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Entenda trabalho que simplificou criação de moléculas e venceu Nobel de Química

O dinamarquês Morten Meldal e os americanos Barry Sharpless e Carolyn Bertozzi ganham o prêmio de Química por ferramentas que facilitaram processos hoje usados em pesquisas para tratamentos contra o câncer e mapeamento genético

Correio Braziliense
postado em 06/10/2022 06:00 / atualizado em 06/10/2022 06:40
 (crédito:  Andrew Brodhead)
(crédito: Andrew Brodhead)

"É possível construir moléculas eficazes seguindo uma rota óbvia", garante Johan Aqvist, membro do Comitê Nobel de Química. Isso graças ao trabalho desenvolvido pelos três premiados na categoria neste ano: o dinamarquês Morten Meldal e os americanos Barry Sharpless e Carolyn Bertozzi. Eles desenvolveram duas ferramentas — a química do clique e a química da química bio-ortogonal — que permitem a criação de produtos e materiais de forma "fácil e simples".

Entre desdobramentos inovadores do trabalho do trio estão o desenvolvimento de medicamentos mais avançados contra o câncer e o mapeamento de DNA. "As descobertas lançaram as bases para uma forma funcional da química (...) Como resultado, a humanidade é a que mais se beneficia", enfatizou o comitê ao anunciar os escolhidos.

Sharpless, 81 anos, venceu o prêmio pela segunda vez. Ele e Meldal, 58, foram reconhecidos pelo trabalho pioneiro com a química do clique. Com a química bio-ortogonal, Bertozzi, 55, a primeira mulher laureada deste ano, levou essas reações ao interior das células vivas.

O conceito de química do clique foi cunhado por Sharpless, da Universidade La Jolla, na Califórnia, no início deste século, para se referir a um mecanismo modular e rápido de construção de moléculas. Ele e Meldal, da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, desenvolveram o método em trabalhos paralelos. A ferramenta é baseada em duas moléculas facilmente preparadas em laboratório: azida e alcino.

A inclusão de íons de cobre faz com que as duas moléculas se liguem, o que lembra o clique de um cinto, abrindo a possibilidade de criação de uma infinidade de moléculas. É possível, inclusive, clicar materiais distintos: um plástico com um repelente ou um antibacteriano, por exemplo.

Presidente da Sociedade Americana de Química, Angela Wilson compara o processo à forma como usamos um conhecido brinquedo. "É possível observar como um conjunto de Lego. A química do clique é como unir duas peças", ilustra à agência France-Presse de notícias (AFP). Segundo Sharpless, mesmo que a "química do clique" não possa criar cópias exatas de moléculas naturais, é possível construir blocos moleculares com funções similares e com potencial de produção em larga escala.

A opinião é compartilhada por Angela Wilson "As empresas emergentes estão começando a utilizar essas tecnologias, mas ainda estamos nas primeiras fases de seu uso. Acredito que vai revolucionar tudo, da medicina até os materiais", avalia. "Estamos vendo apenas a ponta do iceberg, mas o que eles estão fazendo na Química vai mudar o mundo."

Nobel de quimica
Nobel de quimica (foto: AFP)

"Novo nível"

O trabalho Bertozzi permite justamente a aplicação médica e farmacêutica da inovação. A ferramenta criada por ela — a química bio-ortogonal — possibilita que o clique entre moléculas seja iniciado em um organismo vivo sem perturbar ou modificar a sua estrutura química. "Podemos pegar dois Legos e fazer com que se encaixem mesmo que estejam cercados por milhões de peças de brinquedo parecidas. E não vão se encaixar com os outros", ilustra a professora da Universidade de Stanford.

Segundo o júri do Nobel, "Carolyn Bertozzi levou a Química a um novo nível". O comitê enfatiza que o processo é usado "globalmente para explorar células e rastrear processos biológicos". "Graças às reações bio-ortogonais, os pesquisadores melhoraram os medicamentos anticâncer que estão sendo testados em ensaios clínicos", informa. Trabalha-se, por exemplo, no desenvolvimento de medicamentos que produzam anticorpos que possam ser clicados contra tumores diversos.

