ENERGIA LIMPA

Cientistas produziram quantidade recorde de energia por meio da fusão nuclear

Reator instalado no Reino Unido gera 59 megajoules, quantidade capaz de abastecer 35 mil casas durante cinco segundos. Para ambientalistas, ainda que promissora e menos poluente, a tecnologia não resolve os problemas climáticos atuais

Vilhena Soares
postado em 10/02/2022 06:00
 (crédito:  UKAEA/Divulgação)
(crédito: UKAEA/Divulgação)

Cientistas britânicos produziram uma quantidade recorde de energia por meio da fusão nuclear, método que copia uma reação química que ocorre no centro do Sol. A façanha é fruto de mais de duas décadas de trabalho, período em que especialistas se dedicam a criar uma forma de gerar energia mais limpa, sem resíduos radioativos e gases nocivos ao meio ambiente. Apesar das vantagens, a tecnologia é controversa. Ambientalistas argumentam que se trata de uma possibilidade de fonte energética incapaz de sanar os danos climáticos que já castigam o planeta.

A equipe do Joint European Torus (JET), o maior reator de fusão do mundo, localizado perto de Oxford, conseguiu gerar 59 megajoules de energia (11 megawatts de potência) em dezembro passado. A quantidade, que é equivalente a cerca de 14 quilos do explosivo TNT, foi obtida durante uma explosão de fusão de cinco segundos. "É a energia necessária para cobrir as necessidades, durante cinco segundos, de 35 mil residências", ilustra, em comunicado, Joe Milnes, diretor de Operações do JET.

O valor obtido é mais do que o dobro do recorde anterior, de 21,7 megajoules, conquistado, em 1997, pelo mesmo grupo. Segundo a Autoridade Britânica de Energia Atômica, os resultados "são a demonstração mais clara, em escala mundial, do potencial da fusão para fornecer energia sustentável". Porém, o tempo de duração da reação é considerado um obstáculo a ser vencido. Para especialistas, trata-se de um período ainda muito curto. "Cinco segundos não é muito, mas é possível trabalhar com esse resultado e, aos poucos, você estende a estabilidade e a queima por muitos minutos, horas ou dias, que é o que precisamos para ter uma usina de fusão de excelência", disse, ao jornal The Guardian, Mark Wenman, pesquisador do Imperial College London que não está envolvido no projeto.

Filipe Tôrres, membro do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE) e doutorando em engenharia da Universidade de Brasília (UnB), faz uma avaliação parecida. "Esses cinco segundos parecem pouco, mas são uma conquista muito grande, é um recorde a se comemorar, pois pode gerar resultados muito satisfatórios e relevantes no futuro", diz. "Essa reação é tão forte que libera uma energia maior que a de uma bomba nuclear, ou seja, uma eficiência magnífica." O especialista brasileiro aponta que outro desafio a ser superado é transformar essa energia liberada em eletricidade, para que ela possa ser usada de forma cotidiana.

Calor extremo

O JET é um reator em forma redonda, semelhante a uma rosquinha, construído para abrigar plasmas ou gases altamente ionizados que são superaquecidos a uma temperatura acima de 100 milhões de graus Celsius — um ambiente 10 vezes mais quente que o centro do Sol. Com o calor extremo, os núcleos atômicos podem se fundir para formar novos elementos e liberar grandes quantidades de energia. A cooperação internacional em matéria de fusão é extensa, porque, ao contrário da fissão, não pode ser usada como arma. (Veja arte)

A fusão nuclear foi "copiada" pelos cientistas, já que esse processo acontece no núcleo do Sol para "alimentar" a grande estrela, só que em uma temperatura de 10 milhões de graus Celsius, bem menor do que a usada pelos britânicos. Na Terra, o calor precisa ser maior para produzir energia, já que as pressões são mais baixas. "Nós demonstramos que podemos criar uma miniestrela dentro de nossa máquina e mantê-la lá por cinco segundos obtendo um alto desempenho, o que realmente nos leva a um novo patamar", comemora Milnes. "Os experimentos de JET nos colocaram um passo mais perto da energia de fusão."

Ian Fells, professor da Universidade de Newcastle, nos Estados Unidos, classificou os últimos resultados do JET como um "marco importante". "Agora, cabe aos engenheiros traduzir (esses avanços) em eletricidade limpa e mitigar as consequências das mudanças climáticas", declarou em entrevista à Agência France-Presse (AFP) de notícias. A equipe britânica enfatiza que a fusão nuclear pode ser uma fonte inesgotável de energia, pois permite produzir 4 milhões de vezes mais energia do que o carvão, o petróleo ou o gás, com a vantagem de não gerar resíduos nem gases tóxicos que agravam o efeito estufa. "Está claro que devemos fazer mudanças significativas para lidar com os efeitos das mudanças climáticas, e a fusão oferece muito potencial", afirma Ian Chapman, executivo-chefe da Autoridade de Energia Atômica do Reino Unido.

Saldo negativo

As organizações de defesa do meio ambiente, porém, avaliam a lista de vantagens de outra forma. Uma das críticas é que, embora dezenas de reatores de fusão nuclear tenham sido construídos desde a década de 1950, eles seguem consumindo três vezes mais energia do que permitem criar. Especialistas da ONG Greenpeace já definiram a tecnologia como uma "miragem científica" e "um buraco financeiro sem fundo". Outro argumento usado é que a fusão nuclear não resolveria os problemas ambientais de agora, pois seus frutos só poderão ser colhidos daqui a décadas, com a situação do planeta possivelmente bem mais grave do que o cenário atual, como preveem especialistas.

Segundo Tom Burke, ecologista e presidente da Ong Third General Environmentalism (E3g), a fusão nuclear não resolverá urgências ambientais. "É um pequeno passo importante para a ciência, uma tecnologia nuclear muito sofisticada, mas não é algo que irá nos ajudar agora com as mudanças climáticas. Temos um prazo de 50 anos para ver resultados surgirem dessa tecnologia, mas já sabemos que precisamos tornar a nossa energia mais limpa até, no máximo, 2035", disse ao canal americano Sky News.

 

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Na França

Em parceria com os cientistas britânicos, especialistas estão construindo, na França, outro reator de fusão, o Iter, que é mais avançado do que o JET. Também participam do projeto China, União Europeia, Índia, Japão, Coreia do Sul, Rússia e Estados Unidos. Os resultados obtidos pelo JET foram comemorados por Bernard Bigot, que coordena o Iter. Segundo ele, a quantidade recorde de energia gerada se aproxima da “escala industrial" de produção.

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