SAÚDE

Exame parecido com o de gravidez acusa esquistossomose com sensibilidade e rapidez

Exame de fita, semelhante ao de gravidez, acusa a doença quando o paciente tem um nível baixo de infecção, sem apresentar sintomas. Solução poderá ajudar no combate à parasitose que acomete 200 milhões de pessoas por ano

Correio Braziliense
postado em 23/11/2021 06:00
O cientista Mark Pearson analisa amostra do Schistosoma haematobium, um dos parasitas causadores da esquistossomose -  (crédito: Eureka/Romy Bullerjahn)
O cientista Mark Pearson analisa amostra do Schistosoma haematobium, um dos parasitas causadores da esquistossomose - (crédito: Eureka/Romy Bullerjahn)

A reinfecção por parasitas que causam a esquistossomose é um dos principais desafios no combate à doença. Enquanto há tratamentos mais consolidados, faltam medidas eficazes para conter a transmissão da enfermidade muito comum em áreas tropicais que, no início, não demonstra sintomas. "Para interromper a propagação da doença, um teste precisa ser sensível o suficiente para identificar pessoas com infecções de nível baixo, aquelas que podem transmitir o parasita para outros indivíduos mesmo que ainda não saibam que estão infectadas", explica Mark Pearson, pesquisador do Instituto Australiano de Saúde e Medicina Tropical, da Universidade James Cook.

Pearson e colegas trabalham no desenvolvimento de um teste semelhante ao de gravidez que poderá ajudar nesse processo. O exame de sangue é rápido e não invasivo, características que, além de facilitar o diagnóstico, permitem o uso da abordagem em locais mais distantes dos grandes centros urbanos. O grupo focou nas proteínas produzidas pelo parasita Schistosoma haematobium, responsável pela esquistossomose urogenital na África e na Península Arábica, e não descarta a possibilidade de usar a mesma tecnologia para o diagnóstico da esquistossomose causadas por outros parasitas — no Brasil, os casos da doença são desencadeados pelo Schistosoma mansoni.

Na etapa atual do estudo, foram testados anticorpos em amostras de sangue e urina que haviam sido coletadas em Gabão, Tanzânia e Zimbábue. "É importante ressaltar que isso incluiu amostras retiradas de populações em que sabemos que o nível de infecção era baixo. Isso nos permitiu testar se nossas proteínas eram claramente reconhecidas por anticorpos de pessoas com infecções leves, bem como naquelas que sofriam de condições graves", enfatiza Pearson.

A análise combinou técnicas avançadas de tecnologia médica e o ELISA, um teste de rastreamento usado, desde a década de 1970, para detectar anticorpos no sangue. "Graças aos nossos colaboradores da Universidade da Califórnia, que conseguiram encaixar quase mil dessas proteínas em um chip com cerca de duas vezes o tamanho do cartão SIM de um telefone celular, pudemos trabalhar de forma bastante eficiente na identificação de quais proteínas eram os principais alvos das respostas de anticorpos", conta Pearson.

A equipe começou o trabalho com quase mil moléculas promissoras. "Entre os chips de alta tecnologia e a abordagem da velha escola usando ELISA, reduzimos nossas opções de 992 proteínas para apenas cinco candidatos principais, dos quais escolhemos os dois que mostraram maior sensibilidade", diz o cientista. O resultado do trabalho é um exame de tira de uso rápido com versões recombinantes das proteínas escolhidas e capacidade para detectar até infecções de esquistossomose de baixa intensidade.

No momento, a análise se dá pelo sangue, mas a equipe trabalha em adaptações para que o exame seja feito a partir da urina. "Foi um esforço internacional, envolvendo pesquisadores de toda a África e Europa, além da Austrália, dos Estados Unidos e da Tailândia. Representa um importante passo à frente na proteção de comunidades vulneráveis contra um parasita minúsculo que causa muitos danos à saúde", comemora Pearson.

Segundo o artigo que detalha a pesquisa, publicado na última edição da revista The Lancet Microbe, anualmente, cerca de 200 milhões de pessoas são acometidas pela doença que, quando não tratada ou tratada incorretamente, pode desencadear complicações agudas e crônicas. A infecção pelo S. haematobium também é considerada um fator de risco para o HIV, especialmente entre as mulheres, e está associada ao câncer de bexiga.

Para o grupo, a oferta de um teste mais sensível e acessível da doença poderá ajudar a evitar essas complicações e dar suporte à meta de combate à esquistossomose definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O objetivo é que, até 2030, a doença deixe de ser considerada um problema de saúde pública em todo o planeta.

Efeito covid

Porém, um estudo conduzido por Klodeta Kura, pesquisadora do Imperial College London, indica que a pandemia da covid-19 deve comprometer a meta definida pela agência das Nações Unidas. Kura e colegas avaliaram o enfrentamento à doença considerando infecções por dois parasitas: o S. haematobium, estudado pela equipe australiana, e o S. mansoni, prevalente no Brasil.

A estimativa é de que problemas surgidos em função da crise sanitária, como a interrupção do tratamento em massa, levem a um aumento de infectados e atrasem a meta em até dois anos nos países com prevalência moderada e alta da doença. "Os programas em áreas de prevalência média e alta devem ser reiniciados assim que for viável, sendo que estratégias de mitigação poderão ser necessárias em alguns locais", defendem os autores do estudo, em artigo publicado na revista Transactions of The Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene.

Segundo o texto, a administração em massa do medicamento praziquantel para crianças em idade escolar (com 5 a 14 anos de idade) é o principal método para reduzir a carga de morbidade associada à doença parasitária, combinada com melhorias nas condições de saneamento — a infecção se dá pelo contato com água doce em que existam caramujos infectados.

Antes mesmo da crise sanitária, havia casos de países em que já se esperava uma maior dificuldade em atingir o objetivo estabelecido pela OMS. Nessas situações, os autores indicam que o protocolo padrão de enfrentamento seja alterado. "Aqui, aumentar a cobertura das crianças e tratar adultos pode atingir o objetivo", defendem.

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