Obituário

Caminhos da vida e do direito

O desembargador aposentado e referência de ética, justiça e empatia, deixou um legado marcante como magistrado, professor e advogado, sendo lembrado por sua dedicação à família e às amizades

Smaniotto tomou posse como desembargador em março de 1997 -  (crédito: Acacio PInheiro/CB/D.A Press)
Smaniotto tomou posse como desembargador em março de 1997 - (crédito: Acacio PInheiro/CB/D.A Press)

"Julgador ponderado, seguro e, acima de tudo, justo." Essas eram as palavras com que os colegas de profissão descreviam Edson Alfredo Martins Smaniotto, desembargador aposentado, que nos deixou na última sexta-feira. Nascido em Duartina, São Paulo, Smaniotto formou-se bacharel em direito em 1977 pela Faculdade de Direito de Bauru e, no ano seguinte, foi empossado como promotor de Justiça do Ministério Público de Goiás, cargo que ocupou até 1983. Ele costumava contar que os salários frequentemente atrasavam, levando-o a vender seu carro e até cogitar voltar para sua cidade natal.

Em certa ocasião, Smaniotto compartilhou com seu colega Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy que, ao retornar para casa a pé, um advogado da parte adversa lhe ofereceu carona. Após alguma insistência, Smaniotto aceitou a gentileza, e, durante o trajeto, o advogado comentou que iria para Brasília para se inscrever em um concurso de juiz de direito, aberto pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal. A ideia permaneceu em sua mente e se transformou em um sonho, mas, na época, o promotor não possuía recursos para realizar a viagem.

Por coincidência, sua mãe estava visitando-o em Goiânia e expressou o desejo de conhecer a capital do país. Juntaram os poucos recursos que tinham e viajaram de ônibus até Brasília. Chegando à cidade, foram diretamente ao Tribunal, onde Smaniotto fez sua inscrição. Ele estudou, foi aprovado em primeiro lugar no concurso e, em 1983, tomou posse como juiz de direito substituto da Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). Na ocasião, mudou-se para Brasília com sua esposa, Marita, e seus dois filhos, Simone e Paulo Renato.

Como juiz substituto, Smaniotto deu início a "uma carreira sólida, firme, marcada pela ética, pelo elevadíssimo senso de justiça, pela compreensão do outro e por uma rara sensibilidade para com os problemas humanos", nas palavras de Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy. Durante sua trajetória, trabalhou na Circunscrição Judiciária de Taguatinga, na 1ª Vara de Família, Órfãos e Sucessões, e, em Brasília, em diversas Varas Cíveis, de Família, Criminais, de Registros Públicos e de Falências.

"Na magistratura, no magistério e na advocacia, ele sempre buscou a prática da justiça, demonstrando ponderação e segurança. Acredito que soube se destacar em todas as profissões que exerceu, sendo uma pessoa extremamente empática e com um profundo senso humanístico. Ele era imparcial e, no magistério, um verdadeiro 'encantador de serpentes', que nos cativava com suas histórias de vida ao ilustrar conceitos complexos do direito penal", compartilha Simone, sua filha.

Uma dessas histórias, que se tornou célebre no meio jurídico, ocorreu quando um réu armado invadiu a sala de audiências da 6ª Vara Criminal do TJDFT com a intenção de fazer reféns e sair livre do Tribunal de Justiça. "O réu se aproximou do tablado onde meu pai estava e, por impulso, ele literalmente saltou da cadeira e pulou sobre o réu, retirando-lhe a arma de fogo. Conseguiu imobilizar o rapaz até que os seguranças do Tribunal chegassem, protegendo a vida do infrator de eventuais disparos", relembra Simone. "Foi um susto, mas, por conta disso, por muito tempo as pessoas perguntavam se meu pai era professor de caratê", brinca.

Em 27 de novembro de 1986, Smaniotto foi titularizado como juiz de direito, assumindo a 6ª Vara Criminal. Em 1994, exerceu o cargo de diretor do Fórum de Brasília. Desde 1986, também atuou como juiz Eleitoral convocado no Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TRE/DF), substituindo desembargadores a partir de 1995. Em 14 de março de 1997, foi promovido ao cargo de desembargador do TJDFT. Porém, segundo sua filha, seu maior legado são as amizades.

"Os amigos que conquistou na sua jornada de vida, das mais diversas profissões! Meu pai era comunicativo, humilde, em

pático e atencioso, além de tratar a todos com muito carinho e respeito, cativando a muitos por isso. Ele também deixou impactos positivos na vida de autoridades de diversas áreas de poder desta capital do país, além de outros estados da Federação", diz Simone.

Após 24 anos de magistratura na Justiça do Distrito Federal, Smaniotto participou de sua última sessão como desembargador em 29 de janeiro de 2010, aos 58 anos. Na ocasião, optou por voltar para casa da mesma forma como chegou ao Tribunal pela primeira vez: a pé. "Foi memorável! Ele saiu caminhando do Tribunal de Justiça até sua residência na 216 Sul, relembrando sua chegada a Brasília, acompanhado do desembargador Diaulas Costa Ribeiro e do meu irmão Paulo Renato Smaniotto", recorda Simone.

Após a aposentadoria, Smaniotto dedicou-se à vida acadêmica como professor de direito penal e à advocacia, integrando um renomado escritório na capital federal. "Não posso deixar de falar que dar aulas, especialmente o convívio com os alunos, era outro momento que o deixava muito realizado pessoal e profissionalmente. Quanta alegria ele sentiu ao escutar, no Vaticano, durante as férias, uma querida aluna (Rachel) gritando na Praça de São Pedro, enquanto aguardávamos o pronunciamento do papa: 'Professor! Professor Smaniotto! Aqui!", conta Simone.

No ano passado, ele foi agraciado com o título de cidadão honorário de Brasília pela Câmara Legislativa do Distrito Federal. O Plenário estava cheio de alunos, magistrados, advogados, amigos e familiares, com destaque para sua neta Valentina, que leu um discurso. "Não me recordo de ter visto meu país mais feliz do que naquela ocasião". 

Em declaração à reportagem, Simone expressou a imensurável saudade que sente do pai: "Estamos em paz graças à nossa fé e acreditamos que agora ele está junto da minha mãe, que partiu em 2021 e por quem ele tinha um amor tão grande." Sobre ele, Simone afirmou: "Era um homem calmo, paciente e que valorizava muito o convívio familiar. Cresci em um lar onde o companheirismo era a marca registrada. Até mesmo as compras do mês eram feitas em família", recorda emocionada.

 


Maria Eduarda Lavocat
postado em 23/01/2025 05:00
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