Sustentabilidade

O desafio de vencer o mundo "dominado" pelo plástico

Relatório divulgado antes das discussões sobre tratado internacional para acabar com a poluição por polímeros sintéticos aponta os riscos do material à saúde humana desde a fase intrauterina: perdas chegam a R$ 8,26 trilhões anuais

Microplásticos ampliados por microscopia: diferentes partículas já foram encontradas em órgãos humanos, como cérebro e coração, além de detectadas no sangue e na placenta
 -  (crédito: Oregon State University/Divulgação)
Microplásticos ampliados por microscopia: diferentes partículas já foram encontradas em órgãos humanos, como cérebro e coração, além de detectadas no sangue e na placenta - (crédito: Oregon State University/Divulgação)

Às vésperas das negociações finais sobre um tratado global para acabar com a poluição por plástico, cientistas independentes lançaram um sistema de monitoramento de indicadores sobre os impactos na saúde da exposição ao material. O Lancet Countdown on Health and Plastics (Contagem Regressiva da Lancet sobre Saúde e Plásticos) deve lançar o primeiro relatório em meados de 2026, mas já divulgou ontem, um documento com dados preocupantes. 

No artigo, publicado na revista científica The Lancet, os autores afirmam que, nesta terça-feira (05/08), o mundo é um "cemitério de plásticos" e estimam que a produção do material triplique até 2060, passando de 475 milhões para 1,2 bilhão. Atualmente, 8 bilhões de toneladas métricas de lixo formado por diversos tipos de polímeros sintéticos poluem a Terra. De hoje a 14 de agosto, os países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) esperam concluir o Tratado Global sobre Plásticos, em Genebra, na Suíça, previsto para entrar em vigor ainda neste ano. As negociações anteriores falharam nas tentativas de se traçar metas ambiciosas. 

"A Contagem Regressiva da Lancet sobre Saúde e Plásticos fornecerá aos formuladores de políticas e ao público informações confiáveis sobre como estamos lidando com a crise global do plástico à medida que o tratado da ONU sobre plásticos entrar em vigor", disse, no lançamento do projeto, que foi transmitido online, Philip Landrigan, diretor do Observatório Global de Saúde Planetária e professor de biologia do Boston College, nos Estados Unidos. "Plásticos são feitos de combustíveis fósseis, contaminam alimentos e água, estão associados a muitas doenças humanas e impõem altos custos com assistência médica e danos ambientais."

Desinformação

Uma das preocupações de médicos e cientistas é a escassez de informações sobre os produtos presentes nos plásticos, os volumes de produção, usos e toxicidade. No artigo publicado ontem, os pesquisadores afirmam que 75% dos componentes químicos dos polímeros sintéticos nunca foram testados quanto à segurança. Ao mesmo tempo, partículas de micro e nanoplásticos já foram encontradas em órgãos e fluidos corporais, como cérebro, coração, placenta, sangue e leite materno, e associados à inflamação sistêmica, com possíveis conexões com doenças cardiovasculares, infertilidade, obesidade e câncer, entre outros. 

"Nosso conhecimento sobre os impactos dos plásticos na saúde humana está em constante crescimento e sinaliza a necessidade de ação imediata", destacou Sarah Dunlop, diretora de Plásticos e Saúde Humana da Fundação Minderoo, principal apoiadora da Contagem Regressiva. "Em 2023, a Comissão Minderoo de Mônaco sobre Plásticos e Saúde Humana concluiu que os plásticos colocam em risco a saúde humana em todas as fases do seu ciclo de vida — na produção, no uso e no descarte", afirmou, no lançamento da iniciativa. 

No relatório publicado ontem, os cientistas analisam novas informações sobre os impactos dos plásticos à saúde, incluindo mais evidências dos danos associados a tóxicos usados em produtos do dia a dia. Um dos principais perigos apontados no documento são os aditivos químicos presentes no material, como ftalatos, bisfenóis e retardantes de chama. Como não são quimicamente ligadas ao polímero, essas substâncias se dispersam facilmente no ar, na água, no solo e nos alimentos.  

Perda cognitiva 

Estudos citados pelos cientistas sugerem que a exposição a essas substâncias está associada a abortos espontâneos, malformações congênitas, obesidade infantil, puberdade precoce, infertilidade, doenças cardiovasculares, diabetes, câncer e distúrbios neurocomportamentais. Um dos dados considerados mais preocupantes é a estimativa de que, apenas em 2015, químicos como PBDE, BPA e DEHP causaram cerca de 600 mil mortes e perdas cognitivas equivalentes a 11,7 milhões de pontos de QI em crianças nascidas naquele ano. "Estamos falando de substâncias que afetam o desenvolvimento neurológico infantil e o funcionamento endócrino, com impactos para toda a vida. E a maioria delas sequer foi testada quanto à sua segurança", alerta o relatório.

