As mudanças climáticas além de atingir as cidades e as zonas rurais, impactam os oceanos, que cobrem cerca de 70% da Terra. O aquecimento rápido das águas aumenta constantemente e alarma cientistas. Enquanto o cenário piora, pesquisadores de diferentes países tentam mensurar o problema global. Os pesquisadores constataram que as alterações favorecem certos organismos marinhos, mas prejudicam outros e que há espécies que deixam seu habitat em busca de áreas seguras, afetando o ecossistema inteiro.
Estudo publicado na revista Nature Communications revelou que as ondas de calor marinhas no nordeste do Oceano Pacífico desencadeiam perturbações complexas e contínuas na cadeia alimentar aquática, um fenômeno que afeta o futuro de muitas espécies. Pioneiro, o trabalho analisou os impactos do problema no ecossistema na Corrente do Norte da Califórnia, uma vasta extensão de águas que vai desde Washington até o Norte da Califórnia, nos Estados Unidos — mais de 9 mil quilômetros.
Os pesquisadores descobriram que os zooplânctons gelatinosos, os chamados pirossomas cilíndricos, são os maiores beneficiados das ondas de calor, o que altera a dinâmica energética da cadeia alimentar. O projeto foi uma colaboração entre a Oregon State University e a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional, liderada por Joshua Stewart, professor assistente do Marine Mammal Institute. O trabalho evidenciou como os pirossomas absorvem energia, tornando-se uma ameaça para outros organismos.
Conforme o artigo, o aquecimento das águas salgadas se torna mais prevalente e intenso no mundo. Para investigar melhor o problema, a equipe atualizou um modelo de ecossistema de ponta a ponta com novos dados sobre a vida marinha.
Os resultados revelaram que o domínio dos pirossomas afeta predadores e presas de todos os tamanhos. Esses zooplânctons, favorecidos pelo aumento da temperatura da água, extraem muita energia da cadeia alimentar e é provável que essa perda atinja peixes e mamíferos marinhos que estão no topo da cadeia. Esse cenário também pode impactar a pesca economicamente importante e os esforços de recuperação de espécies ameaçadas ou em perigo.
"Se você observar as interações de uma única espécie, provavelmente perderá muita coisa", frisou, em nota, Dylan Gomes, coautor do trabalho e pós-doutor pelo Marine Mammal Institute da Oregon State University. "Os efeitos naturais de uma perturbação não serão necessariamente diretos e lineares. O que isto nos mostrou é que estas ondas de calor impactam todos os predadores e presas do ecossistema por meio de vias diretas e indiretas."
Desafio
Ronaldo Christofoletti, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), detalha que um desafio é não conhecer bem todas as regiões dos oceanos. "Quando pensamos em processos de aquecimento a longo prazo, vemos que as principais consequências são mudanças nas áreas produtivas do Oceano."
Christofoletti frisa haver espécies que serão beneficiadas e terão um desenvolvimento maior. "No entanto, outras serão prejudicadas e poderão desaparecer, e algumas que irão migrar. Portanto, o mapeamento do que a gente conhece do que são áreas mais produtivas, mais propícias para conservação e mais expressivas para exploração poderá mudar. Apesar dos modelos, é um impacto imprevisível."
Para os pesquisadores, o modelo atualizado poderá auxiliar ainda na adaptação das estratégias de pesca comercial, oferecendo insights sobre a mudança na distribuição e abundância das espécies marinhas em resposta às ondas de calor marinhas.
Um trabalho liderado por cientistas da Universidade de Tel Aviv revelou um declínio na abundância de espécies de peixes marinhos que estão migrando rapidamente em direção aos polos para fugir do aquecimento. Contrariando a visão predominante, a pesquisa mostra que essas mudanças rápidas na distribuição estão associadas a declínios populacionais em larga escala. O estudo, detalhado na revista Nature Ecology & Evolution, examinou 2.572 populações de peixes de 146 espécies, principalmente nos oceanos Atlântico e Pacífico.
