MEIO AMBIENTE

COP27: entendidades decidem incluir o tema de perdas e danos nas negociações

Evitada nas últimas três décadas, a criação de um fundo de indenização de países que mais sofrem os impactos das mudanças climáticas é incluída no esboço do texto final da COP27

Paloma Oliveto
postado em 20/11/2022 03:50
 (crédito: GIFF JOHNSON)
(crédito: GIFF JOHNSON)

Duas semanas de intensas negociações foram insuficientes para os quase 200 países que participam da 27ª Conferência sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP27), no Egito, chegarem a um acordo. O texto final, que deveria ter saído na sexta-feira, foi adiado para sábado, mas, até o fechamento desta edição, às 23h (4h de domingo na hora local), a plenária não havia terminado, com previsão de se estender até o amanhecer. A chamada COP da África deve entrar para a história não só pela demora para acabar, mas por ter incluído, pela primeira vez, o mecanismo de perdas e danos na agenda oficial.

A conferência começou em 6 de dezembro, no balneário de Sharm el-Sheikh, cercada de expectativas. No primeiro dia, as delegações decidiram, por unanimidade (como tudo, na COP, é preciso consenso das partes), incluir o tema de perdas e danos nas negociações. Pela primeira vez, o assunto passou de periférico para entrar nas discussões oficiais.

Embora os rascunhos divulgados não sejam exatamente o que se esperava, pois não trazem um cronograma nem estipulam de onde sairá a indenização aos países mais afetados pelas mudanças climáticas, sua inclusão no texto final é pioneira. Desde a primeira conferência, em 1992, no Rio de Janeiro, há essa demanda. No jargão da conferência, as partes acham "bem-vinda" a inclusão, pela primeira vez, das discussões sobre financiamento de perdas e danos, segundo os rascunhos publicados ao longo de sábado.

Mas é tudo o que se diz. Entre negociadores e observadores, existe um otimismo cauteloso. A maioria apostava na manutenção do mecanismo — que não tem simpatia dos Estados Unidos — na declaração final, mas a falta de detalhamento sobre a fonte dos recursos preocupa países que vêm sendo duramente atingidos pelos efeitos das mudanças climáticas, como ilhas do Pacífico e nações africanas. Além disso, segundo Aruna Chandrasekhar, especialista em políticas climáticas da organização Carbon Brief, é quase certo que o texto enfatizará que apenas alguns países em desenvolvimento serão beneficiados.

Limitações

Enquanto os primeiros rascunhos diziam "países em desenvolvimento, especialmente aqueles particularmente vulneráveis", o oficial deverá, de acordo com Aruna, dizer "países em desenvolvimento que são particularmente vulneráveis". A frase teria sido o principal motivo de atraso nas negociações da última plenária.

"No início dessas negociações, perdas e danos nem estavam na agenda, e agora estamos fazendo história. Isso apenas mostra que esse processo da ONU pode alcançar resultados e que o mundo pode reconhecer que a situação dos vulneráveis não deve ser tratada como um futebol político", considera Mohamed Adow, diretor-executivo da organização Power Shift Africa. Porém, ele se preocupa com a falta de clareza. "Vale ressaltar que poderemos ter o fundo, mas precisamos de dinheiro para fazer valer a pena. O que temos é um balde vazio. Precisamos preenchê-lo para que o apoio chegue às pessoas mais impactadas, que estão sofrendo, agora, nas mãos da crise climática."

Perdas e danos foi, certamente, um dos temas que mais contribuíram para a demora na declaração final. Contudo, além do mecanismo, a pauta foi bloqueada várias vezes pela linguagem usada para se falar sobre a substituição gradativa de petróleo e gás natural por energia renovável, e pelas discussões sobre uma meta ambiciosa de limitação do aumento da temperatura (veja quadro).

Críticas

"Em uma fase global de redução de combustíveis fósseis, é triste ver os países apenas copiando e colando o resultado da COP26 do ano passado em Glasgow", critica Adow. "É profundamente triste que os países não tenham concordado em se comprometer com a redução gradual de todos os combustíveis fósseis, não apenas do carvão, conforme contido no Pacto de Glasgow. A ciência é clara, os impactos estão piorando e sabemos que as energias renováveis são o futuro. Os países poluidores precisam deixar carvão, petróleo e gás no solo se quisermos evitar que o aquecimento global fique fora de controle."

A crítica feita pelo ativista africano foi repetida por muitos observadores, que lamentaram a falta da menção do petróleo e do gás nos rascunhos da declaração final. O chefe da delegação do Greenpeace International na COP27, Yeb Saño, enfatiza como os termos usados no texto podem influenciar as medidas tomadas pelos países signatários do Acordo de Paris para conter o aquecimento global. "Mais uma vez, pedimos à Presidência do Egito rejeitar a influência dos estados petroleiros e dos lobistas dos combustíveis fósseis. A Índia, claramente, colocou todos os combustíveis na mesa de negociação em phase down; já a União Europeia não poderia ter sido mais clara ao pedir um phase out." No jargão da COP, phase down significa uma redução gradativa, enquanto phase out refere-se a uma eliminação total.

Enquanto a Índia pede a substituição gradual do carvão, principal fonte de energia (e de poluição) do país, a Arábia Saudita e a Rússia não querem sequer a menção dos outros combustíveis fósseis — petróleo e gás — na declaração final. "O texto (dos rascunhos) não menciona a eliminação gradual dos combustíveis fósseis e faz poucas referências à ciência e à meta de 1,5ºC", critica o diplomata Laurence Tubiana, presidente da European Climate Foundation. "A Presidência egípcia produziu um texto que protege claramente os petro-estados de petróleo e gás, e as indústrias de combustíveis fósseis. Esta tendência não pode continuar."

Há pressão para que a meta de 1,5ºC no aumento da temperatura até o fim do século não seja tão enfatizada, algo que muitos governos consideram inaceitável. Em média, as emissões globais teriam de sofrer um corte de 40% até 2030 para que o objetivo ficasse ao alcance, e nações muito dependentes economicamente de combustível fóssil, como a Arábia Saudita, não pretendem fazê-lo. Citado pelo site do jornal britânico The Guardian, o ministro do Meio Ambiente da Irlanda, Eamon Ryan, demonstrou insatisfação. "Não estamos satisfeitos com o nível de ambição na redução de emissões e teremos que ver quais melhorias adicionais podemos obter (no texto final)", disse.

 


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