BIOLOGIA

Dragão australiano ajuda a explicar evolução dos cérebros dos vertebrados

Estudo desvendou que mesmo após 320 milhões de anos da bifurcação de tetrápodes, répteis e mamíferos permanecem com arquitetura cerebral de ancestrais

Talita de Souza
postado em 02/09/2022 15:33 / atualizado em 02/09/2022 15:55
 (crédito: Max Planck Institute for Brain Research / G. Laurent)
(crédito: Max Planck Institute for Brain Research / G. Laurent)

Por quanto tempo as características de um ancestral comum permanecem em duas ramificações evolutivas de animais que antes pertenciam a uma mesma classe? Apesar de a resposta ser específica para cada subclasse de animais, um estudo desvendou que mesmo 320 milhões de anos após a bifurcação de tetrápodes — classe de vertebrados terrestres de quatro pernas —, em sauropsídeos — répteis e pássaros —, e sinapsídeos — que se transformaram em mamíferos —, a arquitetura cerebral desses animais atuais ainda são semelhantes com o ancestral em comum.

Além disso, a análise descobriu que tanto répteis quanto mamíferos desenvolveram funções cognitivas diferentes, o que revela que a arquitetura cerebral comum entre os dois não limitou o desenvolvimento das funções necessárias para cada habitat em que vivem. Promovido pelo Instituto Max Planck de Pesquisa do Cérebro, o estudo Diversidade molecular e evolução dos tipos de neurônios no cérebro amniota foi publicado nesta sexta-feira (2/9), na revista Science.

Para a análise, os cientistas produziram um atlas molecular do cérebro do Pogona vitticeps, conhecido apenas como dragão australiano e que vive atualmente em regiões desérticas e semidesérticas da Austrália. A ideia dos pesquisadores era utilizar uma abordagem transcriptômica celular, analisar as células do dragão, representante da subespécie de tetrápodes que viraram répteis, e de camundongos, representantes da subespécie de tetrápodes que viraram mamíferos.

A análise foi feita pela técnica de sequenciamento de RNA de célula única, que detecta uma grande fração das moléculas de RNA de cada animal. Se for retirada do cérebro, é possível detectar tipos de neurônios diferentes — descoberta que os cientistas queriam obter.

“Os neurônios são os tipos de células mais diversos do corpo. Sua diversificação evolutiva reflete alterações nos processos de desenvolvimento que os produzem e podem gerar mudanças nos circuitos neurais aos quais pertencem”, diz o professor Gilles Laurent, diretor do Instituto Max Planck de Pesquisa do Cérebro, que liderou o novo estudo publicado na Science.

Os cientistas perfilaram mais de 280 mil células do cérebro do dragão australiano e identificaram 233 tipos distintos de neurônios. Após cruzar os dados dos animais, a descoberta dos pesquisadores foi de que, ainda hoje, com mais de três centenas de milhões de anos após a bifurcação dos tetrápodes, répteis e mamíferos continuam com neurônios ancestrais em seus organismos.

“A integração computacional de nossos dados com dados de camundongos revelou que esses neurônios podem ser agrupados transcriptomicamente em famílias comuns, que provavelmente representam tipos de neurônios ancestrais”, diz David Hain, estudante de pós-graduação do Laurent Lab e coautor do estudo.

Os pesquisadores explicam que os neurônios ancestrais estão em todo cérebro, não apenas no córtex, “o que desafia a noção de cientistas evolutivos que certas regiões cerebrais são mais antigas que outras”.
Os cientistas também encontraram neurônios divergentes entre as espécies, principalmente no tálamo lateral de cada um deles. Para os pesquisadores, isso sugere que esses neurônios se desenvolveram de maneira diferente em cada espécie de acordo com os desafios de sobrevivência enfrentados por cada uma ao longo dos anos.

“A descoberta sugere que, ao contrário da crença popular de quem um cérebro de mamífero consiste em um antigo cérebro reptiliano suplementado com novas características de mamíferos, os céberos de répteis e mamíferos evoluíram seus próprios tipos e circuitos de neurônios a partir de um conjunto ancestral comum”, pontua os autores no estudo.

A estudante de pós-graduação Tatiana Gallego-Flores, responsável pelo mapeamento das células no estudo, comemorou o sucesso da comparação dos cérebros.

“Como não temos os cérebros de vertebrados antigos, reconstruir a evolução do cérebro nos últimos meio bilhão de anos exigirá conectar dados moleculares, de desenvolvimento, anatômicos e funcionais muito complexos de uma maneira auto-consistente. Vivemos tempos muito emocionantes, porque isso está se tornando possível”, conclui Tatiana.

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