Ao saber da premiação, Bertozzi lembrou de familiares e amigos que enfrentaram doenças com tratamentos limitados: "Sempre tive a esperança de que, como cientista, pudesse contribuir para melhorar a saúde humana a curto, longo prazo ou mesmo após a minha morte".

Meldal, por sua vez, disse ter ficado "muito surpreso e muito orgulhoso" por receber o Nobel. "Há tantas descobertas boas e desenvolvimentos no mundo. É incrível estar nesta situação", disse à rádio pública sueca.

Vencedores em listas ainda mais seletas

Dois dos premiados no Nobel de Química de 2022 entram para listas de cientistas ainda mais seletas. Barry Sharpless é o quinto da história a ganhar duas vezes o prêmio. Carolyn Bertozzi, por sua vez, é a primeira mulher anunciada neste ano e a oitava escolhida nessa categoria, entre um total de 189 laureados.

"Estou feliz por aumentar um pouco esse número. Compreendo a gravidade do assunto, já que, por toda a minha vida, fui uma pessoa subrepresentada na ciência", declarou a ganhadora à agência France-Presse de notícias (AFP). Até ontem, o prêmio havia sido concedido a 28 organizações e 954 pessoas — dessas 59 são mulheres. Hoje, será anunciado o Nobel de Literatura. Na sexta, o da Paz. E na segunda, o de Ciências Econômicas.

No ano passado, de 13 escolhidos, houve uma mulher: a jornalista filipina Maria Ressa dividiu o prêmio com o também jornalista russo Dmitry Muratov o Nobel da Paz.

Duas vezes

Barry Sharpless entrou ontem na lista de laureados pelo trabalho que trouxe mais funcionalidade à Química. Antes, em 2001, foi premiado na mesma categoria devido a outro método de construção de moléculas: reações de hidrogenação quirais catalisadas. Havia 42 anos que um cientista não atingia tamanha façanha.

Uma mulher faz parte do grupo dos duplamente premiados: a francesa de origem polonesa Marie Curie venceu o de Física em 1903 e o de Química em 1911 . No primeiro caso, por pesquisas na área de radiação. Depois, pela descoberta dos elementos químicos rádio e polônio.

As indicações têm início um ano antes do anúncio dos vencedores. Cientistas, professores, acadêmicos e vencedores de outras edições enviam nomes para a consideração do Comitê Nobel, que decide quais serão os indicados de fato. Não é possível que uma pessoa indique a si mesma para a seleção.

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  •  Morten Meldal: um dos criadores da química do clique
    Morten Meldal: um dos criadores da química do clique Foto: AFP
  •  (FILES) In this file photo taken on October 10, 2001 shows 2022 Nobel Laureate K. Barry Sharpless, Ph.D, addressing a room full of reporters and colleagues at Scripps Research Institute after winning the 101st Nobel Prize in Chemistry 10 October, 2001 in La Jolla, Ca. - The Nobel Chemistry Prize was on on October 5, 2022 awarded to a trio of chemists from the US and Denmark who laid the foundation for a more functional form of chemistry.
Americans Carolyn Bertozzi and Barry Sharpless, together with Denmark's Morten Meldal, were honoured
    (FILES) In this file photo taken on October 10, 2001 shows 2022 Nobel Laureate K. Barry Sharpless, Ph.D, addressing a room full of reporters and colleagues at Scripps Research Institute after winning the 101st Nobel Prize in Chemistry 10 October, 2001 in La Jolla, Ca. - The Nobel Chemistry Prize was on on October 5, 2022 awarded to a trio of chemists from the US and Denmark who laid the foundation for a more functional form of chemistry. Americans Carolyn Bertozzi and Barry Sharpless, together with Denmark's Morten Meldal, were honoured "for the development of click chemistry and bioorthogonal chemistry," the jury said. (Photo by ANDREW SILK / AFP) Foto: AFP
  • Barry Sharpless é o quinto a ser duas vezes escolhido pelo júri
    Barry Sharpless é o quinto a ser duas vezes escolhido pelo júri Foto: The Royal Society of Chemistry
  • Nobel de quimica
    Nobel de quimica Foto: AFP
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