Meio ambiente

Projetos inadequados de restauração florestal na África ameaçam savana

Cientistas da Universidade de Liverpool, de Oxford e de Utrecht analisaram iniciativas de recuperação por meio do plantio de árvores e da agrossilvicultura feita pela AFR100, verificando que a inadequação dos projetos põe em risco a região

O receio dos cientistas é a perda da biodiversidade local,  daí o alerta para ações urgentes  -  (crédito: Kate Parr, University of Liverpool)
O receio dos cientistas é a perda da biodiversidade local, daí o alerta para ações urgentes - (crédito: Kate Parr, University of Liverpool)
postado em 17/02/2024 06:00

Estudo constata que projetos inadequados de restauração florestal na África ameaça regiões de savana e de pastagem no continente. A pesquisa publicada, na revista Science, mostra que uma área do tamanho do território francês — cerca de 643.801 km² — está comprometida por causa das iniciativas. Segundo os cientistas responsáveis pela investigação, a plantação de árvores nos locais representa um risco para os animais — como rinocerontes — e para a população por serem dependentes do ecossistema para sobreviver.

A líder do estudo e professora de ecologia tropical da Universidade de Liverpool, Kate Parr, explica que as definições existentes de floresta resultam em uma classificação errada das áreas de savana e de pastagem. Ela sugere o interrompimento das atividades de reflorestamento para a reavaliação de qual atividade de recuperação é "mais adequada ao tipo de vegetação".

O método contraria inclusive o determinado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), que determina que floresta é uma "área que mede mais de 0,5 hectares com árvores maiores que cinco metros de altura e cobertura de copa superior a 10%, ou árvores capazes de alcançar estes parâmetros".

Outro problema que Parr destaca é a restauração por meio da agrossilvicultura. Para a pesquisadora, o método deve ser questionado e revisto. "A escala do problema enfrentado pelas savanas e pastagens é enorme e merece atenção urgente", declara.

Estudo

A Universidade de Oxford, do Reino Unido, e a Universidade de Utrecht, da Holanda, também colaboraram com a pesquisa. Os cientistas concentraram em analisar as ações da Iniciativa Africana de Restauração da Paisagem Florestal (AFR100) a fim de compreender a "escala potencial do plantio de árvores em savanas e pastagens".

A AFR100 é uma parceria firmada por 34 países africanos em dezembro de 2015. O projeto objetiva a recuperação de100 milhões de hectares de áreas degradas na África, até 2030, por meio de plantação e regeneração natural de árvores.

"As questões levantadas com a análise dessa iniciativa são amplamente representativas da situação em outros locais, por exemplo, a Campanha de Plantação de Árvores para toda a Índia", explicam os cientistas na publicação feita na Science.

Para analisar qual o limite dos espaços não florestais poderiam ser destinados à restauração, os cientistas compararam os compromissos da AFR100, em área, com o território ocupado pelo bioma florestal por país durante um ano.

Os pesquisadores extraíram informações sobre a cobertura da floresta tropical na África do sistema Resolve de Ecorregiões e Biomas e cruzaram com um mapa dos países africanos da plataforma Opendatasoft. Usaram também o portal Mogabay para obter dados — como classificação florestal, país, número e espécie de árvores plantadas, método de restauração e coordenadas GPS — de projetos ativos.

Com as informações coletadas, os pesquisadores descobriram que, em todo continente africano, um total de 133,6 milhões de hectares em 35 países foram destinados ao reflorestamento pela AFR100. No entanto, uma área de 25,9 milhões de hectares de oito países atribuída à iniciativa não tinha cobertura florestal. Segundo o estudo, cerca de 52% dos projetos estão em área de savana ou de pastagem.

Os cientistas ponderam que a parceria internacional também tem o comprometimento em recuperar áreas de savana e de pastagem com plantio de gramíneas nativas. No entanto, os pesquisadores encontraram só um projeto com esse objetivo em andamento no Quênia.

"Todos os outros concentram-se em aumentar o número de árvores. Esses dados locais de restauração ilustram que as grandes áreas comprometidas com a restauração em sistemas não florestais são o principal alvo de restauração por programas de plantio de árvores envolvendo plantio de mudas (76% dos projetos) ou agrofloresta (49% dos projetos)", dizem na publicação.

