CIÊNCIA

Covid-19: anti-inflamatório contra artrite reduz risco de morte em 14%

Usado em pacientes hospitalizados por covid-19 grave, o tocilizumabe também diminui o tempo de internação e a necessidade de ventilação mecânica, mostra estudo britânico. Droga foi criada para tratar artrite reumatoide

Paloma Oliveto
postado em 12/02/2021 06:00
 (crédito: Mario Tama/AFP)
(crédito: Mario Tama/AFP)

Originalmente desenvolvida para o tratamento da artrite reumatoide, a droga anti-inflamatória tocilizumabe diminui em 14% o risco de morte de pacientes hospitalizados com covid-19 grave. Além disso, o medicamento encurta o tempo de internação e reduz a necessidade de ventilação mecânica, segundo o maior estudo mundial sobre uso de remédios preexistentes para o tratamento da infecção por Sars-CoV-2, liderado pela Universidade de Oxford, no Reino Unido.

Em um artigo divulgado na plataforma de pré-publicação científica medRxiv, pesquisadores do ensaio Recovery relataram os resultados preliminares do estudo, referentes a dados de 92% dos participantes. Um total de 2.022 pessoas com covid-19 foram escolhidas aleatoriamente para receber tocilizumabe por infusão intravenosa. A progressão da doença foi comparada à de outros 2.094 indivíduos, também randomizados, que receberam o tratamento usual.

Oitenta e dois por cento da amostra total estavam tomando algum tipo de esteroide. A equipe é a mesma que descobriu os efeitos da dexametasona no tratamento da covid — segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), essa é, até agora, a única droga comprovadamente capaz de reduzir a mortalidade nos casos de infecção por Sars-CoV-2.

Todos os participantes estavam hospitalizados, apresentavam sinais de inflamação e necessitavam de oxigênio. Cerca de dois terços dos pacientes no estudo tinham menos de 70 anos, e uma proporção semelhante era do sexo masculino.

Os resultados mostram que, entre os pacientes no grupo que recebeu tocilizumabe, 29% morreram em 28 dias. Já entre os submetidos ao tratamento padrão, o número foi de 33%. Segundo os pesquisadores, isso corresponde a uma redução de 4% no risco absoluto de morte e de 14% no risco relativo. Em estudos clínicos, risco absoluto é a probabilidade de um evento — nesse caso, o óbito — ocorrer no grupo tratado com a droga que se quer testar. Já o relativo considera essa probabilidade, mas em relação ao outro grupo.

“Você precisaria tratar cerca de 25 pacientes para salvar uma vida”, explicou, em uma apresentação dos resultados aos jornalistas, Martin Landray, professor de medicina e epidemiologia da Universidade de Oxford e pesquisador-chefe adjunto do Recovery. “Vimos (os benefícios) em jovens e idosos, homens e mulheres, em diferentes tipos de etnias, em pessoas que usavam ventiladores invasivos, máscaras faciais não invasivas e em pessoas que usavam máscaras de oxigênio simples na enfermaria geral”, afirmou.

Além disso, segundo o estudo, que será publicado em breve em uma revista revisada por pares, o tocilizumabe aumentou a probabilidade de alta em 28 dias em 54%, comparado a 47% do verificado no grupo do tratamento padrão. Os benefícios também foram observados em todos os subgrupos de pacientes, incluindo aqueles que requerem oxigênio por meio de uma máscara facial simples até os que dependiam de ventiladores mecânicos.

Entre os pacientes que não estavam em ventilação mecânica invasiva quando incluídos no estudo, o tocilizumabe reduziu o risco de progredir para esse tipo de intervenção ou para o óbito de 38% para 33%. No entanto, não houve evidência de que anti-inflamatório tivesse qualquer efeito na chance de interromper, de forma bem-sucedida, a ventilação mecânica invasiva naqueles que já se encontravam sob esse tratamento.

Combinação

Os dados também sugerem que, em pacientes de covid-19 com hipóxia (falta de oxigênio) e inflamação significativa, o tratamento combinando um corticosteroide sistêmico (como a dexametasona) e o tocilizumabe reduz a mortalidade em cerca de um terço para pacientes que requerem oxigenação simples e em quase 50% para aqueles que precisam da ventilação mecânica invasiva.

“Os resultados do ensaio Recovery mostram claramente os benefícios do tocilizumabe e da dexametasona no combate às piores consequências da covid-19, melhorando a sobrevida, encurtando a internação hospitalar e reduzindo a necessidade de ventiladores mecânicos”, comentou Landray. “Quando usados em combinação, o impacto é substancial. Essa é uma boa notícia para os pacientes e para os serviços de saúde que cuidam deles no Reino Unido e em todo o mundo”, comemorou.

Alto custo

Comentando o resultado, Nick Cammack, líder do projeto de aceleração de terapias para covid-19 do Instituto Wellcome Trust, na Inglaterra, comemorou os dados, mas ponderou que o tocilizumabe é um medicamento muito caro. “Esses resultados são altamente promissores e testemunham o incrível esforço científico do ensaio Recovery. Salvar uma vida em cada 25 pacientes teria um impacto significativo na mortalidade e aliviaria a pressão sobre os sistemas de saúde sobrecarregados”, disse. “O tocilizumabe é um anticorpo monoclonal, já é usado como medicamento para artrite. Essa classe de tratamentos — que também inclui medicamentos para câncer e doenças autoimunes — é tradicionalmente uma das mais caras e inacessíveis do mundo, e notoriamente difícil para pacientes em países de baixa e média renda.” Na Inglaterra, o custo de um paciente tratado com a droga é de 500 libras, ou cerca de US$ 700.

