Por André Macedo de Oliveira*, Sarah Roriz de Freitas e João Pedro Ramos Soares Souza** — As dificuldades operacionais do transporte aéreo estão refletidas nos entendimentos desarmônicos dos tribunais brasileiros acerca da responsabilização das empresas aéreas por atrasos e cancelamentos de voos devido a eventos meteorológicos.
No Brasil, a coexistência de diferentes regimes normativos — incluindo o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA) e o Código de Defesa do Consumidor (CDC) — gera frequentes conflitos na interpretação das obrigações das transportadoras aéreas. No âmbito internacional, a Convenção de Varsóvia, complementada pela Convenção de Montreal, introduz parâmetros adicionais que moldam a responsabilidade das transportadoras em casos de atrasos.
O CBA oferece um arcabouço especializado para regulamentar o transporte aéreo, estabelecendo em seu art.256 que a transportadora não será responsável por atrasos ou interrupções de viagens por conta de força maior ou caso fortuito, o que inclui as restrições decorrentes de condições meteorológicas adversas.
O CDC, por sua vez, adota uma abordagem focada na proteção ao consumidor e impõe a responsabilidade objetiva ao fornecedor de serviços, salvo nos casos de inexistência de defeito na prestação do serviço ou culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros.
Essa interação entre o CBA e o CDC constitui aparente antinomia normativa, uma vez que a responsabilidade objetiva prevista no CDC não considera os limites técnicos e operacionais que o CBA reconhece como fundamentais.
No âmbito do transporte aéreo internacional, o STF já demonstrou certo alinhamento ao entendimento manifestado pelo CBA, como no julgamento conjunto do RE nº 636.331 e do ARE nº 766.618, em que se decidiu pela prevalência das Convenções de Varsóvia e Montreal sobre o CDC, como limitadores da responsabilidade das empresas aéreas no que se refere aos prejuízos de ordem material, fixando o Tema 210.
Apesar desse entendimento do STF, reafirmado em outras oportunidades, a aplicação dos dispositivos do CBA e das convenções internacionais segue sem uniformidade, especialmente com relação aos danos extrapatrimoniais.
Não à toa, a Lei 14.034/2020 alterou o CBA e buscou evitar um colapso no setor durante a pandemia da Covid-19, regulamentando o excludente de responsabilidade referente aos fatores climáticos —previsto no art. 256, §3º — e invertendo a lógica do CDC com a inclusão do artigo 251-A, que atribuiu ao consumidor provar que houve "efetivo prejuízo" e sua extensão para o recebimento de indenização. Essas alterações vão ao encontro de entendimentos manifestadospelo Superior Tribunal de Justiça, como no julgamento do REsp nº 1.796.716, em que o tribunal decidiu que, com base nas circunstâncias particulares de cada evento concreto, deve-se aferir a comprovação e a consequente constatação da ocorrência do dano moral.
Apesar disso, os entendimentos expostos pelos tribunais pátrios ainda são os mais diversos, o que tem gerado significativa insegurança para os agentes envolvidos.
À vista disso, o STF deu o primeiro passo e reconheceu, em 23/8/2025, a repercussão geral da questão constitucional suscitada no ARE nº 1.560.244, originando o Tema 1417, em que se discute se as normas sobre o transporte aéreo prevalecem sobre as normas de proteção ao consumidor para disciplinar a responsabilidade civil por cancelamento, alteração ou atraso de voo, por motivo de caso fortuito ou força maior.
A consolidação de entendimentos claros e objetivos sobre o tema deverá representar um avanço relevante na solução dessas controvérsias. Nesse contexto, a consideração da prevalência do CBA em voos domésticos e da Convenção de Varsóvia em voos internacionais, com base no princípio da especialidade, tem sido apontada como uma abordagem técnica e coerente para conciliar a proteção ao consumidor com as especificidades operacionais do setor aéreo.
Sócio das áreas de Solução de Conflitos e Tribunais Superiores do BMA Advogados*
Advogados das áreas de Solução de Conflitos e Tribunais Superiores do BMA Advogados**
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