Terceira idade

O que o estudo sobre a mulher mais velha do mundo revelou sobre longevidade

Mulher mais velha do mundo até o ano passado, quando morreu, aos 117 anos, Maria Branyas foi o alvo de estudo que revela aspectos biológicos por trás da longevidade extrema. Um conjunto de fatores combinados garante vida longa e de qualidade

Nos últimos dois séculos, o aumento contínuo da expectativa de vida tem sido uma das grandes conquistas da medicina moderna. Contudo, as estatísticas indicam que esse avanço pode ter atingido um limite. Para entender se é possível extrapolar a média global registrada pela Organização das Nações Unidas (ONU) —  73 anos —, pesquisadores da Universidade de Barcelona estudaram a pessoa mais longeva do mundo: Maria Branyas, norte-americana de origem espanhola que nasceu em 1907 e morreu no ano passado, aos 117. 

Segundo os autores do artigo, publicado na revista Cell Reports Medicine, a pesquisa liderada por Manel Esteller oferece novas perspectivas sobre os aspectos biológicos do envelhecimento extremo. Utilizando técnicas minimamente invasivas, o estudo é o mais completo já realizado sobre um supercentenário, afirmaram. 

Os resultados apontam para um fenômeno raro observado em Maria Branyas. Apesar de sinais evidentes de envelhecimento, ela tinha características orgânicas que sugeriam proteção contra doenças degenerativas. Os exames de Branyas mostraram níveis inflamatórios baixos, um microbioma intestinal saudável e uma idade biológica mais jovem do que a cronológica. Segundo os cientistas, esses aspectos, associados à neuroproteção e à cardioproteção, tornam o estudo um marco no entendimento do envelhecimento humano.

Desaceleração

O trabalho revela que os supercentenários não experimentam uma desaceleração generalizada no envelhecer, mas, sim, uma "dualidade fascinante", na qual sinais de senilidade coexistem com características de longevidade saudável. Isso sugere que, ao contrário do que se imaginava, o envelhecimento extremo não é somente a ausência de doenças, mas uma combinação complexa de fatores biológicos que permitem que o corpo sobreviva e funcione bem por mais tempo. Conforme Esteller, a descoberta pode abrir portas para novas estratégias de prevenção de enfermidades degenerativas e de tratamento de condições associadas à velhice, como o câncer hematológico.

Além disso, a pesquisa evidencia que o envelhecimento pode, de fato, ser tratado de forma independente das doenças. O fato de Maria Branyas ter alcançado uma longevidade extrema sem desenvolver enfermidades graves sugere que envelhecer, embora inevitável, pode ser abordado de maneira semelhante a uma condição médica, com tratamentos específicos voltados para neutralizar os efeitos do tempo no organismo. 

Para Rose Chaves, gerontóloga e fisioterapeuta da clínica U!WAKE, no Sudoeste, a dualidade observada no caso da idosa de 117 anos ajuda a redefinir o "envelhecer bem" focando na resiliência e capacidade adaptativa. "Não se trata de uma ausência total de sinais de envelhecimento biológico, mas sim da habilidade do organismo de manter a funcionalidade, a qualidade de vida e a vitalidade, apesar das mudanças que a idade traz."

Autonomia

Chaves enfatiza que, na gerontologia, envelhecer bem significa, "manter a autonomia e a independência o máximo possível". "Cultivar a capacidade de adaptação a novas situações e desafios, e preservar o bem-estar físico, mental e social, mesmo diante de algumas limitações biológicas", enumera. "Isso nos ensina que a qualidade de vida na velhice é mais sobre a capacidade do corpo de se proteger e se manter robusto do que sobre a ausência completa de qualquer 'marca' do tempo."

Cláudia Alves, gerontóloga, pedagoga e autora do livro O bom do Alzheimer, frisa que manter vínculos afetivos é a base do bem-estar emocional para uma boa velhice. Ela ensina que incentivar relações familiares positivas, redes de amizade e contato com diferentes gerações fortalece a autoestima do idoso. "Também é fundamental oferecer oportunidades de aprendizado e de protagonismo, mostrando que envelhecer não significa perder relevância, mas acumular experiências que podem ser compartilhadas", diz. 

A especialista garante que o envelhecimento pode ser vivido com qualidade. "Mas, para isso, precisamos quebrar preconceitos. Quando a sociedade passa a enxergar o idoso como alguém ativo e capaz de continuar contribuindo, abrimos espaço para que ele recupere e mantenha seu bem-estar em todas as dimensões: física, emocional, social e espiritual", diz. 

Os autores do estudo publicado na Cell Reports Medicine reforçam que algumas terapias epigenéticas e medicamentos focados na velhice estão sendo desenvolvidos na área da oncologia. Eles afirmam que há esperança de que essas mesmas abordagens possam ser aplicadas no futuro para aumentar a expectativa de vida.

 


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Diferentes idades

Cronológica: número de anos vividos desde o nascimento, é um ponto de partida básico.

Biológica: relacionada à funcionalidade do corpo e dos sistemas. Inclui marcadores como o comprimento dos telômeros, a saúde celular, a resposta imunológica e, mais recentemente, a idade epigenética, que reflete o aceleramento ou atraso do envelhecimento ao nível molecular.

Psicológica: envolve a capacidade cognitiva — memória, aprendizado —, a saúde mental, a adaptação emocional e a sabedoria acumulada ao longo da vida.

Social: Diz respeito aos papéis sociais desempenhados, às redes de apoio, ao engajamento comunitário e à participação na sociedade.

Fonte: Rose Chaves, gerontóloga e fisioterapeuta do espaço U!WAKE

Fatores de proteção

"Hoje, já conseguimos separar envelhecimento e doença. Envelhecimento não é doença. Isso abre a possibilidade de tratar o envelhecimento como um processo biológico em si, com estratégias específicas. O estudo demonstra que envelhecer bem não significa não envelhecer. É possível ter sinais claros de desgaste biológico e, ao mesmo tempo, fatores de proteção que mantêm a saúde. Isso redefine o envelhecer como um equilíbrio entre perdas inevitáveis e mecanismos de defesa que preservam a qualidade de vida."

Isabela Azevedo Trindade, fisioterapeuta e presidente do Departamento de Gerontologia da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG)