SUSTENTABILIDADE

Novo método para monitorar nível dos rios é avanço para alerta de enchente

Fruto de parceria entre Brasil e Alemanha, técnica vem sendo testada com resultados promissores

Monitorar cursos d' água e desenvolver sistemas eficientes de alerta de inundações são tarefas cada vez mais urgentes e que dependem de dados precisos e em tempo real. Essas informações, porém, nem sempre são acessíveis. Na tentativa de vencer o problema, pesquisadores do Brasil e da Alemanha criaram um dispositivo econômico que, por meio de comunicação móvel, consegue transmitir continuamente dados sobre o nível da água a um centro de avaliação. Em princípio, com esse sensor, será possível construir e abastecer uma rede extensa para alertas de enchentes e secas, apostam os cientistas.

O protótipo, chamado Raspberry Pi Reflector (RPR), tem aproximadamente o tamanho de um celular, um GPS de frequência única e de baixo custo, além de uma antena conectada a um microcomputador. Makan Karegar, do Instituto de Geodésia e Geoinformação da Universidade de Bonn e um dos desenvolvedores da tecnologia, explica que o sensor aproveita a radiação eletromagnética produzida pelos satélites de navegação. Ao atingir a Terra, a maior parte dessa radiação é recebida diretamente pela antena. O restante chega de forma indireta, após a reflexão das ondas na superfície da água.

A parte refletida, portanto, viaja mais tempo, chegando à antena algum tempo depois da onda direta. "Verificando o intervalo de tempo entre as duas recepções, podemos inferir a altura da antena acima da água. Dessa forma, sabendo a altura da antena em relação ao curso d'água, é possível observar variações no nível do rio", explica Karegar, que desenvolveu a tecnologia em parceria com colegas da instituição alemã e Felipe Nievinski, professor doutor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Em Wesel, na Alemanha, o dispositivo já está em funcionamento há dois anos e promete não trazer as limitações de outros métodos usados para determinar o nível de cursos d' água. De acordo com o estudo que apresenta a tecnologia, divulgado na revista Water Resources Research, a maioria das técnicas de medição atuais tem restrições: podem, por exemplo ser danificadas devido à exposição direta ao alto nível da água, muitas não permitem o monitoramento contínuo, a leitura remota é difícil ou têm preços de aquisição e manutenção muito elevados.

A nova tecnologia, por sua vez, custa em média 150 euros (em torno de R$ 823), bem abaixo dos dispositivos atuais. Além disso, depois de instalada, a antena consegue medir o nível do rio 24 horas por dia e pode ser operada com segurança em clima extremo e em condições adversas via rede móvel, exigindo um menor custo operacional. Karegar e Nievinski afirmam que o sensor transmite dados brutos quase que em tempo real, permitindo o monitoramento contínuo do nível de água. "A capacidade de telemetria torna a aquisição de dados mais fácil e mais econômica, melhorando a resposta rápida a inundações e eventos de seca", explicam.

Obstáculos

Apesar das vantagens, os criadores indicam algumas limitações. Uma delas é que o sensor só é adequado para rios com largura mínima de 40 metros, sendo esse o menor raio do qual a antena pode receber o sinal de satélite refletido. Se o curso de água for muito estreito, a maioria dos sinais refletidos vem da terra. Além disso, ainda é preciso demonstrar a plausibilidade dos dados em condições críticas. Por isso, mais coletas de dados são necessárias para assegurar sua confiabilidade e utilidade nessas situações de risco.

Um dos caminhos para vencer as dificuldades pode ser o trabalho coletivo. Os pesquisadores disponibilizam todas as informações sobre a tecnologia na internet, com o objetivo de facilitar a sua reprodução. A aposta é que, como o software pode ser acessado por qualquer pessoa de forma gratuita, seja criada uma rede colaborativa que traga melhorias ao dispositivo. "Para a comunidade científica, o RPR, como um hardware de código aberto, pode sempre ser melhorado adicionando mais sensores de medição a ele, bem como otimizando seu consumo de energia e desempenho", indicam.

O uso pedagógico e recreativo da solução tecnológica também é cogitado pelo grupo. "Esse sistema científico de código aberto também pode ser considerado como um kit de ensino com uma abordagem faça você mesmo, que combina matemática, tecnologia, engenharia e ciências ambientais", sugerem Karegar e Nievinski. A dupla também planeja instalar os sensores ao longo do rio Reno, na Alemanha, para monitorar o nível do rio e validar medições de satélite.

Estratégico para biomas brasileiros

Uma versão anterior do sensor para monitoramento dos cursos d' água funciona há quatro anos, em Porto Alegre, e outra está em operação, desde 2019, no Porto de Imbituba, em Santa Catarina. Felipe Nievinski, um dos criadores da tecnologia e professor da Universidade do Rio Grande do Sul (UFRGS), conta que os dados observados demonstram que a nova técnica de medição pode ser vantajosa para o Brasil, tendo potencial para aumentar o alcance da rede de monitoramento hídrico.

"Os maiores rios já são bem monitorados pela ANA (Agência Nacional de Águas) em parceria com a CPRM (Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais). Porém, a maioria dos rios menores ainda carece de monitoramento", contextualiza.