Segundo Cammack, a pandemia deveria ser o “catalisador para, finalmente, tornar esses tratamentos transformadores acessíveis a todos, em todo o mundo”. O pesquisador também destacou que encontrar terapias eficazes contra a covid-19 é “mais urgente do que nunca, à medida que as hospitalizações e mortes aumentam em todo o mundo, e as novas cepas tornam a pandemia mais desafiadora”.

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Palavra de especialista

Avanço significativo

“Atualmente, as evidências de pequenos ensaios clínicos têm sido ambíguas sobre o papel do tocilizumabe. No entanto, o Recovery demonstra claramente que a droga tem um impacto significativo na redução da mortalidade em pessoas com covid-19 que requerem oxigênio ou são ventilados. Depois da dexametasona, esse é o avanço mais significativo no tratamento da covid que tem impacto na redução de mortes. Uma das razões pelas quais alguns dos outros ensaios não conseguiram mostrar esse efeito pode muito bem ser o menor número de pacientes recrutados nesses estudos.” Athimalaipet Ramanan, professor de Reumatologia Pediátrica da Universidade de Bristol.

 

Testes com imunoterápico

A biofarmacêutica israelense Enlivex publicou ontem, em um comunicado de imprensa, resultados de um ensaio clínico de fase II com o medicamento imunoterápico Allocetra, administrado em 16 pacientes com covid-19, sendo 56% deles em estado grave e 44%, crítico. No 28º dia, a mortalidade foi zero. Além disso, 87,5% tiveram alta nesse período. A duração média da hospitalização após a administração do Allocetra para pacientes que receberam alta foi de 5,3 dias.

“Esse é, possivelmente, um medicamento promissor para o tratamento de pacientes gravemente enfermos com covid-19 (e outras doenças para as quais se destina)”, avalia Stephen Evans, professor de farmacoepidemiologia da Faculdade de Higiene e Medicina Tropical de Londres. Mas, segundo ele, a dexametasona, a um custo de 5 libras no Reino Unido, traz efeitos similares, conforme resultados de grandes ensaios clínicos randomizados (divididos em grupos, para comparação).

Evans destaca que os resultados são observacionais. “Esses resultados devem, portanto, ser tratados com grande cautela, e seria bom ver ensaios clínicos randomizados e controlados comparando essa droga, ainda não licenciada, com o tratamento eficaz comprovado e facilmente disponível da dexametasona em pacientes semelhantes.”

 

Anticoagulante logo após a internação

 (crédito: Tolga Akmen/AFP)
crédito: Tolga Akmen/AFP

Pacientes que recebem medicamentos preventivos para afinar o sangue (anticoagulantes profiláticos) dentro de 24 horas da admissão hospitalar por covid-19 têm menos probabilidade de morrer, em comparação com aqueles que não os recebem, segundo um estudo publicado no The British Journal of Medicine. O uso dessa classe de remédios vem sendo pesquisado no tratamento da doença desde o início da pandemia, com resultados positivos. Porém, os ensaios clínicos continuam em andamento para verificar se essa é uma terapia eficaz.

Acredita-se que algumas mortes por covid-19 se devam ao desenvolvimento de coágulos sanguíneos nas principais veias e artérias. Os anticoagulantes previnem a formação de sangue sólido e têm propriedades antivirais, além de, potencialmente, anti-inflamatórias. Por isso, podem ser eficazes em pacientes com covid-19, mas os resultados de estudos anteriores foram inconclusivos.

Para explorar isso mais a fundo, uma equipe de pesquisadores do Reino Unido e dos Estados Unidos decidiu estimar o efeito dos anticoagulantes profiláticos quando administrados imediatamente após a admissão ao hospital sobre o risco de morte e sangramento grave entre pacientes com covid-19. Os resultados são baseados em dados de 4.297 pacientes (idade média de 68 anos e 93% homens) internados entre 1º de março e 31 de julho de 2020.

Os pesquisadores acompanharam esses pacientes para ver se houve óbito ou sangramento sério dentro de 30 dias da admissão no hospital. Um total de 3.627 (84,4%) receberam anticoagulação profilática dentro de 24 horas da admissão. No fim do período analisado, houve 622 mortes (14,5%), sendo que, no grupo que recebeu o anticoagulante o percentual foi de 14,3%, e no que não tomou o medicamento, de 18,7%. Trata-se de uma redução do risco relativo de até 34% e do absoluto de 4,4%.

Uso hospitalar

O benefício pareceu ser maior entre os pacientes não admitidos na unidade de terapia intensiva (UTI) nas primeiras 24 horas que deram entrada no hospital. O recebimento de anticoagulação profilática não foi associado a um risco aumentado de sangramento grave.

Os pesquisadores reconhecem que, devido à natureza observacional do estudo, persiste um grau de incerteza que só pode ser resolvido por meio de ensaios randomizados. Até que mais evidências estejam disponíveis, eles concluem que as descobertas “fornecem fortes evidências para apoiar as diretrizes que recomendam o uso de anticoagulação profilática como tratamento inicial para pacientes com covid-19 na admissão hospitalar. É bom lembrar que os anticoagulantes usados nesses casos não são os vendidos em farmácia, e, sim, os de uso hospitalar exclusivo, muito mais potentes.

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