Entrevista

O que especialistas do direito dizem sobre a prisão domiciliar de Bolsonaro

Direito&Justiça traz a avaliação de dois advogados experientes sobre as medidas que atingem o ex-presidente

Bolsonaro está em prisão domiciliar por desrespeitar medidas cautelares impostas pelo STF -  (crédito: Reprodução/Rede sociais)
Bolsonaro está em prisão domiciliar por desrespeitar medidas cautelares impostas pelo STF - (crédito: Reprodução/Rede sociais)

A prisão domiciliar de Jair Bolsonaro, decretada no início da semana, pelo ministro Alexandre de Moraes, virou tema de debate no meio jurídico e nas rodas de conversa país afora. O Direito&Justiça traz a avaliação de dois advogados experientes sobre as medidas que atingem o ex-presidente. Confira:

  • Marcelo Turbay 

Advogado, sócio do Almeida Castro, Castro e Turbay Advogados. Especialista e mestre em direito, pós-graduado em direito penal econômico europeu e internacional pela Universidade de Coimbra/PT (2007), especialista em Direito penal e compliance pelo Instituto de Direito Penal Econômico e Europeu (2017)

A prisão domiciliar é juridicamente cabível no caso do ex-presidente Bolsonaro? Com base em quais dispositivos legais?

A prisão domiciliar, em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, é regime especial de cumprimento da prisão preventiva, utilizada em casos específicos, como previsto no art. 318, do CPP. O uso mais comum, por exemplo, se dá quando o cidadão preso é maior de 80 anos, extremamente debilitado por motivo de doença grave e também para gestantes, em alguns casos. Assim, não há uma previsão legal específica para se decretar diretamente a prisão domiciliar em casos como o do Bolsonaro, pois não é uma medida cautelar diversa da prisão, mas sim um substitutivo apenas da forma de cumprimento da prisão preventiva comum, que pode ser concedido pelo juiz a depender das especificidades do caso concreto e, muitas vezes, com fundamento de ordem constitucional, como o princípio da dignidade da pessoa humana, dentre outros.

Por que foi decretada a prisão domiciliar em vez de uma prisão preventiva?

Como dito, o decreto de prisão domiciliar não possui previsão legal para todo e qualquer caso, mas apenas em situações específicas, previstas em lei. O ministro Alexandre de Moraes, diante do descumprimento das medidas cautelares por Bolsonaro, optou por impor medida menos gravosa ao ex-presidente, por um critério de razoabilidade, suficiência e proporcionalidade da medida, atento ainda às diretrizes constitucionais de dignidade da pessoa humana. Em regra, a hipótese seria de decretação de prisão preventiva comum, que é normalmente cumprida em estabelecimento prisional.

A medida pode ser interpretada como uma forma de prisão preventiva disfarçada?

Eu entendo que não. Na realidade, mais parece uma simples benesse processual. O ministro Alexandre de Moraes poderia ter decretado a prisão preventiva, com fundamento legal, mas escolheu decidir mais brandamente.

Qual a diferença entre prisão domiciliar e medidas cautelares diversas da prisão, como uso de tornozeleira ou proibição de contato?

A prisão domiciliar nesses casos é uma hipótese de prisão cautelar, mas com regime especial de cumprimento da prisão preventiva, sendo, portanto, uma restrição mais gravosa do que as medidas cautelares diversas da prisão, como o uso de tornozeleira ou proibição de contato. As medidas cautelares têm disciplina própria e requisitos específicos, previstos em lei.

Ele vai continuar em prisão domiciliar até o julgamento, e quais são os próximos passos do processo?

O processo se encontra em fase de alegações finais. A PGR e o réu colaborador, Mauro Cid, já apresentaram seus memoriais. O prazo das demais defesas se encerra em 13 de agosto. Uma vez apresentadas todas as alegações finais, será pautado e julgado o mérito da ação penal em sessão colegiada, com manifestações orais da acusação, do corréu colaborador e das defesas. Em seguida, começa o julgamento propriamente dito, com leitura de voto pelo relator e demais manifestações de votos pelos ministros. É possível que Bolsonaro siga preso até o julgamento.

Na sua visão o decreto da prisão domiciliar demonstra que o STF não pretende ceder a pressões externas? O senhor concorda com esse posicionamento?

