CLIMA

Níveis de CO2 na atmosfera atingiram recorde em 2024, alerta a OMM

A menos de um mês da COP30, relatório mostra um aumento histórico da concentração de gás carbônico Atividades humanas, como queima de combustível fóssil, estão por trás do fenômeno

Densa fumaça sai de uma usina elétrica, num dia poluído, em Cangzhou, a cerca de 180km de Pequim: ONU pede ações urgentes -  (crédito: FRED DUFOUR)
Densa fumaça sai de uma usina elétrica, num dia poluído, em Cangzhou, a cerca de 180km de Pequim: ONU pede ações urgentes - (crédito: FRED DUFOUR)

Devido às atividades humanas, a concentração de dióxido de carbono na atmosfera registrada em 2024 teve um aumento sem precedentes e bateu um novo recorde. O anúncio foi feito nesta quarta-feira (15/10) pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU), que pede ações urgentes para reduzir a liberação de gases do efeito estufa.

A menos de 30 dias para a COP30, a conferência da ONU sobre o clima, em Belém (PA), a OMM destacou que esse é o maior aumento nas emissões desde 1957. A agência especificou que os novos registros se dão em razão de três gases de efeito estufa: o CO2, o metano (CH4) e o óxido nitroso (N20). No relatório anual, as Nações Unidas apontam a liberação contínua de dióxido de carbono em decorrência das atividades humanas e o volume de incêndios florestais como principais responsáveis por essa elevação.

A OMM também citou a redução da absorção de CO2 por parte dos sumidouros, como os ecossistemas terrestres e os oceanos, o que ameaça se tornar um "círculo vicioso" climático. O ano passado também foi o mais quente já registrado, superando o recorde de 2023.

Destruição 

Conforme Marco Moraes, divulgador científico e autor do livro Planeta Hostil, há duas conclusões principais com base no relatório. A primeira é que a sociedade não está conseguindo reduzir as emissões de gases de efeito estufa. "Continuamos queimando combustíveis fósseis, utilizando os mesmos processos industriais e destruindo ambientes que absorvem carbono", assinalou.

Moraes também ressaltou que os problemas gerados pelo efeito estufa estão conectados entre si. "Os mares vão subir, porque o gelo está derretendo, e o aquecimento das águas dos oceanos causa expansão térmica. Então, aumenta-se o nível do mar, as tempestades ficam piores e as ondas de calor também. Assim, veremos efeitos na saúde das pessoas, na agricultura e na biodiversidade."

A agência da ONU frisou que, à medida que aumenta a temperatura mundial, os oceanos absorvem menos CO2, porque, quanto maior o calor, menor é a solubilidade do gás. "Por outro lado, também não se pode ignorar a influência de outros fatores nos sumidouros terrestres, como a possibilidade de secas mais persistentes", diz o texto. 

"O calor retido pelo CO2 e outros gases de efeito estufa alimenta o nosso clima e multiplica os aspectos meteorológicos extremos", declarou a secretária-geral adjunta da agência, Ko Barrett, em comunicado. "Consequentemente, reduzir as emissões é essencial, não apenas para o nosso clima, mas também para a segurança das economias e o bem-estar das comunidades", acrescentou.

Conferência

O 21º Boletim Anual da OMM sobre os Gases de Efeito Estufa foi publicado faltando 26 dias paro início da COP30, que será realizada de 10 a 21 de novembro em Belém, no Pará. A reunião tratará sobre a aplicação dos compromissos formalizados desde 2015. Naquele ano, em Paris, 196 países se comprometeram a manter o aquecimento global "bem abaixo" de 2ºC em relação aos níveis pré-industriais e a continuar os esforços para limitá-lo a 1,5ºC.

"Apoiar e ampliar as atividades de monitoramento dos gases de efeito estufa é fundamental para contribuir com a execução das medidas inovadoras neste âmbito", declarou Oksana Tarasova, cientista da OMM e coordenadora desta edição do boletim. O índice de aumento do CO2 triplicou desde a década de 1960, passando de uma elevação de 0,8ppm (partes por milhão) por ano para 2,4ppm por ano entre 2011 e 2020.

Segundo Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, o cenário atual é assustador em vários sentidos. "Primeiro, as mudanças climáticas estão avançando mais rápido do que o previsto. Segundo, o planeta está perdendo a capacidade de resposta e, em terceiro, os países e as negociações climáticas estão longe de oferecer qualquer tipo de solução à altura do que é necessário."

De 2023 a 2024, a concentração média mundial de CO2 aumentou em 3,5 ppm, o que representa uma elevação de 152% em relação aos níveis pré-industriais. Quanto ao metano, proveniente de pântanos, da pecuária e da exploração de combustíveis fósseis, houve uma elevação de 266% em relação à era pré-industrial.

