Estigma com os vira-latas

Correio Braziliense
postado em 30/04/2023 06:00

Fundado em 2005, a Associação Protetora dos Animais Abrigo Flora e Fauna é uma instituição sem fins lucrativos que acolhe cães e gatos vítimas de abandono e maus tratos.
Fundado em 2005, a Associação Protetora dos Animais Abrigo Flora e Fauna é uma instituição sem fins lucrativos que acolhe cães e gatos vítimas de abandono e maus tratos. (foto: Abrigo Flora e Fauna / Divulgação)

Apesar de haver um incentivo muito forte à adoção, cachorros sem raça costumam ser muito associados a comportamentos agressivos. A incerteza genética reforça esse estigma, segundo Flávio Ayrosa, da Universidade de São Paulo (USP). "As pessoas vão nesse argumento de que, como não há padrões, você não sabe qual tamanho o cão vai ficar e o comportamento que vai ter. Isso piora quando o animal tem um histórico de vida na rua", diz.

O cientista afirma que, por mais que possam existir tendências comportamentais ligadas a esses aspectos, a relação ainda é incerta, e o cruzamento dos dados feito na pesquisa não encontrou associações diretas entre agressividade e genética desses animais. "O papel do tutor é muito importante exatamente nesse sentido de que cachorros são como pessoas, cada um é um indivíduo. Então, o desenvolvimento deles é único", afirma Ayrosa.

No Abrigo Flora e Fauna, localizado no Gama e com mais 700 animais, diversos cachorros perdem a chance de serem adotados pela falta de conhecimento sobre a singularidade canina. Há um temor, por exemplo, de que os mais velhos não consigam se adaptar ou sejam mais agressivos, conta Orcileni de Carvalho, fundadora da instituição.

"As pessoas querem que eles (os animais) atendam às necessidades delas, mas temos que respeitar as limitações deles", afirma. "Se o cão tem um comportamento mais explosivo, ansioso ou depressivo, vai ser o amor que vai desfazer esse conflito. Se a pessoa estiver disposta a fazer a diferença na vida de um animal, ela tem que passar por esse esforço."

Ayrosa concorda que o ajuste na convivência depende de tempo. "O histórico de vida do animal, pensando em tudo o que ele passou ao longo da vida, é algo até mais determinístico que a genética", diz. "Muitos cachorros passam por traumas, e eles vão requerer um cuidado diferenciado. Então, no abrigo ou em casa, a pessoa que for cuidar desse cachorro terá que estar ciente dos gatilhos que ele possa apresentar."

Sem gritaria

Lara Soares Muniz, 26 anos, adotou sua cachorrinha em uma feira organizada pelo Abrigo Flora e Fauna. Ela conta que estava ciente de que seria necessário um esforço para garantir o bem-estar do animal. Mel, de 6 meses, tinha sido abandonada na rua com outros filhotes da ninhada.

"Ela estava muito assustada com tudo e tinha um semblante muito triste. Nos primeiros meses, até dava umas rosnadas, mas, depois de todo o processo de adaptação, é uma cachorrinha muito dócil", diz a tutora. "Aqui não tem gritaria, não tem estresse. Então, acredito que tudo isso ajudou para que a gente construísse um ambiente para que ela se adaptasse e se tornasse mais tranquila."

Segundo Ayrosa, nessa relação entre cão e tutor, não existe uma receita de bolo. Uma regra, porém, é certa: a necessidade de respeito. "Cachorros são indivíduos, estão nesse cenário de desenvolvimento com famílias e pessoas diferentes, e essas coisas vão moldando o bicho", diz. "Você não pode esperar que o comportamento de um cachorro seja uma coisa predefinida. Você pode adestrá-lo em uma tendência que queira que ela vá, mas, ao mesmo tempo, tem que se adaptar a ele e respeitá-lo." 

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