MEIO AMBIENTE

Tratado internacional contra poluição por plástico pode ir para o lixo

Rascunho apresentado pela presidência do Comitê Intergovernamental de Negociações sobre a produção do material desagradou a maioria das delegações. Postura brasileira é criticada

A obra O Fardo do Pensador, releitura do icônico O Pensador de Rodin, foi instalada 
em frente ao Escritórios das Nações Unidas, 
em Genebra: 
consenso difícil  -  (crédito:  AFP)
A obra O Fardo do Pensador, releitura do icônico O Pensador de Rodin, foi instalada em frente ao Escritórios das Nações Unidas, em Genebra: consenso difícil - (crédito: AFP)

Corre o risco de ir para o lixo o que seria o primeiro tratado internacional contra a poluição por plásticos. Na véspera do encerramento da segunda rodada de negociações — uma prévia terminou sem acordo no ano passado, na Coreia do Sul —, um rascunho da declaração de Genebra foi rechaçado nesta quarta-feira (13/8) por mais de 100 países em Genebra, na Suíça. O texto de síntese apresentado pelo presidente dos debates, o diplomata equatoriano Luis Vayas Valdivieso, foi considerado pouco ambicioso por negociadores e organizações não governamentais que acompanham (ONGs) a reunião, iniciada na semana passada. 

"Isso não é um tratado global", reagiu Zaynab Sadan, líder mundial de políticas de plásticos e chefe da delegação do WWF no Comitê Intergovernamental de Negociação (INC-5).  "É uma coleção de medidas nacionais e voluntárias que não resolverá a crise cada vez mais grave dos plásticos. Após mais de dois anos e meio de negociações, estamos mais longe do que nunca de finalizar um tratado eficaz." As conversas sobre o tratado começaram em 2022 e era esperado que o documento saísse de Busan, na Coreia do Sul, no fim do ano passado. O pouco progresso, porém, levou para Genebra uma segunda tentativa de acordo.

Após nove dias de debates, a pauta continua engessada e há temor de que as negociações, que se encerram oficialmente hoje, não cheguem a lugar nenhum. Mais do que a falta de tratado, delegações e ONGs temem a aprovação de um texto final fraco, incapaz de fazer frente ao desafio gigante: segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma/Unep), que conduz o processo, a produção anual de plástico está em 400 milhões de toneladas ao ano, um número estimado para dobrar em 2040. 

Descartáveis

O objetivo do tratado não é eliminar a produção de plástico, mas reduzi-la, especialmente os de uso único, como descartáveis. Além da poluição decorrente da fabricação do material, cuja base é o petróleo, há preocupação com o destino dos resíduos, que colocam em risco não só os hábitats, mas a saúde humana. O material representa 85% do lixo marinho e, em 2040, haverá o correspondente a 50kg de dejetos do tipo por metro da costa global. Nos últimos anos, micro e nano partículas de polímeros sintéticos têm sido identificadas em órgãos como cérebro, placenta e pulmão, e a principal via de entrada no organismo é a por meio de alimentos contaminados. 

O forte lobby do petróleo e dos produtores de plástico é apontado como principal entrave nas negociações. "O texto não faz o mínimo necessário para responder à urgência do desafio que enfrentamos", disse Magnus Heunicke, ministro de Meio Ambiente da Dinamarca, país que ocupa a presidência rotativa da União Europeia. O bloco considerou o rascunho de ontem "inaceitável", mesma expressão utilizada pelo diplomata panamenho Juan Carlos Monterrey Gomez, que foi contundente em sua fala na plenária de ontem. "Esse texto fala de fechar uma ferida... mas o texto apresentado aqui torna essa ferida mortal e não o aceitaremos. Isso não é ambição, é rendição", discursou. 

A postura do Brasil nas negociações vem sendo criticada por ONGs e diplomatas. Embora tenha rejeitado o rascunho de ontem — apoiado principalmente por Índia, Arábia Saudita, Bahrein, Catar, Kwait e Estados Unidos —, o país, que sediará a 30ª Conferência das Mudanças Climáticas, em novembro, tem se alinhado aos produtores de petróleo em Genebra. Na plenária, a negociadora Angélica Ikeda afirmou que o governo brasileiro quer um tratado "robusto", mas destacou a necessidade de medidas "balanceadas" sobre produção de plástico. 