Saiba Mais

O pesquisador também avalia que, ainda que as formas convencionais de medição do nível da água sejam precisas, sua proximidade com a água as expõem a danos causados por enxurradas, além do risco de roubo e vandalismo. "Muitas redes de monitoramento hídrico iniciadas por governos estaduais acabam sendo gradualmente extintas ao longo dos anos devido ao alto custo de manutenção e conserto", detalha.

Artur Matos, pesquisador em geociências e coordenador dos Sistemas de Alerta Hidrológico (SAH) do Serviço Geológico do Brasil, também reconhece o alto custo das formas de mediação convencionais como uma limitação: "É um equipamento bom, robusto, mas o custo é elevado", afirma. "Seria muito importante se a gente tivesse equipamentos mais baratos e confiáveis para conseguir aumentar a rede de monitoramento sem tanto custo e ter dados sobre o nível dos rios em tempo real".

Hoje, as formas de medição usadas no país para os sistemas de alerta são estações automáticas, que fazem uso de radares e sensores instalados em áreas próximas aos cursos d'água e oferecem dados de monitoramento de hora em hora.

Validação

Usada de forma localizada no Brasil, a nova solução ainda tem a vantagem de poder ser usada em variedade de áreas, incluindo rios, lagos, represas e mar. Porém, não há previsão de exploração ampla pelos órgãos de monitoramento. "Em qualquer nova tecnologia, existe um vale entre a sua invenção e a validação inicial em universidades e instituições de pesquisa e a sua eventual adoção e aplicação na rotina de produção por órgãos dedicados ao monitoramento ambiental, hidrológico ou oceanográfico", explica Nievinski.

Mas Nievinski afirma estar feliz com o dispositivo desenvolvido, principalmente por se tratar de uma tecnologia oriunda de uma universidade brasileira. "Estamos muito orgulhosos de uma tecnologia desenvolvida no Brasil ter chamado a atenção de pesquisadores na Alemanha", diz. A semente do trabalho foi a dissertação de mestrado da pesquisadora Manuella Fagundes, premiada pelo Instituto Panamericano de Geografia e História na edição de 2021, sob orientação de Nievinski e da professora Andrea Lopes Iescheck. 

*Estagiária sob a supervisão de Carmen Souza

Cobertura do Correio Braziliense

Quer ficar por dentro sobre as principais notícias do Brasil e do mundo? Siga o Correio Braziliense nas redes sociais. Estamos no Twitter, no Facebook, no Instagram, no TikTok e no YouTube. Acompanhe!

Newsletter

Assine a newsletter do Correio Braziliense. E fique bem informado sobre as principais notícias do dia, no começo da manhã. Clique aqui.

Saiba Mais

Estratégico para biomas brasileiros

Uma versão anterior do sensor para monitoramento dos cursos d' água funciona há quatro anos, em Porto Alegre, e outra está em operação, desde 2019, no Porto de Imbituba, em Santa Catarina. Felipe Nievinski, um dos criadores da tecnologia e professor da Universidade do Rio Grande do Sul (UFRGS), conta que os dados observados demonstram que a nova técnica de medição pode ser vantajosa para o Brasil, tendo potencial para aumentar o alcance da rede de monitoramento hídrico.

"Os maiores rios já são bem monitorados pela ANA (Agência Nacional de Águas) em parceria com a CPRM (Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais). Porém, a maioria dos rios menores ainda carece de monitoramento", contextualiza. O pesquisador também avalia que, ainda que as formas convencionais de medição do nível da água sejam precisas, sua proximidade com a água as expõem a danos causados por enxurradas, além do risco de roubo e vandalismo. "Muitas redes de monitoramento hídrico iniciadas por governos estaduais acabam sendo gradualmente extintas ao longo dos anos devido ao alto custo de manutenção e conserto", detalha.

Artur Matos, pesquisador em geociências e coordenador dos Sistemas de Alerta Hidrológico (SAH) do Serviço Geológico do Brasil, também reconhece o alto custo das formas de mediação convencionais como uma limitação: "É um equipamento bom, robusto, mas o custo é elevado", afirma. "Seria muito importante se a gente tivesse equipamentos mais baratos e confiáveis para conseguir aumentar a rede de monitoramento sem tanto custo e ter dados sobre o nível dos rios em tempo real".

Hoje, as formas de medição usadas no país para os sistemas de alerta são estações automáticas, que fazem uso de radares e sensores instalados em áreas próximas aos cursos d'água e oferecem dados de monitoramento de hora em hora.

Validação

Usada de forma localizada no Brasil, a nova solução ainda tem a vantagem de poder ser usada em variedade de áreas, incluindo rios, lagos, represas e mar. Porém, não há previsão de exploração ampla pelos órgãos de monitoramento. "Em qualquer nova tecnologia, existe um vale entre a sua invenção e a validação inicial em universidades e instituições de pesquisa e a sua eventual adoção e aplicação na rotina de produção por órgãos dedicados ao monitoramento ambiental, hidrológico ou oceanográfico", explica Nievinski.

Mas Nievinski afirma estar feliz com o dispositivo desenvolvido, principalmente por se tratar de uma tecnologia oriunda de uma universidade brasileira. "Estamos muito orgulhosos de uma tecnologia desenvolvida no Brasil ter chamado a atenção de pesquisadores na Alemanha", diz. A semente do trabalho foi a dissertação de mestrado da pesquisadora Manuella Fagundes, premiada pelo Instituto Panamericano de Geografia e História na edição de 2021, sob orientação de Nievinski e da professora Andrea Lopes Iescheck. (FF)