VISÃO DO DIREITO

Artigo: Teremos um processo administrativo padronizado?

Alguns tribunais decidiram cruzar de vez a fronteira e digitalizar todos os papéis, mas logo se depararam com um problema grave: digitalizar cada folha de cada processo custaria caro

Há mais de uma década tribunais permanecem resistindo a iniciativas de unificação, sem solução clara para o futuro -  (crédito: Freepik)
Há mais de uma década tribunais permanecem resistindo a iniciativas de unificação, sem solução clara para o futuro - (crédito: Freepik)
postado em 04/04/2024 11:30 / atualizado em 04/04/2024 11:34

Por Marcelo de Andrade Figueira, mestre em direito privado pela Paris II - Panthéon-Assas e sócio da Andrade Figueira Advogados; e Francisco de Andrade Figueira, mestre em ciências jurídicas pela Stanford Law School e sócio da Andrade Figueira Advogados

No início da década de 2010, quando crescia a campanha para digitalizar o processo judicial, uma grande pergunta pairava: o que fazer com os milhões de processos judiciais em curso?

Alguns tribunais decidiram cruzar de vez a fronteira e digitalizar todos os papéis, mas logo se depararam com um problema grave: digitalizar cada folha de cada processo custaria caro.

Os tribunais em sua maioria optaram por ter novos processos eletrônicos e digitalizar o arquivo físico aos poucos. Logo depois, os tribunais começaram outra disputa. Cada tribunal tinha adotado a sua solução tecnológica e tinha construído seu sistema de forma independente.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) fez esforços para unificar todos os tribunais no mesmo sistema (conhecido como PJe).

Há mais de uma década tribunais permanecem resistindo a essas iniciativas de unificação, sem solução clara para o futuro. Padronizar processo judicial era simples perto do processo administrativo.

Um processo judicial é mais ou menos parecido com o outro. Ele começa com um pedido do autor e termina com uma sentença. Pode ter recursos no meio, mas sempre acaba com um acórdão do tribunal. Os usuários são sempre os mesmos (juiz, partes e Ministério Público; às vezes, peritos e terceiros) e o Código de Processo Civil é uma lei federal, que exige as mesmas regras, prazos e condições no Brasil inteiro, com algumas regras menos relevantes definidas pelos estados.

Durante a pandemia de covid-19, as administrações públicas começaram a aderir ao processo eletrônico.

O Sistema Eletrônico de Informações (SEI) ganhou espaço e aumentou a transparência com o acesso público on-line a documentos. O SEI substituiu o papel, mas não simplificou a gestão dos processos.

Processos administrativos são variados. Podem ser multas da CVM contra uma empresa que não divulgou informações ao mercado corretamente, proposta de Portaria do Ministério do Meio Ambiente que precisa passar por várias discussões e por consulta pública. Pode ser uma licitação de uma concessão, com diversos órgãos alterando os documentos, pareceres de várias áreas técnicas até o leilão e a assinatura do contrato, ou pode ser também um reconhecimento de direitos de moradia para pessoas vulneráveis. Cada processo administrativo deste tem um fim e passa por diversas fases.

Seria importante ter dados de todos os processos do mesmo tipo, mas costumamos ver processos mal qualificados no SEI. Começam em ofícios avulsos (por exemplo recebido do Ministério Público) e terminam nas respostas aos ofícios, sem considerar o grande processo por trás (uma licitação, uma nova portaria, por exemplo).

Alguns processos relevantes ficam às vezes escondidos em tipos como recebimento de ofício. Não existe um só processo administrativo, ele pode ter muitos objetivos; não existe um marco inicial e um marco final para o processo administrativo e pior, não existe uma lei única federal do processo administrativo, cada estado e município pode ter a sua, com regras, prazos e condições diferentes.

Por isso, nos surpreende o Poder Executivo iniciar um programa para promover a adoção do Processo Eletrônico nas administrações estaduais e municipais (Decreto 11.946/24).

O programa parece funcionar por adesão e por soluções customizadas.

Ter uma tecnologia de processo administrativo adotada em todos os estados e municípios seria louvável. Nós, cidadãos, iríamos finalmente saber os reais números da administração pública.

Mas talvez o país tenha criado barreiras constitucionais e legais para essa padronização que vão inviabilizar o programa.

Torcemos daqui que este processo de padronizar processos administrativos tenha início, meio e fim e que seja bem-sucedido.

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