Pesquisadores brasileiros divulgaram novos dados que podem mudar a tomada de decisão no transplante de células-tronco para leucemias agudas. A pesquisa, realizada por hematologistas do Einstein Hospital Israelita, revelou um dado inédito e de forte impacto clínico: pacientes adultos com leucemia aguda que recebem transplante de doadores haploidênticos, geralmente um parente parcialmente compatível, têm taxas de sobrevivência e de complicações semelhantes às daqueles que recebem enxertos de doadores não aparentados totalmente compatíveis.
A conclusão, fruto de uma pesquisa prospectiva nacional envolvendo 21 centros e mais de 500 pacientes, reforça que ambos os tipos de doação são alternativas igualmente eficazes no país, ampliando o acesso ao tratamento.
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Embora o transplante de medula óssea seja amplamente estudado em países de alta renda, dados robustos de nações de baixa e média renda ainda são escassos. O Brasil, com um dos maiores registros de doadores não aparentados do mundo (o REDOME), tornou-se um cenário único para investigar o desempenho dos transplantes em condições reais do sistema de saúde brasileiro.
O objetivo central foi comparar os resultados clínicos entre dois grupos de pacientes adultos com leucemia mieloide aguda (LMA) ou leucemia linfoblástica aguda (LLA), todos em remissão completa no momento do transplante (CR1 ou CR2+): transplantes de doadores haploidênticos (Haplo) e transplantes de doadores não aparentados totalmente compatíveis (MUD).
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Como o estudo foi conduzido
O estudo, que acompanhou 501 pacientes entre 2018 e 2021 em 21 centros do país, comparou os resultados de transplantes com doadores haploidênticos (Haplo) e doadores não aparentados compatíveis (MUD) cadastrados no REDOME.
Dos participantes, 335 (66,8%) receberam transplante Haplo e 166 (33,2%) passaram pelo procedimento com MUD, dois grupos que apresentaram diferenças importantes já no início do tratamento. Pacientes na modalidade MUD, por exemplo, enfrentaram maior tempo de espera para o transplante, especialmente aqueles em primeira remissão (CR1), cujo intervalo médio foi de nove meses, contra sete meses no grupo Haplo.
Também houve distinções no tipo de profilaxia adotada: a ciclofosfamida pós-transplante (PTCy) foi utilizada em 92% dos transplantes Haplo, enquanto a globulina antitimócito (ATG) esteve presente em 91% dos procedimentos com MUD.
Apesar dessas diferenças, após dois anos de acompanhamento, os desfechos clínicos se mostraram equivalentes entre os dois grupos. A sobrevida global em dois anos foi de 61% para pacientes Haplo e 66% para os transplantados com MUD, sem diferença estatisticamente significativa.
A sobrevida livre de recidiva foi de 57% e 62%, respectivamente, e a mortalidade não relacionada à recidiva permaneceu praticamente igual, 23% entre os Haplo e 24% entre os MUD. Modelos multivariados reforçaram a conclusão central: o tipo de doador não se mostrou determinante para sobrevida, risco de recidiva, ocorrência de doença do enxerto contra hospedeiro (DECH) ou mortalidade não relacionada ao câncer.
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A constatação tem impacto direto no acesso ao tratamento no Brasil. Em um país onde muitos pacientes não contam com um irmão compatível — tradicionalmente a primeira opção —, o resultado amplia de forma concreta o leque de alternativas. Tanto o doador haploidêntico, geralmente um pai, mãe ou filho, quanto o doador não aparentado tornam-se caminhos igualmente eficazes, especialmente para quem não pode esperar longos meses pela identificação de um MUD.
A agilidade conferida pelo transplante Haplo pode ser decisiva nesses casos. Ao mesmo tempo, os dados demonstram a capacidade da comunidade científica brasileira de conduzir estudos multicêntricos robustos, viabilizados pela parceria com o Center for International Blood and Marrow Transplant Research (CIBMTR), responsável pela coleta e validação dos dados.
O estudo, de caráter observacional, prospectivo e não randomizado, reforça uma mensagem essencial para a prática clínica: para pacientes em remissão completa com indicação de transplante, a escolha entre um doador haploidêntico e um doador não aparentado compatível não altera substancialmente as chances de sobrevivência nem o risco de complicações. A evidência abre espaço para decisões mais rápidas e individualizadas, aumentando as possibilidades terapêuticas e permitindo que mais pacientes iniciem o transplante dentro do tempo ideal — fator decisivo para o sucesso do tratamento.
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