
Em seu novo trabalho, o compositor Paulo Rego articula música, filosofia e ativismo ambiental em um formato que desafia padrões do mercado fonográfico. Gaia, gravada com uma orquestra de 50 músicos na Hungria, chega ao público no inédito formato NP (No Play), um encarte como os dos discos de vinil acompanhado de QR Code que dá acesso a faixas, vídeos, ficha técnica e textos inéditos. A proposta resgata a riqueza artística dos álbuns e defende novas formas de valorização para quem cria música.
Na mitologia grega, Gaia é a personificação da Terra e da natureza como componentes primordiais da criação, inclusive criadora de outros deuses. Dentro das propostas filosóficas mais recentes, o escritor James Lovelock concebeu a Hipótese de Gaia, que considera a Terra como um sistema único que se autorregula, onde os seres vivos influenciam as condições climáticas e biogeoquímicas do planeta.
O projeto nasceu durante um Réveillon na Mata Atlântica (cidade de Bananal, interior de SP), em 2022, e ganhou vida após dois anos de maturação. Foram 50 instrumentos para que toda a sonoridade imaginada pelo compositor ganhasse o peso desejado. A montagem musical faz um retrato sonoro poderoso sobre a crise ambiental do planeta, mas não se apega somente ao tom apocalíptico, sendo fonte também de uma mensagem final esperançosa, simbolizada também pela estética visual do projeto (capa em preto e branco e encarte colorido).
“O que este modelo de utilidade propõe é simples: trazer de volta todas as informações negligenciadas pelo atual formato de distribuição dominante; remunerar toda a cadeia produtiva, veiculando todos os créditos dos profissionais envolvidos na produção; permitir ao artista um ganho que ao menos remunere seu investimento; complementar o áudio com as informações adicionais que o artista julgue ser fundamental para a total compreensão e fruição de sua obra, isso tudo sem que haja prejuízo algum ao modelo atual de distribuição fonográfica”, conta Paulo.
O encarte do vinil, formato escolhido para o lançamento, trará tudo aquilo que os entusiastas de de álbuns gostam; uma arte impressa em proporções maiores, crédito de músicos, informações detalhadas sobre a obra. A bolacha virá com um QR Code que encaminhará o ouvinte para as plataformas digitais, possibilitando que mesmo sem uma vitrola, possa-se ouvir o álbum ao mesmo tempo que aprecia o design do disco físico.
Além disso, haverá personalização com assinaturas numeradas e potencial para o encarte ser uma peça artística destacável. “O projeto ficou parado por cerca de dois anos, tivemos o período pandêmico e outras questões, mas conseguimos reunir de forma remota aquela equipe enorme de músicos e reduzimos os custos drasticamente. Foi uma experiência, de certa forma, enriquecedora”, conta Paulo
NP: Um Disco que Não Toca, mas Conecta
O NP não foi idealizado para tocar como um vinil comum. Como produtor antenado nas mudanças do mercado musical, ele sabe que muitas pessoas gostam do formato, mas não conseguem manter o gosto por conta dos altos preços. Com a nova proposta, o preço é muito mais acessível e, embora não reproduza as faixas no próprio disco, evoca a experiência de ouvir música com o encarte na mão.
O QR Code direciona não só para a música em plataformas digitais, mas também para vídeos exclusivos da orquestra e playlists alternativas. O encarte engloba alto valor artístico, com textos sobre meio ambiente, créditos detalhados e informações sobre instituições que defendem a conservação ambiental do planeta.
Esse formato é pensado para venda em livrarias e não em lojas de discos, considerando as faixas de preços praticados atualmente para discos de vinil.
“O NP é uma resposta criativa à precarização do streaming, oferecendo um modelo mais justo de remuneração para artistas e músicos. Pretendo oferecer um ‘produto completo’ que volta a gerar a fundamental necessidade de redatores, fotógrafos, artistas plásticos, músicos, engenheiros de som, estúdios, gráficas… e que afinal, além de remunerar a todos dignamente, ofereça ao público tudo o que foi negligenciado com o fim do LP e o reinado absoluto das plataformas de áudio que, como todos sabem, ganham muito e pagam pouco”, explica Paulo.
"Gaia" nasce como algo inovador que não supera apenas o conceito atual do que é um álbum, mas resgata e rejuvenesce a música como plataforma para discursos engajados. “ Esse projeto é um manifesto artístico e ecológico, um convite à reflexão e uma aposta ousada no futuro da música. Eu acredito no apelo que esse passo pode ter no ouvinte, nos artistas e consequentemente no mercado. Sem contar o carinho e qualidade que estamos imprimindo nessa ideia”, reflete o músico.