Por Sarah Vale*
Nas últimas semanas, o Congresso da Flórida aprovou lei que impõe restrições ao acesso de crianças e adolescentes menores de 16 anos às redes sociais. A legislação obteve amplo apoio no Congresso Estatual — 108 votos a favor e 7 contra, na Câmara, e 23 a favor contra 14, no Senado. Agora, aguarda-se a sanção do governador do estado, embora este já sinalize sua oposição à proposta.
A proposição levantou debate sobre o equilíbrio entre a proteção de menores e as liberdades individuais. Enquanto alguns consideram a norma necessária para salvaguardar a saúde física e mental dos menores, outros a criticam, afirmando que o governo está ultrapassando sua competência. Caso aprovada, a lei se tornará uma das mais restritivas do país.
Entre as suas disposições, a norma institui que as plataformas deverão cancelar as contas existentes dos menores de 16 anos, mesmo que haja autorização dos responsáveis. Além disso, concede aos pais o direito de processar as empresas que não efetuarem a exclusão das contas de seus filhos menores de idade, prevendo indenização de até U$S 10 mil.
À primeira vista, a aprovação de uma lei tão restritiva pelo parlamento de um estado dos EUA, pode parecer surpreendente, considerando a tradicional defesa da liberdade irrestrita promovida pelo país. Porém, ao observar os alarmantes índices das questões enfrentadas por crianças e adolescentes na internet, torna-se evidente a fonte de preocupação: o Cyberbulling, a exposição a conteúdos inadequados, casos de depressão, suicídios e até mesmo a utilização das plataformas para o planejamento de atos violentos, incluindo massacres em escolas. Não à toa que se cogita impor limitações ao acesso a um ambiente sem controle.
E é nesse contexto que a discussão deve se concentrar: o ambiente digital sem controle que expõe crianças e adolescentes à vulnerabilidade. Nessa perspectiva, fica evidente que essa limitação de acesso pode oferecer alguma proteção, mas não resolve integralmente o problema, que impacta não só as crianças e adolescentes da Flórida, mas toda a sociedade ao redor do globo.
Nos vemos presos na dicotomia na qual a proibição parece ser considerada melhor e/ou mais fácil que a regulação. Apesar da necessidade de proteger os menores, a discussão deve se pautar não somente nisso, mas na promoção de um ambiente digital seguro, levando em consideração os benefícios que há na inclusão digital. Por isso, a regulamentação das plataformas digitais é fundamental para a garantia de um espaço seguro não só para crianças e adolescentes, mas especialmente para eles.
- Congressistas dos EUA sugerem extradição de Bolsonaro para o Brasil
- Biden apoia democratas na Flórida antes das eleições de meio de mandato
No Brasil, a regulamentação das redes sociais é abordada pelo Projeto de Lei 2630/2020, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Popularmente conhecido como PL das Fake News, o projeto visa estabelecer mecanismos para a regulação das plataformas digitais no país, incluindo as redes sociais, ferramentas de busca e aplicativos de troca de mensagens. Em análise na Câmara dos Deputados desde 2020, a proposição voltou a ganhar relevância após a repercussão dos ataques antidemocráticos ocorridos em 8 de janeiro de 2023, bem como nos ataques violentos ocorridos nas escolas nesse mesmo ano.
Apesar do discurso mantido pelos opositores do projeto, que o acusam de ser um limitador da liberdade de expressão — por simplesmente vedar a propagação de notícias falsas — a norma vai além do combate à desinformação. Ela se mostra uma aliada na proteção de crianças e adolescentes ao regular o ambiente digital, limitando a disseminação de conteúdos impróprios e prejudiciais aos menores. Afinal, mais eficaz que a proibição de acesso, não seria garantia de um ambiente digital devidamente regulamentado?
E o PL 2630 se mostra eficaz na garantia desse ambiente para os jovens, uma vez que seu texto inclui um capítulo específico dedicado à proteção de crianças e adolescentes, obrigando as empresas a adotarem como parâmetro o melhor interesse desse grupo em seus serviços, implementando mecanismos de controle parental e de verificação etária. Além disso, o texto prevê a responsabilização das big techs em caso de disponibilização de conteúdos que contenham cenas de exploração e abuso sexual de menores.
Nesse sentido, ainda cabe destacar o PL 2628/2022, atualmente em tramitação no Senado. A proposta tem como objetivo proteger crianças e adolescentes em ambientes digitais, assegurando seus direitos e estabelecendo medidas para prevenir e responder a violações. No mesmo propósito do PL das Fake News, o projeto impõe uma série de obrigações às empresas do setor, visando assegurar um espaço mais seguro e responsável para os jovens.
Mais que depender da vontade destas empresas para desenvolver sistemas de proteção, é necessário que haja uma legislação rigorosa que transforme essa ação voluntária em uma obrigação legal. Assim, transcendemos a discussão de que a regulamentação limita liberdades individuais e nos deparamos com a ideia de que a regulação abrange uma ampla gama de questões, incluindo a proteção de crianças e adolescentes.
Portanto, ao regulamentar para transformar as redes sociais em espaços seguros, fiscalizáveis, livres de desinformação, discurso de ódio e conteúdos prejudicais, os menores poderiam desfrutar dos benefícios de comunicação e informação que o ambiente online proporciona.
No entanto, enquanto o debate em torno da regulamentação das plataformas de redes sociais permanecer frágil e sujeito a manipulação ou como no caso dos Estados Unidos, nem ao menos se considerar a limitação dos poderes dessas grandes empresas, soluções e legislações inefetivas continuarão surgindo, resultando em constantes preocupações sem oferecer medidas eficazes. Como resultado, as crianças e adolescentes estarão em constante vulnerabilidade sujeitos aos malefícios que um ambiente sem lei pode oferecer.
* Advogada, assessora parlamentar e pós-graduanda em direito digital
Saiba Mais
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br