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Entenda como funciona o implante que fez três paraplégicos voltarem a andar

Três voluntários recebem o implante de eletrodos na medula espinhal e conseguem ficar de pé logo após a cirurgia. A tecnologia médica é baseada em inteligência artificial, o que permite definir os estímulos conforme o tipo de lesão de cada paciente

Vilhena Soares
postado em 08/02/2022 06:00
 (crédito: Alain Herzog/EPFL)
(crédito: Alain Herzog/EPFL)

O uso de implantes elétricos combinado com inteligência artificial ajudou três pacientes paraplégicos a conseguirem voltar a andar em apenas um dia. A façanha, detalhada na última edição da revista especializada Nature Medicine, é resultado do trabalho de cientistas da Suíça que, desde 2014, desenvolvem a tecnologia de recuperação de movimentos. Com o auxílio dos dispositivos que restabeleceram a "ponte" de comunicação entre o cérebro e a coluna, os voluntários conseguiram nadar, pedalar e praticar canoagem. Isso depois de uma operação que durou quatro horas.

Os três voluntários perderam os movimentos dos membros inferiores após sofrerem acidentes de moto. Na cirurgia experimental, eles receberam 18 implantes de eletrodos em toda a medula espinhal. Esses dispositivos emitem sinais elétricos sincronizados, que simulam a ação dos neurônios presentes ao longo da medula responsáveis por fazer o cérebro ativar os músculos do tronco e das pernas.

Os eletrodos são conectados a um tablete com um sistema de inteligência artificial. Dessa forma, ao comando do paciente, o computador aciona o tipo de atividade motora a ser realizada, como dobrar o joelho. "Ao controlar esses implantes, podemos ativar a medula espinhal como o cérebro faria naturalmente", resume, em comunicado, Grégoire Courtine, pesquisador da Escola Politécnica Federal de Lausanne e um dos autores do estudo científico.

Em 2014, a equipe havia testado o sistema eletrônico em ratos que tiveram a medula removida. Dois anos depois, repetiram o experimento com macacos. Em 2018, a técnica foi testada pela primeira vez em humanos. À época, David Mzee, que havia ficado paraplégico aos 20 anos, conseguiu voltar a andar com a ajuda de um andador após receber os implantes eletrônicos.

Os testes conduzidos agora são mais sofisticados, segundo os pesquisadores. Eletrodos e cabos que conectam os implantes ao sistema computacional foram fabricados especificamente para esse experimento, levando em consideração as características das lesões de cada participante. "Todos os avaliados foram capazes de ficar de pé, andar, pedalar, nadar e controlar os movimentos do torso em apenas um dia depois que os implantes foram ativados", conta Courtine. "Isso se deu graças aos programas específicos de estimulação que desenvolvemos para cada tipo de ação motora. Os pacientes podem selecionar a atividade desejada no tablete, e os protocolos correspondentes são recebidos pelo marcapasso localizado no abdômen", detalha.

Treinamento intenso

Todos os três voluntários conseguiram ficar em pé imediatamente após a operação e deram os primeiros passos com o apoio de cabos fixados ao teto. Depois de cinco meses de treinamento, recuperaram a massa muscular e, com auxílio de um andador, realizaram atividades mais longas, como sair de casa para se divertir. "Quando utilizo o aparelho, me sinto melhor, mais forte e a dor associada à cadeira de rodas desaparece", contou, em uma coletiva de imprensa, Michel Rocatti, um dos participantes do estudo. O italiano perdeu os movimentos das pernas quatro anos antes da cirurgia. "Eu tenho passado por um treinamento bastante intenso nos últimos meses e estabeleci uma série de objetivos. Por exemplo, agora, posso subir e descer escadas, e espero poder caminhar um quilômetro nesta primavera", diz.

Amauri Araújo Godinho, neurologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e membro titular da Sociedade Brasileira de Neurologia (SBN), avalia que o grande diferencial do dispositivo é a aposta na inteligência artificial. "O uso de eletrodos elétricos implantáveis já é bastante explorado na área médica, como no tratamento da dor crônica. O grande diferencial dos cientistas foi usar um algoritmo que consegue ativar movimentos específicos, como levantar joelho e esticar a perna. Isso é algo que ainda não havia sido feito", afirma.

Godinho também destaca que uma característica presente nos três voluntários pode ter ajudado nos resultados obtidos. "Temos diferentes tipos de lesão medular, algumas delas são totais, e outras, parciais. Nessa segunda, ainda há esse fio condutor com um resquício de atividade. Com certeza, os pesquisadores apostaram nesse detalhe para conseguir ter as respostas que foram vistas", diz.

Segundo o médico brasileiro, o alto custo dos dispositivos usados pode evitar uma popularização do uso em um curto espaço de tempo."Tudo que foi desenvolvido tem base nas características de cada paciente, e isso é algo bastante complicado, uma tarefa que exige custos altos, algo que os próprios pesquisadores destacaram como uma dificuldade futura", justifica. "É claro que essa é uma grande conquista. Para um indivíduo que não anda, conseguir sair de uma cadeira de rodas, poder sair de casa e não precisar de auxílio para tarefas cotidianas é algo de extremo valor, que pode mudar a vida dela."

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