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"Queremos conscientizar as pessoas que o plástico não é tão seguro, conveniente e barato quanto elas imaginam", reforçou, no lançamento da Contagem Regressiva, Philip Landrigan. "Os plásticos são feitos de combustíveis fósseis, contaminam alimentos e água, estão associados a muitas doenças humanas e impõem altos custos com assistência médica e danos ambientais." Além dos efeitos inflamatórios no nível celular, o cientista lembra que os resíduos do material podem fornecer um habitat para mosquitos depositarem seus ovos, contribuindo potencialmente para a disseminação da malária e da dengue e para o aumento da resistência antimicrobiana.

Além dos efeitos inflamatórios e oxidativos no nível celular, o cientista lembrou que os resíduos do material podem fornecer um habitat para mosquitos depositarem seus ovos, contribuindo potencialmente para a disseminação da malária e da dengue e para o aumento da resistência antimicrobiana. O custo dos efeitos do plástico na saúde humana e na perda de ecossistemas pode ultrapassar US$ 1,5 trilhão por ano (R$ 8,26 trilhões), alertou Landrigan. "A crise dos plásticos é uma ameaça crescente, subestimada e amplamente invisível à saúde humana", resumiu.

Mudança de rumo

Um estudo recém-publicado na revista Nature estima a presença de pelo menos 27 milhões de toneladas de nanoplásticos nos mares do Atlântico Norte e é mais uma evidência do grau alarmante da poluição plástica no meio ambiente. Isso reforça a urgência de uma ação global coordenada entre os países para enfrentar essa crise. O Tratado Global de Plásticos representa uma oportunidade histórica para mudar o rumo dessa trajetória. Ele pode estabelecer regras claras e harmonizadas para eliminar a poluição plástica pela raiz, repensando o design de produtos e embalagens, reduzindo a produção de plásticos desnecessários e promovendo modelos de negócios circulares, que mantenham materiais em uso por mais tempo. É necessário, mais do que nunca, que as delegações sejam ambiciosas e comprometidas. Não basta apenas gerenciar a poluição plástica, precisamos harmonizar as regras que permitem que o plástico nunca se torne resíduo e não vá parar nos oceanos. Esperamos que os governos coloquem o bem-estar humano em primeiro lugar e assinem esse tratado, que será essencial para reduzir a poluição, além de gerar enorme economia para as nações, além dos benefícios ambientais e sociais. 

Pedro Prata, gerente senior de Instituições e Políticas na América Latina na Fundação Ellen MacArthur

 

Pensador sob resíduos

O Pensador, escultura icônica do artista francês Auguste Rodin, foi mergulhada em resíduos plásticos em frente à sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em Genebra, na Suíça. A réplica faz parte de uma instalação artística, "A carga do pensador", do ativista canadense Benjamin Von Wong. Ele espera chamar a atenção das delegações internacionais que negociam, de hoje a 14 de agosto, o primeiro tratado global sobre a poluição plástica. Após o fracasso das negociações em Busan, na Coreia do Sul, em dezembro passado, os delegados voltam a se reunir, na Europa.  

"Espero chamar a atenção dos diplomatas, para que eles reflitam sobre o impacto da poluição plástica na saúde humana", disse Von Wong à agência AFP. "Não apenas para nossa geração, mas para todas as gerações futuras", disse o artista e ativista. A réplica de O Pensador segura em uma mão algumas garrafas d'água ou de refrigerante amassadas, e na outra, um bebê que parece em péssimo estado, representando a próxima geração.

"Nos próximos 10 dias, iremos adicionando mais e mais plástico a essa instalação para mostrar o crescente custo que deixaremos para as gerações futuras se não tomarmos medidas urgentes", acrescentou o artista. "Se quisermos proteger a saúde, devemos pensar nos produtos químicos tóxicos presentes no meio ambiente. Esperamos um tratado forte e ambicioso", afirmou.  

Complexidade

Apesar da extrema complexidade da negociação, que afeta interesses antagônicos — produtos químicos ou desenvolvimento econômico contra o meio ambiente e a saúde —, "é bastante provável sair de Genebra com um tratado", declarou, recentemente, a dinamarquesa Inger Andersen, diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Há mais de 300 pontos de divergências no texto de Busan, que deverão ser negociados em dez dias. 

Segundo Saeed Hamid, membro de coalizão que reúne 39 Estados insulares, países produtores de petróleo, como Arábia Saudita, Irã ou Rússia, não aceitam ouvir falar na possibilidade de limitar a produção de plásticos novos. 

Outro ponto delicado é a elaboração de uma lista de produtos químicos considerados nocivos para a saúde ou o meio ambiente: os Pfas — conhecidos como poluentes eternos, como ftalatos e bisfenol. "O contexto é difícil, já que não se pode descartar completamente o que está acontecendo em outros âmbitos do multilateralismo, como o novo papel dos Estados Unidos ou os Brics, que estão trabalhando para se reorganizar", reconhece Bjorn Beeler, diretor da Rede Internacional de Eliminação de Poluentes (Ipen), com sede na Suécia.

