HISTÓRIA PRIMITIVA

Estudo que nega presença humana na Pedra Furada é inválido, diz arqueólogo

Arqueólogo Fabio Parenti, responsável pelas escavações no sítio arqueológico da Pedra Furada que encontrou ferramentas creditadas por antropólogos argentinos a macacos-prego, elenca erros no estudo

Talita de Souza
postado em 11/01/2023 14:50 / atualizado em 11/01/2023 14:55
 (crédito: Tiago Falótico / USP)
(crédito: Tiago Falótico / USP)

A hipótese levantada por dois antropólogos argentinos de que ferramentas encontradas nos sítios arqueológicos da Pedra Furada e região teriam sido criadas por macacos-prego e, não, por humanos — como é estabelecido cientificamente — é refutada por um dos arqueólogos responsáveis pelas escavações e descoberta dos artefatos que são, até então, a evidência que comprova a primeira aparição humana no Brasil e na América do Sul.

Fabio Parenti, doutor em arqueologia pré-histórica e professor de arqueologia da Universidade Federal do Paraná, foi o responsável, junto com a arqueóloga Niède Guidon, pelas escavações do sítio da Pedra Furada, entre 1987 e 1988. Ao Correio, o especialista aponta três razões para discordar e invalidar a “base factual” do artigo publicado na The Holocene, na segunda-feira (2/1).

Primeiro, Fabio afirma que a hipótese de associar as marcas das ferramentas rochosas encontradas na Pedra Furada a macacos-prego não é “nova e já foi discutida, inclusive por mim mesmo, tendo sido refutada”. Para ele, o estudo não pode dar como certo que os artefatos de pedra lascada não são marcados por ação humana sem ter trabalhado “diretamente com os objetos”, e trabalhado “unicamente na base de publicações” de outros artigos.

O especialista também afirma que os antropólogos fizeram uma “leitura apressada” dos trabalhos publicados por ele e outros arqueólogos que estiveram no local, além de evitar a menção, no estudo, “das numerosas fogueiras (estruturas delimitadas por pedras com restos de combustão) encontrados no sítio” — que são evidências contextuais de presença humana no local. No artigo de Agustin Agnoli, foi citado que “nos sítios pleistocênicos do Piauí há ausência de atributos humanos”.

Fabio diz que os parâmetros utilizados pelos antropólogos argentinos “utilizam somente uma parte do que foi escavado e publicado por mim na Pedra Furada: de fato existem muitas peças trabalhadas intensamente nas duas faces”. Por fim, outro erro apontado pelo especialista é de que as conclusões da análise sobre os dois sítios, Pedra Furada e Sítio do Meio, “são extrapolados aos demais sítios da região, sem que tenha tido o menor estudo dos artefatos”.

Para o arqueólogo, as conclusões que abrangem, no papel, todos os sítios, ocorreram “para invalidar in toto (na totalidade, em latim) a existência de ocupações humanas anteriores a 12 mil anos na região”.

"Assim sendo o estudo, apesar de partir de uma hipótese totalmente razoável, está invalidado em sua base factual, o que é uma pena, pois eu mesmo considero muito interessante essa possibilidade e trabalho atualmente em uma nova publicação sobre o assunto, que leva em conta a totalidade da evidência disponível e não somente uma leitura apressada, incompleta e preconceituosa dos dados", acrescentou Fabio Parenti.

Leia abaixo a nota completa do arqueólogo enviada ao Correio:

“Um trabalho recentemente publicado em The Holocene, uma importante revista Internacional (Agnolin & Agnolin 2022), questiona a origem humana dos artefatos de pedra lascada encontrados nas escavações dos sítios arqueológicos da Pedra Furada e Sítio do Meio, no Parque Nacional Serra da Capivara, Piauí, onde os mais antigos vestígios de presença humana na América do Sul foram datados em 60.000 anos.

O artigo apresenta a possibilidade real de que os macacos-prego, que atualmente (e provavelmente no passado) vivem na região do Parque tenham provocado involuntariamente a fratura de lascas de quartzo de maneira praticamente identica à fratura provocada intencionalmente quando se lasca uma pedra para obter um gume cortante, atividade essencial dos grupos humanos da pré-história no mundo inteiro. Essa hipótese não é nova (Fiedel 2017) e já foi discutida, inclusive por mim mesmo (Parenti et al. 2018), tendo sido refutada.

Na qualidade de arqueólogo responsável, junto com Niéde Guidon, pelas escavações da Pedra Furada entre 1987 e 1988, e tendo publicado mais de vinte trabalhos sobre o assunto, me permito de discordar do conteúdo do artigo pelas seguintes razões: 1) os autores, que trabalharam unicamente na base de publicações e não diretamente com os objetos, tem feito uma leitura apressada dos muitos trabalhos publicados por nossa equipe, evitando mencionar as numerosas fogueiras (estruturas delimitadas por pedras com restos de combustão) encontradas no sítio, em associação aos artefatos de suposta origem não humana, e devidamente ilustradas nas publicações 2) os parâmetros em apoio à essa hipótese utilizam somente uma parte do que foi escavado e publicado por mim na Pedra Furada: de fato existem muitas peças trabalhadas intensamente nas duas faces 3) as conclusões da análise sobre os dois sítios arqueológicos são extrapoladas aos demais sítios da região, sem que tenha tido o menor estudo dos artefatos, para invalidar in toto a existência de ocupações humanas anteriores a 12.000 anos na região.

Assim sendo o estudo, apesar de partir de uma hipótese totalmente razoável, está invalidado em sua base factual, o que é uma pena, pois eu mesmo considero muito interessante essa possibilidade e trabalho atualmente em uma nova publicação sobre o assunto, que leva em conta a totalidade da evidência disponível e não somente uma leitura apressada, incompleta e preconceituosa dos dados.”

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