Não. O decreto de prisão está fundamentado em critérios técnicos e dispositivos de lei. A consequência natural do descumprimento de medidas cautelares é a decretação de prisão preventiva comum.

 

  • Bruno Gimenes Di Lascio

Advogado, mestre em ciência jurídica (UENP), especialista em ciências penais (UEM) e direito tributário empresarial (PUCPR), sócio do Gimenes Di Lascio Advogados

A prisão domiciliar é juridicamente cabível no caso do ex-presidente Bolsonaro? Com base em quais dispositivos legais?

É incabível. A prisão domiciliar é um modelo de custódia destinado a substituir uma anterior prisão preventiva em determinados casos previstos no art. 318 do Código de Processo Penal. Exemplo: pessoa octogenária, gestante, pessoa extremamente debilitado por motivo de doença grave, mulher com filho de até 12 anos de idade. Bolsonaro não se enquadra em nenhuma hipótese

Por que foi decretada a prisão domiciliar em vez de uma prisão preventiva?

Aparentemente o ministro fez um cálculo político no sentido de não recrudescer totalmente a situação de Bolsonaro. No período da Lava-Jato, alegava-se que as conduções coercitivas eram medidas mais amenas que as prisões temporárias, e, embora inexistentes na lei, poderiam ser decretadas por serem mais favoráveis aos investigados. Tempos depois, as conduções coercitivas corretamente foram declaradas ilegais, independentemente de serem menos prejudiciais. Parece ser o caso: ao invés de decretar a prisão preventiva, o ministro criou uma nova figura de custódia: a prisão domiciliar subsidiária da preventiva.

A medida pode ser interpretada como uma forma de prisão preventiva disfarçada?

Poder-se-ia entender que o ministro decretou prisão preventiva e em seguida a substituiu por prisão temporária. Mas ele não escreveu isso na decisão. Ao que parece, a prisão domiciliar de Bolsonaro é uma medida cautelar atípica com o fim de neutralizar o réu sem institucionalizá-lo.

Qual a diferença entre prisão domiciliar e medidas cautelares diversas da prisão, como uso de tornozeleira ou proibição de contato?

A prisão domiciliar é uma forma de custódia terceirizada: o jurisdicionado é aprisionado dentro de sua residência, sob monitoração virtual, nos moldes das demais prisões, mas sem vigilância estatal presencial. Só se decreta prisão domiciliar nos casos estabelecidos em lei, como substituição da prisão preventiva já decretada. Já as demais medidas cautelares independem das prisões cautelares: podem ser aplicadas separadamente, como por exemplo afastar determinada pessoa da função pública, quando ela esteja sendo processada por crime administrativo.

Ele vai continuar em prisão domiciliar até o julgamento, e quais são os próximos passos do processo?

O processo está no fim: as defesas vão apresentar suas alegações finais e, em seguida, o relator agendará sessão de julgamento.

Na sua visão o decreto da prisão domiciliar demonstra que o STF não pretende ceder a pressões externas? O senhor concorda com esse posicionamento?

O STF parece que não cederá nem às pressões externas, nem ao bom senso e nem ao texto da Constituição. Tornou-se um poder moderador sem freios nem contrapesos. E enquanto se comportar assim, seus críticos terão legitimidade para denunciar o tribunal nas instâncias estrangeiras.

  • Advogado, sócio do Almeida Castro, Castro e Turbay Advogados. Especialista e mestre em Direito
    Advogado, sócio do Almeida Castro, Castro e Turbay Advogados. Especialista e mestre em Direito Foto: Divulgação
  • Bruno Gimenes Di Lascio, advogado, mestre em ciência jurídica (UENP), especialista em ciências penais (UEM) e direito tributário empresarial (PUCPR), sócio do Gimenes Di Lascio Advogados
    Bruno Gimenes Di Lascio, advogado, mestre em ciência jurídica (UENP), especialista em ciências penais (UEM) e direito tributário empresarial (PUCPR), sócio do Gimenes Di Lascio Advogados Foto: Divulgação
  • Bolsonaro está em prisão domiciliar por desrespeitar medidas cautelares impostas pelo STF
    Bolsonaro está em prisão domiciliar por desrespeitar medidas cautelares impostas pelo STF Foto: Reprodução/Rede sociais
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postado em 07/08/2025 05:00
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