Leis

As mudanças no Código Civil e no direito de família

Embora o Código vigente tenha sido implementado em 2002, o projeto original data de 1975, tornando algumas disposições desatualizadas já na época da promulgação

O novo Código Civil também legitima a união homoafetiva, reconhecida pelo STF desde 2011 -  (crédito: Homoafetivos)
O novo Código Civil também legitima a união homoafetiva, reconhecida pelo STF desde 2011 - (crédito: Homoafetivos)

O Código Civil regula os direitos e deveres dos indivíduos desde o nascimento até o falecimento, disciplinando relações sociais e patrimoniais. Em 2023, teve início o processo de revisão dessa legislação para adequá-la às transformações sociais recentes. Embora o Código vigente tenha sido implementado em 2002, seu projeto original data de 1975, tornando algumas disposições desatualizadas já na época de sua promulgação.

A advogada Liliana Marques, especialista em direito de família, destaca a necessidade dessa reforma. "Sendo um dos pilares do ordenamento jurídico nacional, é essencial que seu conteúdo acompanhe a evolução da sociedade, cuja dinâmica atual difere significativamente do contexto em que a legislação foi originalmente concebida e promulgada", afirma.

O processo de atualização começou com a formação de uma comissão de juristas, presidida pelo ministro Luiz Felipe Salomão — vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) — instalada pelo Senado para revisar o Código Civil. Em 31 de janeiro de 2025, foi protocolado no Senado o Projeto de Lei nº 4/2025, de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que ainda aguarda despacho.

Com 273 páginas, o projeto incorpora direitos digitais, adapta a legislação às inovações tecnológicas e ambientais, tornando-a mais alinhada às necessidades contemporâneas. No âmbito do direito de família, promove mudanças significativas, incluindo a ampliação do conceito de família, estabelecendo regras aplicáveis a todas as entidades familiares, sem distinção. O novo texto passa a reconhecer vínculos não conjugais, famílias recompostas e consolida o instituto da multiparentalidade.

A reforma reforça o reconhecimento da socioafetividade, garantindo direitos a relações familiares baseadas no afeto, mesmo sem vínculo sanguíneo. O artigo 1.617-A estabelece que a ausência de vínculo genético não exclui a filiação se houver vínculo socioafetivo. O artigo 1.617-B assegura que a socioafetividade não limita a autoridade dos genitores naturais, e o artigo 1.633-A confirma que todos os pais, sejam naturais, sejam socioafetivos, compartilham a autoridade parental.

O novo Código Civil também legitima a união homoafetiva, reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2011, ao substituir as expressões "homem e mulher" nas disposições sobre casamento e união estável por "duas pessoas", assegurando inclusão plena a todos os casais.

Outro avanço significativo é a determinação do registro imediato de paternidade a partir da declaração da mãe, nos casos em que houver recusa ao exame de DNA, garantindo maior proteção aos direitos da criança.

De acordo com a advogada, as mudanças propostas impactam profundamente as relações familiares e os contratos entre cônjuges, ao reconhecer e regulamentar novos arranjos familiares e flexibilizar os aspectos jurídicos desses vínculos. "As alterações visam modernizar as relações familiares, garantir a proteção dos direitos de todas as partes envolvidas e permitir que os contratos entre cônjuges e companheiros sejam mais flexíveis, adaptando-se às realidades da convivência familiar, sempre com foco na dignidade, proteção e equidade", ressalta.

Uma das mudanças mais relevantes destacadas pela a advogada é a possibilidade de divórcio ou dissolução da união estável de forma unilateral, sem necessidade de anuência da outra parte ou escritura pública. Além disso, a alteração do regime de bens passa a ser flexibilizada, podendo ser modificada por escritura pública ou por cláusula estipulada previamente em pacto antenupcial ou convivencial. Também se prevê a possibilidade de mudança automática do regime após um período pré-definido, sem efeitos retroativos e garantindo a proteção de terceiros.

No que se refere ao pagamento de alimentos, Liliana explica que a nova legislação mantém o caput do artigo 1.699 e adiciona dois novos parágrafos sobre a obrigação alimentar. O § 1º estabelece que, nos casos de alimentos para crianças e adolescentes, a obrigação cessa com a maioridade, cabendo ao alimentante solicitar judicialmente sua extinção, conforme já consolidado na Súmula 358 do STF. O § 2º permite a prorrogação do direito à pensão por um período razoável após a maioridade, caso o beneficiário ainda esteja concluindo sua formação educacional em curso superior, técnico ou profissionalizante.

Quanto aos alimentos entre cônjuges e conviventes, a reforma cria um capítulo específico para o tema, reorganizando os dispositivos e eliminando a menção à separação judicial. O artigo 1.702 determina que, em caso de dissolução da relação, um cônjuge deve prestar alimentos ao outro caso este esteja desprovido de recursos. Um parágrafo único reforça o caráter transitório da pensão, permitindo que o juiz fixe um prazo final para sua concessão, garantindo tempo suficiente para a inserção ou recolocação do beneficiário no mercado de trabalho.

No âmbito sucessório, a reforma propõe a equiparação entre cônjuges e companheiros, revogando o artigo 1.790 e retirando ambos da categoria de herdeiros necessários, mantendo apenas descendentes e ascendentes com direito à legítima.

 

Maria Eduarda Lavocat
postado em 06/03/2025 06:00
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