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Bruno Dantas: Um ano de SecexConsenso e a mediação técnica no TCU

O consensualismo na administração pública representa uma abordagem moderna e dinâmica no contexto estatal, partindo de uma evolução significativa em relação aos métodos tradicionais, estes baseados primordialmente na imposição unilateral de decisões.

Ministro Bruno Dantas, reeleito por mais um mandato à frente do Tribunal de Contas da União -  (crédito: Samuel Figueira/TCU)
Ministro Bruno Dantas, reeleito por mais um mandato à frente do Tribunal de Contas da União - (crédito: Samuel Figueira/TCU)
postado em 01/02/2024 06:00 / atualizado em 01/02/2024 00:00

Por Bruno Dantas — Presidente do Tribunal de Contas da União (TCU)

A evolução do direito administrativo ao redor do mundo tem sido marcada por uma tendência crescente em direção ao consensualismo. Nas palavras do jurista francês Roger Perrot, já há algum tempo se observa que o jurisdicionado almeja uma Justiça mais simples, menos solene e mais próxima de suas preocupações cotidianas. E essa ideia, de uma justiça da proximidade, não tem se limitado ao Poder Judiciário. Trata-se de uma mudança paradigmática, que reflete a busca por maior eficiência, celeridade e responsividade, também na gestão governamental.

O consensualismo na administração pública representa uma abordagem moderna e dinâmica no contexto estatal, partindo de uma evolução significativa em relação aos métodos tradicionais, estes baseados primordialmente na imposição unilateral de decisões. Essa tendência global, influenciada por movimentos de reforma em diversas nações, ressalta a importância do diálogo e do consenso na formulação e implementação de políticas públicas, bem como na resolução dos conflitos destas decorrentes.

A despeito de a tradição jurídica brasileira ser fortemente associada à concepção ortodoxa de indisponibilidade do interesse público, o desenvolvimento do consensualismo na administração não deve causar qualquer espanto por aqui. Mesmo a França - onde a doutrina administrativa clássica brasileira colheu bases — já desconstruiu a verticalidade que há muito caracterizou a relação entre Estado-juiz e jurisdicionado.

A bem da verdade, os ventos do direito administrativo contemporâneo chegaram ao Brasil há algum tempo. Temos uma lei datada de 2015 admitindo a mediação pelo Poder Público (Lei Federal
nº 13.140/2015), e instituições como a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) adotando práticas bem-sucedidas de resolução consensual há anos.

Já no Tribunal de Contas da União (TCU), uma das prioridades estabelecidas para a nossa gestão era, precisamente, implementar a cultura da solução consensual. A criação da SecexConsenso (Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos), hoje felizmente já renomada, materializou essa meta ao institucionalizar um ambiente de diálogo público-privado, orientado pelo interesse público primário, pela eficiência e pela segurança jurídica.

Desenvolvemos um mecanismo específico de resolução consensual, concebido a partir de fundamentos consistentes e experiências exitosas, com regras próprias e uma governança interna sólida para atingir seus objetivos. E é nesse direito administrativo renovado, catalisado pelo consensualismo, que o TCU busca consolidar e expandir os resultados promissores que a SecexConsenso atingiu no seu primeiro ano.

Recebemos um número expressivo de pedidos, dos mais diversos setores regulados, como energético, rodoviário, ferroviário, portuário, aeroportuário e de telecomunicações. Veja-se que a soma dos valores em disputa é da ordem de 220 bilhões de reais. E que não apenas matérias de infraestrutura podem ser submetidas ao procedimento: está em discussão, por exemplo, uma possível devolução bilionária aos cofres públicos por parte do Fundo de Pensão do BNDES (FAPES).

Creditamos o sucesso dessa experiência até aqui, dentre outros fatores, ao arranjo institucional implementado. Este pressupõe que todos os atores envolvidos atuem de maneira estruturada, com fluxos de trabalho bem estabelecidos e com transparência no compartilhamento das informações. E destaca-se, por parte do TCU, como mediador técnico, a presença não apenas do auditor da SecexConsenso, como também daquele da área especializada correspondente.

Grande parte das solicitações que já recebemos correspondem a matérias já judicializadas. Casos em que soluções satisfatórias e, sobretudo, tempestivas não se avistam para o futuro próximo. É fundamental trabalhar na construção de soluções alternativas para problemas nacionais com impactos relevantes e duradouros. E é fundamental que tais situações sejam tratadas de forma diferenciada, sempre com foco no interesse público primário.

Somos uma instituição independente, respeitada nacional e internacionalmente, comprometida com o desenvolvimento do país e com a proteção do interesse público. E estamos fortalecendo a nossa missão pedagógica e conciliadora, com integridade e sensibilidade institucional.

Foi com este espírito público que criamos a SecexConsenso, e é com ele que já estamos trabalhando ativamente para que o consensualismo não seja apenas uma ideia no Brasil. Mas, sim, uma verdadeira e produtiva orientação institucional.

 

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