Pela primeira vez, duas bases de dados globais foram relacionadas: uma que rastreia o tamanho das populações de peixes ao longo do tempo e outra que compila as velocidades de mudança de alcance entre esses animais marinhos. O professor Jonathan Belmaker, colíder do estudo, frisou que as mudanças climáticas estão impulsionando os movimentos animais em direção a regiões mais frias. A investigação descobriu que quanto mais rápido os peixes se movem em direção aos polos, menos abundantes eles se tornam.
Polos
Populações, que estão mais próximas dos polos, mostraram um declínio mais rápido na abundância em comparação com aquelas em latitudes mais baixas da mesma espécie, com implicações para o manejo e conservação das espécies.
Alexandre Turra, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e professor titular do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), destacou que um aspecto-chave para programas de monitoramento é medir a quantidade de organismos existentes na área oceânica que será acompanhada.
"Esse tipo de monitoramento basicamente não existe no Brasil, algumas iniciativas são realizadas em certas localidades e são muito bem feitas, mas não representam uma malha suficiente para poder avaliar o processo de imigração de espécies em direção aos polos. Estabelecer uma rede de monitoramento da biodiversidade marinha é fundamental." Turra destaca que o mais importante no momento é ter "líderes que consigam mobilizar a opinião pública" a tomar atitudes e colocar em prática ações".
A chave é o conhecimento
"Uma das premissas da conservação é a compreensão do fenômeno que causa o problema. Aqui entra a ciência de base, com levantamentos de biodiversidade, monitoramento de parâmetros ambientais e outras abordagens. Em relação às mudanças climáticas, um dos principais pontos é levantar parâmetros de locais onde o efeito do aquecimento foi menos severo. Geralmente, onde os corais não branqueiam, ou os peixes não migram, mesmo sob condições extremas, podem indicar que ali há potencial genético para que indivíduos desses locais possam ser reproduzidos para recompor as espécies de locais onde desapareceram ou estão em declínio. Outra estratégia importante é o manejo de espécies invasoras, atividade que exige a captura ativa para evitar que a presença dessas espécies afete as espécies nativas."
Henrique Bezerra dos Santos, bacharel em ecologia, doutorando em ecologia pela Universidade Federal da Bahia e especialista em ecologia recifal e no estudo de populações de invertebrados marinhos.
Invasão em massa
Um estudo conduzido pela Universidade de Adelaide, na Austrália, revelou que as mudanças climáticas estão facilitando a incursão de espécies de peixes tropicais em águas temperadas ao sudeste do país. De acordo com o professor Ivan Nagelkerken, líder da pesquisa, esses animais estão migrando, ainda na fase larvar, impulsionados pelo aquecimento global. Isso cria condições mais favoráveis para a sobrevivência das larvas em águas que normalmente seriam muito frias para elas.
Atualmente, esses novos grupos de peixes tropicais nas águas temperadas não estão exercendo um grande impacto, mas há preocupações sobre o futuro. O professor David Booth, coautor do estudo, observa que, à medida que as águas continuam a esquentar, essas populações crescerão até seu tamanho máximo e competirão cada vez mais com as espécies nativas. "A expectativa é que esses peixes tropicais se estabeleçam permanentemente na região temperada da Austrália, onde se tornarão sérios competidores dos peixes nativos de regiões temperadas que historicamente viveram lá."
Embora o estudo tenha se concentrado nas comunidades de peixes ao largo de Nova Gales do Sul, Austrália, Nagelkerken reitera que fenômenos semelhantes ocorrem em outras regiões do país. Ele afirmou, em nota, que a migração observada é "um processo contínuo que se fortaleceu nas últimas décadas devido ao aquecimento dos oceanos".
Os impactos mais amplos nos ecossistemas invadidos por esses animais não estão totalmente esclarecidos. O artigo menciona que os herbívoros tropicais podem ser afetados no que tange o controle das algas, mas os efeitos sobre os predadores de bichos invertebrados ainda são desconhecidos.
Eduardo Bessa, biólogo e professor da Universidade de Brasília, campus Planaltina e pesquisador da Rede Biota Cerrado, reforça que algumas espécies que já existem mais ao norte estão invadindo ambientes temperados e extinguindo animais locais. "Isso tende a homogeneizar as faunas e diminuir a biodiversidade geral."
