A decisão de colocar no fim da fila quem quiser 'escolher' qual fabricante da dose da vacina contra covid-19 fez com que a cidade de Juruaia, com apenas 10 mil habitantes, no Sul de Minas, ganhasse projeção em todo o Estado. O objetivo é agilizar o processo de imunização, mas ganhou o apoio de quem considera que o ato de escolher o imunizante é "egoísta", em um momento tão delicado da luta contra o coronavírus no país.
Em entrevista ao Estado de Minas, o prefeito de Juruaia, Celso Marques Júnior (Avante), disse que funcionários que estão aplicando as vacinas nas unidades de saúde se sentiram constrangidos ao ver pessoas perguntando qual era a fabricante e se recusando a tomar a dose. Não foram informados quantos casos do tipo aconteceram.
A tendência é de que outras cidades sigam essa mesma ideia, como Varginha, também no Sul de Minas, que publicou um decreto sobre o tema, com a mesma alegação de que "vacina boa é vacina no braço".
Nas duas cidades, quem se recusar a tomar a vacina que está sendo oferecida terá que assinar um termo de responsabilidade e será colocado "no fim da fila". Ou seja, só poderá procurar a vacina novamente depois que os maiores de 18 anos começarem a ser imunizados - o que deve ocorrer até setembro.
Alexandre Ricco, advogado especialista em direito administrativo, explica que, no caso de Juruaia, as pessoas não são obrigadas a assinar o termo. Ele destaca que nem sempre o que é moralmente correto é legal.
"O princípio da legalidade norteia os atos da administração pública. O que significa que uma prefeitura, Estado, governos em geral só podem obrigar a fazer alguma coisa se existir uma lei que assim determine. Tão pouco pode aplicar uma pena", explica.
A opinião é compartilhada pelo advogado criminalista Franklin Gomes. "Não há uma legislação federal ou mesmo estadual que determine que a pessoa deve receber o imunizante que está sendo oferecido. Então, não poderia ser aplicada uma pena", complementa.
"O fato de uma prefeitura obrigar que você assine um termo de responsabilidade e te punir por querer exercer o poder de escolha, é considerada um ato ilícito", complementa Ricco.
Os advogados, porém, consideram que a decisão de Varginha, que publicou um decreto no Diário Oficial do município, atende aos requisitos legais. A prefeitura de Juruaia estuda publicar um decreto para oficializar a decisão de mandar para o fim da fila quem quer escolher a dose da vacina.
'Sommeliers' de vacina
O termo 'sommeliers' de vacina acabou difundido por prefeitos e pessoas que criticam quem escolhe a dose por uma fabricante específica. A expressão vem de uma associação à profissão de degustação de bebidas em restaurantes e empórios, que remete à França antiga, onde carroceiros experimentavam as bebidas que eram levadas para reis e nobres para verificar se não estavam vencidas ou envenenadas. Hoje, o sommelier é responsável pela escolha, compra, recebimento, guarda e pela prova do vinho antes que seja servido ao cliente.
A primeira cidade do país a tentar coibir a prática foi São Bernardo do Campo, em São Paulo. A ideia também já está sendo avaliada em outras cidades do interior paulista e até em Curitiba, no Paraná.
O secretário de saúde de Belo Horizonte também reagiu ao movimento. Ainda que tenha destacao que BH "não quer que a situação de São Bernardo se repita" (com uma proibição mais efetiva), Jackson Machado foi enfático ao dizer que não adianta ficar fazendo peregrinação para saber onde tem a vacina desejada sendo distribuída.
"Quando a gente coloca um grupo para ser vacinado, a gente sabe que aquele grupo tem aproximadamente X pessoas. E a gente tem X vacinas. Então, a pessoa não pode falar: ‘eu não quero tomar essa vacina, eu quero tomar a vacina tal’. Isso não é possível, não existe isso em lugar nenhum do mundo”, disse.
Os advogados ouvidos pela reportagem consideram que os "sommeliers" de vacina estão errados, independemente das questões legais envolvidas.
"Sob o ponto de vista social, é uma conduta reprovável, ainda mais em um país que tem mais de 500 mil mortes de pessoas que não tiveram a opção de receber a vacina", opina Gomes.
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