Discreto, avesso a entrevistas e declarações bombásticas, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, nem precisa buscar holofotes para se destacar. Em dois anos de mandato à frente do Ministério Público Federal, foi protagonista de um momento histórico: a denúncia que resultou na condenação de um ex-presidente da República por atentar contra a democracia. Jair Messias Bolsonaro e os demais integrantes dos grupos que atuaram na chamada trama golpista foram os primeiros réus e condenados pela Lei 14.197/21, que revogou a Lei de Segurança Nacional e definiu os crimes contra o Estado Democrático de Direito.
Gonet sustentou em 272 páginas da denúncia — e nas alegações finais — todo o fio condutor dos atos antidemocráticos que levaram a uma tentativa de golpe para tirar um presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, do poder. Sem estardalhaço, sem palavras de efeito, mas com a força de episódios que falam por si mesmos, Gonet impressionou na sustentação oral.
Não faltaram ingredientes para pedir uma condenação severa: tentativa de assassinar o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), além de conspirações para explodir um carro-bomba do aeroporto de Brasília, ações para invadir o prédio da Polícia Federal, fake news para desacreditar o trabalho da Justiça Eleitoral, depredação e ocupação dos prédios da Praça dos Três Poderes, financiamento dos acampamentos no QG do Exército.
Sobre sua atuação nesse caso, ele ressaltou ontem: "Minhas manifestações se deram invariavelmente nos autos dos processos, sem vazamento nem comentário público algum, prejudiciais à imagem e à presunção de inocência dos investigados. O respeito ao sigilo judicial foi sempre obedecido de modo absoluto e assim continuará a ser".
De acordo com o balanço da PGR, 715 réus envolvidos nos atos antidemocráticos foram condenados até outubro, enquanto 568 investigados assinaram Acordos de Não Persecução Penal (ANPPs) propostos pelo Ministério Público nos casos de menor gravidade. Também houve 12 absolvições. Ainda estão em andamento 606 processos, o que representa um terço do total.
Com essa marca de seu mandato, Gonet chegou ontem à sabatina na Comissão e Constituição e Justiça (CCJ) do Senado longe da unanimidade entre os políticos, às vésperas da execução da pena imposta a Bolsonaro: 27 anos e três meses de prisão, em regime fechado. Com uma base ampla no Senado, o ex-presidente teve a seu lado um exército que bombardeou Gonet. Ele obteve 17 votos favoráveis à sua recondução e 10 contrários.
No plenário, Paulo Gonet passou por pouco. Foram 45 votos a 26, quatro a mais do que o necessário para aprovação da recondução. Foi o placar mais apertado entre os procuradores-gerais da República aprovados pelo Senado desde a redemocratização. Em 2023, com a mesma formação no Senado, Gonet teve 20 votos a mais.
Indicado pelo presidente Lula, Gonet assume novamente também a presidência do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). O novo mandato começa a partir de dezembro e segue até dezembro de 2027, quando um novo presidente terá sido eleito ou o mandato de Lula estará renovado.
O embate com o Congresso não se encerra na denúncia da trama golpista. Em agosto de 2024, a Procuradoria-geral da República ajuizou ação direta de inconstitucionalidade (ADI) contra as chamadas "emendas pix", as transferências diretas de recursos federais por emendas parlamentares sem convênio ou plena fiscalização. Para Gonet, essa modalidade contraria preceitos fundamentais como a separação de Poderes e os princípios da impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência da administração pública.
Gonet também adotou postura firme para responsabilização por crimes contra o patrimônio público, lavagem de dinheiro e corrupção. Foi voz na defesa da liberdade de transferência de informações de órgãos como o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) para investigações da Polícia Federal e do Ministério Público. Entre os avanços institucionais obtidos nos últimos dois anos, Paulo Gonet destacou a criação do Grupo Nacional de Enfrentamento ao Crime Organizado (Gaeco Nacional) e das unidades especializadas no combate ao tráfico de pessoas, crimes cibernéticos e lavagem de dinheiro.
Um dos desafios do procurador-geral da República no segundo mandato será uma manifestação sobre pedido de prisão domiciliar que certamente a defesa de Bolsonaro fará para cumprimento da pena. No caso do ex-presidente e ex-senador Fernando Collor, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o parecer do PGR foi pela liberação de Collor da penitenciária Baldomero Cavalcanti de Oliveira, em Maceió, onde cumpria pena de 8 anos e 10 meses de prisão, alegando questões humanitárias. Os advogados de Collor apontaram que o político tem problemas de saúde crônicos como apneia do sono, doença de Parkinson e transtorno afetivo bipolar, além de idade avançada — 75 anos.
Durante a sabatina, que durou cerca de seis horas, Paulo Gonet reiterou o compromisso de manter a atuação institucional, com respeito à harmonia entre os Poderes e condução técnica e independente. "Da PGR não saem denúncias precipitadas, não há proposta de medidas de interferência sobre direitos fundamentais investigados, senão depois de minucioso exame de ponderação", afirmou.
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