficaz em idosos, a Universidade de Oxford publicou, na revista The Lancet, resultados iniciais de fase 2 incluindo 560 adultos, sendo 240 deles com mais de 70 anos. A pesquisa atesta que o imunizante é seguro e desencadeia resposta imunológica, incluindo nos mais velhos, com produção de anticorpos e células T. Não se trata, porém, de um estudo de eficácia, quando se compara o percentual de participantes vacinados e do grupo placebo que foram infectados pelo Sars-CoV-2.

Desenvolvido em parceria com o laboratório europeu AstraZeneca, o imunizante está, atualmente, na fase três de testes, conduzidos, inclusive, no Brasil. Até agora, nenhuma farmacêutica publicou dados dessa etapa — quando se analisa a eficácia de uma vacina. A Pfizer, a Moderna e o governo russo divulgaram resultados da fase 3, mas apenas em comunicados para a imprensa. A Universidade de Oxford anunciou que, até o natal, publicará os seus em uma revista científica, revisada pelos pares.

No artigo publicado ontem, os pesquisadores informaram que a vacina, chamada ChAdOx1 nCoV-19, mostrou resultados de segurança e imunogenicidade semelhantes nas faixas etárias de 18 a 55 anos e acima de 56. Em ambos grupos etários, houve produção das células T 14 dias depois da primeira dose, e resposta de anticorpos dentro de 28 dias após a imunização de reforço.

“As respostas imunológicas das vacinas são frequentemente diminuídas em idosos porque o sistema imunológico se deteriora gradualmente com a idade, o que também deixa os idosos mais suscetíveis a infecções. Como resultado, é crucial que as vacinas da covid-19 sejam testadas nesse grupo, que também é um grupo prioritário para imunização”, disse, em nota, o principal autor do estudo, Andrew Pollard, da Universidade de Oxford.

O estudo da instituição inglesa é o quinto ensaio clínico que relata testes de algum tipo de vacina para covid-19 em idosos. Enquanto o da norte-americana Moderna mostrou uma resposta semelhante à da britânica, o da Pfizer/BioNTech, o da chinesa CanSino e o da SinoPharm, também da China, apresentaram resposta imune mais baixa nos participantes mais velhos, comparado aos voluntários com 18 a 55 anos. Porém, os pesquisadores de Oxford destacaram, em coletiva de imprensa on-line, que é difícil comparar resultados de diferentes estudos, já que cada um tem metodologia própria. Os cientistas também destacaram que nenhum dos participantes, incluindo os idosos, tinha comorbidades quando recrutado.

Efeitos adversos

As reações adversas mais comuns foram dor e sensibilidade no local da injeção, dor de cabeça e muscular, e fadiga. Segundo o artigo, foram observados 13 efeitos adversos graves, mas nenhum estava relacionado à ChAdOx1 nCoV-19. Esses resultados precisam ser confirmados pelos testes de fase 3, ressaltaram os autores.

“A imunosenescência — literalmente, o envelhecimento do sistema imunológico em pessoas idosas — pode levar a uma menor eficácia das vacinas Isso é especialmente importante porque a covid tem uma letalidade muito maior em idosos”, observa Gillies O’Bryan-Tear, presidente da Faculdade de Medicina Farmacêutica, no Reino Unido, que não está envolvido no estudo. “Mas, de uma forma encorajadora, as respostas imunológicas nos pacientes mais velhos foram indistinguíveis das dos mais jovens. Isso sugere, mas não prova, que a proteção contra a doença será semelhante em idosos e jovens.”