Por décadas, o cinema ajudou a construir uma imagem dramática e equivocada do ataque cardíaco. O ator leva a mão ao peito, cambaleia e cai no chão, com gritos de socorro no fundo para evidenciar a cena. Esse roteiro, tão familiar, ainda influencia como muita gente enxerga o infarto na vida real. Contudo, essa expectativa pode custar vidas.
Um alerta feito pela professora Ann Eckhardt, da Universidade do Texas em Arlington (UTA), nos Estados Unidos, publicado em um artigo publicado nesta sexta-feira (11/7), mostra que a ideia cinematográfica continua viva na mente de grande parte das pessoas e acaba dificultando o reconhecimento de sinais verdadeiros do ataque cardíaco, que nem sempre são tão intensos ou evidentes.
“Infelizmente, isso não é a vida real. Nem sempre o infarto é intenso”, explica Ann. “As vezes, é apenas um desconforto que não parece certo, então as pessoas tendem a esperar para procurar um médico. Quanto mais você espera, maior a probabilidade de ter consequências negativas após um ataque cardíaco”.
A especialista investigou os principais equívocos em torno dos sintomas do infarto. E os dados impressionam, quase 75% dos entrevistados disseram que a principal fonte de informação sobre o tema vem da TV ou do cinema, que ajuda a entender por que tantas pessoas demoram a buscar socorro.
Entre os mitos mais persistentes está a ideia de que homens e mulheres têm sintomas completamente diferentes. Segundo a professora, esse discurso só aumenta a confusão. “Costumávamos dizer que os homens têm sintomas típicos e as mulheres têm sintomas atípicos. O sintoma mais comum, para homens e mulheres, está relacionado à dor no peito”.
Quando o infarto não parece um infarto
Um dos maiores desafios é que o ataque cardíaco nem sempre se apresenta com dor. Para muitas pessoas, o que aparece é uma sensação de aperto, pressão, incômodo ou mal-estar, que não se encaixa naquele modelo “clássico” de dor aguda. E por não reconhecerem esses sinais, muitos pacientes hesitam em procurar ajuda.
De olho nesse problema, Ann ajudou a criar o “Questionário de Concepção de Dor no Peito”, uma ferramenta que busca entender como as pessoas percebem os sintomas cardíacos, e que pode ajudar profissionais de saúde a fazer perguntas melhores e diagnosticar com mais precisão.
Por trás do interesse científico, há também uma motivação pessoal. Ann conta que era ainda criança quando viu o avô ser levado às pressas para o hospital após um infarto. Ela conta que ele sobreviveu graças a uma cirurgia de ponte de safena, e ele viveu por mais 20 anos. “Essa experiência me marcou e guiou meu caminho na enfermagem”, comenta.
Hoje, a missão da pesquisadora é clara: mudar a forma como o público enxerga os sintomas de um infarto. Uma tarefa difícil, mas urgente. É necessário ter mensagens claras e realistas. Porque o coração, ao contrário dos filmes, nem sempre dá fortes sinais, às vezes, ele apenas sussurra que algo está errado.
*Estagiária sob supervisão de Ronayre Nunes