Bessa explica que invasões biológicas são muito difíceis de conter. "Aqui lidamos com a braquiária tomando o lugar das gramíneas nativas do Cerrado, o caramujo gigante africano se espalhando na estação chuvosa. No ambiente aquático essas invasões são ainda mais dramáticas, não é um capim que aparece no meio do gramado ou um caramujo enorme. Os invasores estão debaixo d'água, quando conseguimos vê-los, já estão muito bem estabelecidos e causando grande impacto nas espécies nativas."
» Leia no próximo domingo: A série de reportagens sobre a saúde dos oceanos e os impactos das mudanças globais termina no próximo domingo
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Invasão em massa
Um estudo conduzido pela Universidade de Adelaide, na Austrália, revelou que as mudanças climáticas estão facilitando a incursão de espécies de peixes tropicais em águas temperadas ao sudeste do país. De acordo com o professor Ivan Nagelkerken, líder da pesquisa, esses animais estão migrando, ainda na fase larvar, impulsionados pelo aquecimento global. Isso cria condições mais favoráveis para a sobrevivência das larvas em águas que normalmente seriam muito frias para elas.
Atualmente, esses novos grupos de peixes tropicais nas águas temperadas não estão exercendo um grande impacto, mas há preocupações sobre o futuro. O professor David Booth, coautor do estudo, observa que, à medida que as águas continuam a esquentar, essas populações crescerão até seu tamanho máximo e competirão cada vez mais com as espécies nativas. "A expectativa é que esses peixes tropicais se estabeleçam permanentemente na região temperada da Austrália, onde se tornarão sérios competidores dos peixes nativos de regiões temperadas que historicamente viveram lá."
Embora o estudo tenha se concentrado nas comunidades de peixes ao largo de Nova Gales do Sul, Austrália, Nagelkerken reitera que fenômenos semelhantes ocorrem em outras regiões do país. Ele afirmou, em nota, que a migração observada é "um processo contínuo que se fortaleceu nas últimas décadas devido ao aquecimento dos oceanos".
Os impactos mais amplos nos ecossistemas invadidos por esses animais não estão totalmente esclarecidos. O artigo menciona que os herbívoros tropicais podem ser afetados no que tange o controle das algas, mas os efeitos sobre os predadores de bichos invertebrados ainda são desconhecidos.
Eduardo Bessa, biólogo e professor da Universidade de Brasília, campus Planaltina e pesquisador da Rede Biota Cerrado, reforça que algumas espécies que já existem mais ao norte estão invadindo ambientes temperados e extinguindo animais locais. "Isso tende a homogeneizar as faunas e diminuir a biodiversidade geral."
Bessa explica que invasões biológicas são muito difíceis de conter. "Aqui lidamos com a braquiária tomando o lugar das gramíneas nativas do Cerrado, o caramujo gigante africano se espalhando na estação chuvosa. No ambiente aquático essas invasões são ainda mais dramáticas, não é um capim que aparece no meio do gramado ou um caramujo enorme. Os invasores estão debaixo d'água, quando conseguimos vê-los, já estão muito bem estabelecidos e causando grande impacto nas espécies nativas." (IA)
» Leia no próximo domingo: A série de reportagens sobre a saúde dos oceanos e os impactos das mudanças globais termina no próximo domingo
A chave é o conhecimento
"Uma das premissas da conservação é a compreensão do fenômeno que causa o problema. Aqui entra a ciência de base, com levantamentos de biodiversidade, monitoramento de parâmetros ambientais e outras abordagens. Em relação às mudanças climáticas, um dos principais pontos é levantar parâmetros de locais onde o efeito do aquecimento foi menos severo. Geralmente, onde os corais não branqueiam, ou os peixes não migram, mesmo sob condições extremas, podem indicar que ali há potencial genético para que indivíduos desses locais possam ser reproduzidos para recompor as espécies de locais onde desapareceram ou estão em declínio. Outra estratégia importante é o manejo de espécies invasoras, atividade que exige a captura ativa para evitar que a presença dessas espécies afete as espécies nativas."
Henrique Bezerra dos Santos, bacharel em ecologia, doutorando em ecologia pela Universidade Federal da Bahia e especialista em ecologia recifal e no estudo de populações de invertebrados marinhos.
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