Por Marco Antônio Ruzene* — O Congresso Nacional aprovou, após mais de 20 anos de debates, o Novo Marco Legal do Licenciamento Ambiental. A proposta, inicialmente apresentada como solução para lacunas normativas e excesso de burocracia, prometia previsibilidade tanto aos empreendedores quanto ao Poder Público. No entanto, a versão final do texto legaliza a flexibilização, acendendo um alerta vermelho para a proteção socioambiental no país.
A questão vai além de um debate meramente procedimental. O que está em jogo é a definição do modelo de desenvolvimento que o Brasil pretende adotar. O novo marco contém dispositivos profundamente problemáticos: a dispensa de licenciamento para atividades potencialmente impactantes, a limitação da atuação autônoma de órgãos ambientais e a restrição à participação de comunidades tradicionais no processo decisório. Essas mudanças não apenas enfraquecem o principal instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente como também representam um potencial retrocesso constitucional, com alta probabilidade de judicialização no Supremo Tribunal Federal.
Em paralelo, a Reforma Tributária introduziu uma contradição gritante no tratamento do saneamento básico. Apesar de ser serviço público essencial, diretamente ligado ao direito à saúde, à moradia digna e ao meio ambiente equilibrado, o saneamento foi excluído do regime de alíquotas reduzidas do novo IVA dual. O resultado é previsível: aumento de tarifas, retração de investimentos e risco real de descumprimento das metas de universalização estabelecidas pelo Marco Legal do Saneamento.
Esses dois movimentos legislativos revelam uma incoerência normativa no projeto nacional. De um lado, flexibiliza-se o licenciamento ambiental, instrumento constitucional de prevenção e controle. De outro, onera-se fiscalmente o saneamento, essencial para a concretização de direitos fundamentais. A pergunta que se impõe é: como conciliar a busca por eficiência regulatória e simplificação tributária com a necessidade imperiosa de proteger direitos socioambientais?
O licenciamento ambiental é muito mais do que uma etapa burocrática: é espaço de diálogo técnico, institucional e social. Ao relativizar a participação de órgãos como a Funai e a Fundação Palmares, o legislador silencia vozes historicamente vulnerabilizadas, ignorando que o desenvolvimento sustentável só se constrói com inclusão.
Do mesmo modo, a tributação deveria atuar como instrumento de justiça distributiva e de promoção de políticas públicas. A Constituição já estabelece a defesa do meio ambiente como princípio da ordem tributária. Onerar um serviço básico como o saneamento, reconhecido pela ONU como direito humano, significa caminhar na contramão da função social e ambiental dos tributos. Essa escolha aprofunda desigualdades regionais e afronta o princípio da proporcionalidade.
Os próximos meses, com a sanção presidencial do Marco do Licenciamento e a aplicação da Reforma Tributária, serão decisivos. Eles definirão o compromisso do Brasil com sua Constituição e com as gerações presentes e futuras. A questão central é clara: queremos um desenvolvimento pautado pela simplificação formal e pela arrecadação imediata, ou um que alinhe regulação, tributação e políticas públicas em favor da dignidade humana e da Justiça socioambiental?
Sócio do Ruzene Sociedade de Advogados. Doutor em direito tributário, mestre em direito das relações econômicas internacionais, pós-graduado lato sensu em direito tributário e bacharel em ciências jurídicas e sociais*