"Balanceado"

Com 1,4 milhão de toneladas do material fabricadas por ano, o Brasil é o maior produtor da América Latina e o quarto maior do mundo, embora não tenha um programa eficiente para gestão dos resíduos. "A ciência nos diz que precisamos focar não apenas no lixo plástico, mas na produção per se. Definitivamente, uma abordagem balanceada é necessária", disse a líder da delegação brasileira. 

Para o gerente de políticas públicas do WWF-Brasil, Michel Santos, um dos pontos mais criticados na postura do país é o apoio à adoção de medidas voluntárias, em vez de obrigatórias. "Manter um discurso de compromisso ambiental, mas defender medidas voluntárias nas negociações é totalmente contraditório", diz Santos. "O Brasil pode — e deve — ser protagonista nesse acordo, exercendo uma liderança real e exigindo um tratado forte, com regras e propostas concretas para enfrentar a crise do plástico. Caso contrário, favorecerá a superprodução e a poluição. É preciso ter mais ambição para proteger as pessoas, a natureza e o futuro do planeta", assinalou. 

A diretora de advocacy da Oceana Brasil, Lara Iwanicki, diz que reduzir a produção de plástico e banir aqueles de uso único pode, inclusive, alavancar a economia do país. "Acabar com plásticos problemáticos é também abrir mercado. O tratado global pode impulsionar novos negócios de reúso e refil, criar empregos e tornar o Brasil competitivo em um cenário global que já exige soluções sustentáveis", acredita. 

Um novo texto deve começar a circular nas primeiras horas desta quinta-feira (14/8), com a sessão plenária estimada para as 16h de Genebra (11h de Brasília). A expectativa é de que os 31 artigos do texto sejam negociados ao longo do dia, e é possível que o resultado tratado — se sair — seja divulgado na madrugada de sexta-feira (15/8), no fuso horário suíço.

 

Cientistas defendem mudança no uso da terra

A humanidade precisa mudar o uso dos sistemas alimentares, sob o risco de uma grande fome global, alerta um artigo publicado na revista Nature por 21 cientistas internacionais — nenhum deles é do Brasil. Entre as ações propostas, está substituir 70% da carne vermelha produzida de forma predatória por frutos-do-mar de origem sustentável, como peixes e moluscos selvagens ou de cativeiro. Isso pouparia 17,1 milhões de quilômetros quadrados de terra atualmente usada para pastagens e alimentação de gado.

No artigo, os pesquisadores destacam a importância de restaurar metade das terras degradadas até 2050, ano que também consideram limite para reduzir o desperdício de alimentos em 75%. Combinadas, as duas medidas poderiam poupar a destruição de hábitats do tamanho do continente africano, dizem. Além disso, os autores calculam que substituir apenas 10% da produção de vegetais por derivados de algas marinhas de origem sustentável poderia liberar mais de 0,4 milhão de quilômetros quadrados de áreas cultiváveis. 

"O artigo apresenta um conjunto ousado e integrado de ações para combater a degradação da terra, a perda de biodiversidade e as mudanças climáticas em conjunto, bem como um caminho claro para implementá-las até 2050", define o espanhol Fernando T. Maestre, pesquisador da Universidade de Ciência e Tecnologia Rei Abdullah (Kaust), na Arábia Saudita, autor principal da publicação. "Ao transformar os sistemas alimentares, restaurar terras degradadas, aproveitar o potencial de frutos-do-mar sustentáveis e promover a cooperação entre nações e setores, podemos 'dobrar a curva' e reverter a degradação da terra, enquanto avançamos em direção às metas da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD) e outros acordos globais."

Reformas

Segundo o artigo, os sistemas alimentares ainda não foram totalmente incorporados aos acordos intergovernamentais, nem recebem atenção suficiente nas estratégias atuais para combater a degradação da terra. "Reformas rápidas e integradas, focadas nos sistemas alimentares globais, no entanto, podem levar a saúde da terra da crise à recuperação e garantir um planeta mais saudável e estável para todos", diz o texto. 

Em nota, o coautor Barron J. Orr, cientista-chefe da UNCCD, afirma que, quando os solos perdem fertilidade, os lençóis freáticos se esgotam e a biodiversidade é perdida, a restauração da terra se torna exponencialmente mais cara. "As taxas contínuas de degradação da terra contribuem para uma cascata de crescentes desafios globais, incluindo insegurança alimentar e hídrica, realocação forçada e migração populacional, agitação social e desigualdade econômica." (Paloma Oliveto)

 

 

postado em 14/08/2025 05:00
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