Estatísticas

O terceiro gás de efeito estufa, o óxido nitroso — gerado por fontes naturais e por atividades humanas, como a queima de biomassa, o uso de fertilizantes e em processos industriais — alcançou uma concentração média mundial de 338ppm em 2024, o que representa um aumento de 125% em relação aos valores do século 19. "É importante compreender que não se trata apenas de estatísticas", insistiu Tarasova, em uma entrevista coletiva em Genebra, na Suíça. 

Conforme Tarasova, os responsáveis políticos devem estar conscientes de que os sistemas naturais também são afetados. "Por outro lado, nossas ações devem ter como objetivo reduzir as emissões o mais rápido possível."

Para Carlos Rittl, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e diretor global de políticas públicas para florestas e mudanças climáticas da Wildlife Conservation Society, a melhor resposta que a COP30 pode dar ao alerta crítico do relatório da OMM é reconhecer que conservar e restaurar florestas é tão urgente quanto eliminar o uso de combustíveis fósseis. "A COP da Amazônia representa uma oportunidade histórica para estabelecer um caminho concreto para o desmatamento zero e a restauração florestal em larga escala em todo o planeta."

 

Palavra de especialista - Luta pela vida

"O último boletim de gases de efeito estufa, da OMM, chega em boa hora, apesar de ser alarmante e entristecedor, dadas as elevadas taxas de crescimento três vezes maior — em comparação a meados do século passado. A pouco mais de 20 dias do início da COP30 o recado é claro: reduzir as emissões é essencial não apenas para o nosso clima, mas também para nossa segurança econômica e o bem-estar das pessoas e das comunidades. Com esse cenário, a ambição climática vira tema central para a COP30, que se torna a COP da luta pela vida."

Alexandre Prado, líder de mudanças climáticas do WWF-Brasil

 

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América em chamas

A ação antropogênica tornou os incêndios florestais em partes da América do Sul e do sul da Califórnia, nos Estados Unidos, muito maiores e mais desastrosos, de acordo com uma avaliação anual de especialistas internacionais. É o que aponta uma pesquisa divulgada, ontem, na revista Earth System Science Data, liderada por instituições europeias e norte-americanas.

Segundo modelos climáticos, os incêndios florestais de janeiro em Los Angeles foram 25 vezes maiores, em termos de área queimada, no clima atual do que teriam sido em um mundo sem aquecimento global causado pelo homem. Também aumentaram em 35 vezes a quantidade de queimadas na região do Pantanal-Chiquitano, localizado na América do Sul, sobretudo na Colômbia, e o fogo que atingiu a Amazônia e o Congo bateu recordes.

O relatório foi liderado pelo Centro de Ecologia e Hidrologia do Reino Unido (UKCEH), o Met Office do Reino Unido, a Universidade de East Anglia, nos Estados Unidos, e o Centro Europeu de Previsões Meteorológicas de Médio Prazo (ECMWF). Os cientistas utilizaram imagens de satélite e modelos tecnológicos para identificar e investigar as causas dos incêndios florestais entre março de 2024 e fevereiro de 2025, e o papel que as mudanças climáticas e no uso do solo desempenharam.

Evidências

Douglas Kelley, um dos líderes do trabalho e cientista do ECMWF, afirmou que os relatórios estão construindo evidências sólidas de como as mudanças climáticas estão aumentando a frequência e a gravidade de incêndios florestais extremos. Sem o aquecimento causado pelo homem, muitas dessas ocorrências, no Pantanal e no sul da Califórnia, por exemplo, não teriam atingido proporções tão extremas."

Entre março de 2024 e fevereiro deste ano, um total de 3,7 milhões de km2  — área maior que a Índia — foi queimada em todo o mundo. Cem milhões de pessoas e US$ 215 bilhões (em torno de R$ 1,17 trilhão) em casas e infraestrutura foram expostas a incêndios florestais. As emissões de gases atingiram mais de oito bilhões de toneladas de CO2 — cerca de 10% acima da média desde 2003.

No Pantanal brasileiro, a maior área úmida do mundo, e nas florestas vizinhas de Chiquitano, na Bolívia, os incêndios foram três vezes maiores do que o normal e as emissões de CO2 atingiram seis vezes a média. As concentrações de material particulado PM 2,5 chegaram até 60 vezes acima dos padrões de qualidade do ar da Organização Mundial da Saúde, e o setor agropecuário do Pantanal perdeu mais de US$ 200 milhões (aproximadamente R$ 1 trilhão).

Os autores do relatório alertaram ainda que, na região do Pantanal-Chiquitano, temporadas extremas de incêndios, como a última, que antes ocorriam apenas uma ou duas vezes, poderão acontecer a cada 15-20 anos até o final do século, se a liberação de gases de efeito estufa continuarem nesse padrão. No entanto, uma forte ação climática, com a obtenção de emissões líquidas zeradas por volta de 2070, tornaria esses eventos muito mais raros.

 

 

 

 

 

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postado em 16/10/2025 05:00
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