Em entrevista à AFP, Beeler afirmou que "ninguém quer ver um INC-5.3", referindo-se a uma hipotética terceira rodada de negociações, caso Genebra repita o fracasso de Busan. "O caminho mais provável é um esboço que será chamado de tratado, mas que precisará de financiamento, coragem e alma para ser realmente eficaz."

 

Mudança de rumo

Um estudo recém-publicado na revista Nature estima a presença de pelo menos 27 milhões de toneladas de nanoplásticos nos mares do Atlântico Norte e é mais uma evidência do grau alarmante da poluição plástica no meio ambiente. Isso reforça a urgência de uma ação global coordenada entre os países para enfrentar essa crise. O Tratado Global de Plásticos representa uma oportunidade histórica para mudar o rumo dessa trajetória. Ele pode estabelecer regras claras e harmonizadas para eliminar a poluição plástica pela raiz, repensando o design de produtos e embalagens, reduzindo a produção de plásticos desnecessários e promovendo modelos de negócios circulares, que mantenham materiais em uso por mais tempo. É necessário, mais do que nunca, que as delegações sejam ambiciosas e comprometidas. Não basta apenas gerenciar a poluição plástica, precisamos harmonizar as regras que permitem que o plástico nunca se torne resíduo e não vá parar nos oceanos. Esperamos que os governos coloquem o bem-estar humano em primeiro lugar e assinem esse tratado, que será essencial para reduzir a poluição, além de gerar enorme economia para as nações, além dos benefícios ambientais e sociais. 

Pedro Prata, gerente senior de Instituições e Políticas na América Latina na Fundação Ellen MacArthur

O Pensador enterrado em resíduos

O Pensador, escultura icônica do artista francês Auguste Rodin, foi mergulhada em resíduos plásticos em frente à sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em Genebra, na Suíça. A réplica faz parte de uma instalação artística, "A carga do pensador", do ativista canadense Benjamin Von Wong. Ele espera chamar a atenção das delegações internacionais que negociam, de hoje a 14 de agosto, o primeiro tratado global sobre a poluição plástica. Após o fracasso das negociações em Busan, na Coreia do Sul, em dezembro passado, os delegados voltam a se reunir, na Europa.  

"Espero chamar a atenção dos diplomatas, para que eles reflitam sobre o impacto da poluição plástica na saúde humana", disse Von Wong à agência AFP. "Não apenas para nossa geração, mas para todas as gerações futuras", disse o artista e ativista. A réplica de O Pensador segura em uma mão algumas garrafas d'água ou de refrigerante amassadas, e na outra, um bebê que parece em péssimo estado, representando a próxima geração.

"Nos próximos 10 dias, iremos adicionando mais e mais plástico a essa instalação para mostrar o crescente custo que deixaremos para as gerações futuras se não tomarmos medidas urgentes", acrescentou o artista. "Se quisermos proteger a saúde, devemos pensar nos produtos químicos tóxicos presentes no meio ambiente. Esperamos um tratado forte e ambicioso", afirmou.  

Complexidade

Apesar da extrema complexidade da negociação, que afeta interesses antagônicos — produtos químicos ou desenvolvimento econômico contra o meio ambiente e a saúde —, "é bastante provável sair de Genebra com um tratado", declarou, recentemente, a dinamarquesa Inger Andersen, diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Há mais de 300 pontos de divergências no texto de Busan, que deverão ser negociados em dez dias. 

Segundo Saeed Hamid, membro de coalizão que reúne 39 Estados insulares, países produtores de petróleo, como Arábia Saudita, Irã ou Rússia, não aceitam ouvir falar na possibilidade de limitar a produção de plásticos novos. 

Outro ponto delicado é a elaboração de uma lista de produtos químicos considerados nocivos para a saúde ou o meio ambiente: os Pfas — conhecidos como poluentes eternos, como ftalatos e bisfenol. "O contexto é difícil, já que não se pode descartar completamente o que está acontecendo em outros âmbitos do multilateralismo, como o novo papel dos Estados Unidos ou os Brics, que estão trabalhando para se reorganizar", reconhece Bjorn Beeler, diretor da Rede Internacional de Eliminação de Poluentes (Ipen), com sede na Suécia.

Em entrevista à AFP, Beeler afirmou que "ninguém quer ver um INC-5.3", referindo-se a uma hipotética terceira rodada de negociações, caso Genebra repita o fracasso de Busan. "O caminho mais provável é um esboço que será chamado de tratado, mas que precisará de financiamento, coragem e alma para ser realmente eficaz."

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postado em 05/08/2025 06:00
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