Os efeitos da poluição na saúde vão além das bem relatadas enfermidades pulmonares. Cada vez mais, há evidências de que as partículas inaláveis que circulam na atmosfera — frutos de atividades industriais e da queima de combustíveis fósseis — afetam o cérebro. As consequências são quadros de depressão e ansiedade, que incidem especialmente sobre moradores de áreas urbanas, onde a exposição a esses materiais é contínua. Pesquisas com animais e em órgãos humanos indicam que a associação pode ser explicada por inflamações neurais provocadas pelas substâncias poluentes.
Um estudo recente, divulgado na revista Jama Psychiatry, usou informações de 400 mil pessoas de um banco populacional do Reino Unido para investigar a influência da poluição na saúde mental. Ao cruzar casos de depressão e ansiedade com o nível de exposição a poluentes no local de moradia dos participantes, os pesquisadores encontraram um aumento de 15% na probabilidade de ser diagnosticado com esses problemas. "Individualmente, pode parecer pouco, mas, em termos populacionais, é muito", observa Joseph Hayes, psiquiatra e professor da University College London, que não participou do estudo.
Hayes conhece bem essa associação. Ele pesquisa, há alguns anos, a influência da poluição nas doenças mentais e, ao fazer a revisão de estudos publicados entre 1974 e 2017, encontrou relação entre a exposição de longo prazo a partículas finas suspensas no ar com diâmetro inferior a 2,5 mícrons (PM2,5) e risco aumentado de depressão e ansiedade. "Além disso, nossos resultados encontraram associações entre a exposição de curto prazo a partículas de 10 mícrons (PM10) e risco de suicídio", afirma.
O material particulado (PM) é um conjunto de resíduos tóxicos que ficam suspensos no ar e inclui substâncias sólidas, líquidas e gasosas. Há duas categorias, dependendo do tamanho: partículas com menos de 2,5 micrômetros, mais encontradas em nevoeiros e na fumaça, e entre 2,5 e 10 micrômetros, comuns em regiões próximas a indústrias. Veículos também são importantes fontes de PMs devido aos combustíveis fósseis.
Com base em evidências sobre os diversos riscos associados a esses poluentes, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda um nível máximo de exposição à PM2,5 e de 10 microgramas por metro cúbico. Como comparação, isso é quase 10 vezes menos do que é registrado no Nepal (99,73), o primeiro lugar em um ranking do Estudo de Carga Global de Doenças, de 2017. O Brasil aparece na posição 147, com média de 12,71 microgramas por metro cúbico.
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Idosos
Na edição de ontem da revista Jama Network Open, pesquisadores do Departamento de Saúde Ambiental da Escola de Saúde Pública T.H.Chan de Massachusetts, nos Estados Unidos, publicaram um estudo específico sobre a poluição atmosférica e o risco de depressão e ansiedade em idosos. Eles usaram dados do seguro de saúde norte-americano Medicare referentes a quase 9 milhões de pessoas acima dos 64 anos, no período de 2005 a 2016, e compararam os diagnósticos das doenças mentais nessa população à exposição à PM2,5, ao dióxido de nitrogênio e ao ozônio.
Os três tipos de poluentes foram relacionados, estatisticamente, ao aumento de casos de depressão e ansiedade em idosos — com progressões percentuais quanto maior o nível de exposição. O resultado é consistente com um estudo semelhante que investigou a associação em crianças e adolescentes, conduzido pelo neuropsiquiatra Aaron Reuben, da Universidade de Duke, nos Estados Unidos.
Embora essas pesquisas sejam observacionais — ou seja, encontram relações estatísticas, mas não apontam uma relação de causa e efeito —, muitos pesquisadores apostam no potencial inflamatório das partículas. No cérebro, é um processo ligado, também, a doenças neurodegenerativas. "Sabemos que as partículas mais finas do ar sujo podem atingir o cérebro tanto pela corrente sanguínea quanto pelo nariz, e a poluição do ar tem sido implicada no aumento da neuroinflamação, em danos às células nervosas e em mudanças na produção de hormônio do estresse, questões associadas a problemas de saúde mental", diz Isobel Braithwaite, pesquisadora da University College London.
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Alterações físicas e funcionais
Segundo Clara G. Zundel, pesquisadora de Psiquiatria e Neurociências Comportamentais da Universidade Estadual de Wayne, nos Estados Unidos, 95% dos estudos que examinaram os efeitos cerebrais da poluição detectaram alterações físicas e funcionais significativas em regiões do órgão que regulam as emoções. Ela é autora de uma revisão de mais de 100 artigos, publicada na revista NeuroToxicology, nos quais encontrou relação entre a exposição a níveis altos de substâncias químicas inaláveis e modificações no hipocampo, na amígdala e no córtex pré-frontal, as principais áreas do cérebro que atuam sobre o comportamento.
"Em nossa análise, 73% dos estudos relataram sintomas de doenças mentais mais elevados em humanos e animais, como ratos, que foram expostos a níveis acima da média de poluição do ar", diz. "Algumas exposições que levaram a efeitos negativos ocorreram em faixas de poluição do ar atualmente consideradas seguras pelos padrões da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. A maioria desses estudos descobriu que a exposição a níveis elevados de poluição do ar está associada ao aumento da inflamação e alterações na regulação dos neurotransmissores, que atuam como mensageiros químicos do cérebro."
Uma das pesquisas analisadas por Zundel testou os efeitos da exposição a poluentes em ratos adultos divididos em quatro grupos, com diferentes níveis de qualidade do ar. Depois de quatro semanas consecutivas, os animais foram avaliados em experimentos de desempenho cognitivo e também passaram por exames fisiológicos, que mediram padrões como nível de citocinas inflamatórias e índices de estresse oxidativo no tecido cerebral.
Memória prejudicada
O estudo iraniano, liderado pela Universidade de Ciências Médicas de Ahvaz, mostrou que, além de danos respiratórios, a exposição ao material particulado prejudicou a memória espacial dos animais. Além disso, aumentou o edema cerebral e elevou as respostas inflamatórias e o estresse oxidativo no órgão dos roedores.
Em humanos, uma pesquisa da Universidade de Brigham Young, nos Estados Unidos, detectou alteração no volume do hipocampo quando havia alta exposição ao PM2,5. "O hipocampo é importante para o processamento da memória. Várias doenças neuropsiquiátricas, incluindo Alzheimer, estão associadas à redução do volume do hipocampo, que parece vulnerável a distúrbios ambientais", escreveram os autores, em um artigo também publicado na NeuroToxicology. (PO)
Mecanismo plausível
“O mecanismo proposto para associação entre poluição e saúde mental é a inflamação. Foi demonstrado, em estudos com humanos e animais, que esses tipos de poluentes podem aumentar a inflamação, e há uma forte ligação emergente entre inflamação e depressão. Como em todos os aspectos da saúde mental, existe uma relação complexa entre vulnerabilidade e resiliência individual e a exposição ambiental. Portanto, não é que todos os que são expostos a esses poluentes desenvolvam depressão, mas esse é um mecanismo plausível.”
Oliver Robinson, professor de neurociência e saúde mental da University College London (UCL)