A pesquisa também mostra que aproximadamente 60% de iniciativas de recuperação por meio da agrossilvicultura utilizam espécies não nativas. Os cientistas afirmam, na publicação, que "espécies introduzidas podem ser problemáticas quando são invasoras. Dos Princípios de Restauração da ONU, há questionamentos se são atendidos em ecossistemas não florestais. Os resultados podem ser fracos e aumentar a cobertura lenhosa em ecossistemas abertos é em si uma causa da degradação".

Impactos

Uma consequência apresentada pelo estudo em plantar árvores em locais predominantemente de gramíneas é a redução da incidência de luz solar, o que pode resultar em perda da biodiversidade, principalmente de espécies "intolerantes à sombra e de habitats abertos".

O reflorestamento inadequado também pode comprometer a disponibilidade de água e restringir o acesso a alimentos e a recursos medicinais. Além disso, os cientistas afirmam que a "degradação por plantio de árvores resulta na transformação permanente de sistemas gramados com baixa probabilidade e/ou taxa lenta de recuperação".

Segundo os pesquisadores, o estudo demonstra os impactos no continente africano, mas a recuperação florestal inadequada em outros continentes também é uma ameaça. Um exemplo exposto pelos cientistas é a plantação de árvores em área de pastagem do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás.

Parr afirma que o sistema Resolve de Ecorregiões e Biomas, embora não seja perfeito, pode ser usado para separar com maior precisão áreas de savana e de florestas. "Queríamos quantificar a quantidade de ameaça e aumentar a sensibilização para a questão, saber qual é o âmbito da restauração em sistemas não florestais, ou seja, a área comprometida em sistemas florestais e não florestais, e testar até que ponto isto acontece, examinando projetos de restauração.A pesquisadora diz que, por enquanto, não se cogita uma nova etapa de estudos: "mas é urgente mais investigar o terreno para compreender as compensações no carbono, no funcionamento dos ecossistemas da biodiversidade e nos serviços ecossistêmicos".

Três perguntas para... 

Kate Parr, professora de ecologia tropical na Escola de Ciências Ambientais da Universidade de Liverpool e líder do estudo.

Por que decidiram realizar o estudo?
Todos os coautores trabalharam extensivamente em savanas e pastagens em toda a África e preocupam-se profundamente com estes ambientes. Estávamos cada vez mais preocupados com o fato de os programas de plantação de árvores parecerem ter como alvo estes sistemas. Queríamos quantificar a quantidade de ameaça e aumentar a sensibilização para a questão, saber qual é o âmbito da restauração em sistemas não florestais (ou seja, a área comprometida em sistemas florestais e não florestais) e testar até que ponto isto acontece, examinando projetos de restauração.

A pesquisa terá uma segunda fase?
Isto não está planejado, mas é urgentemente necessária mais investigação no terreno para compreender as compensações no carbono, no funcionamento dos ecossistemas da biodiversidade e nos serviços ecossistêmicos.

Qual a importância do estudo para a proteção ambiental?
Atualmente as savanas não estão sendo protegidas da maneira correta porque grande parte da restauração é inadequada.

*Estagiária sob a supervisão de Renata Giraldi

 

Três perguntas para

LEG: Kate Parr, professora de ecologia tropical na Escola de Ciências Ambientais da Universidade de Liverpool e líder do estudo.

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Por que decidiram realizar o estudo?
Todos os coautores trabalharam extensivamente em savanas e pastagens em toda a África e preocupam-se profundamente com estes ambientes. Estávamos cada vez mais preocupados com o fato de os programas de plantação de árvores parecerem ter como alvo estes sistemas. Queríamos quantificar a quantidade de ameaça e aumentar a sensibilização para a questão, saber qual é o âmbito da restauração em sistemas não florestais (ou seja, a área comprometida em sistemas florestais e não florestais) e testar até que ponto isto acontece, examinando projetos de restauração.

A pesquisa terá uma segunda fase?
Isto não está planejado, mas é urgentemente necessária mais investigação no terreno para compreender as compensações no carbono, no funcionamento dos ecossistemas da biodiversidade e nos serviços ecossistêmicos.

Qual a importância do estudo para a proteção ambiental?
Atualmente as savanas não estão sendo protegidas da maneira correta porque grande parte da restauração é inadequada.

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