Entrevista

A importância do planejamento patrimonial e sucessório

O advogado Bruno Batista explica como o planejamento patrimonial e sucessório pode evitar conflitos familiares, reduzir custos e garantir segurança jurídica na transmissão de bens

O planejamento patrimonial e sucessório é o conjunto de estratégias jurídicas, financeiras e administrativas adotadas para organizar, proteger e transferir o patrimônio de uma pessoa ou família de forma eficiente, segura e conforme a sua vontade. É um instrumento de organização jurídica que vai além do testamento. O principal objetivo é garantir a preservação dos bens ao longo do tempo, reduzir conflitos familiares, minimizar custos tributários e assegurar uma sucessão tranquila, independentemente do tamanho do patrimônio. A seguir, Bruno Batista, sócio das áreas cível e societária do escritório Innocenti Advogados, esclarece dúvidas sobre o tema.

Muita gente só pensa em testamento e herança quando acontece uma morte na família. Por que o planejamento patrimonial deveria começar antes?

O planejamento patrimonial possui, em essência, duas finalidades centrais: (i) conferir previsibilidade e segurança jurídica quanto ao destino dos bens e direitos ou ao atingimento de objetivos patrimoniais previamente estabelecidos; e (ii) proporcionar tranquilidade ao titular e aos seus sucessores. A antecipação desse planejamento representa um verdadeiro ato de gestão e de cuidado intergeracional, na medida em que evita decisões precipitadas tomadas sob o impacto emocional do luto e reduz substancialmente o risco de litígios entre herdeiros. Além disso, um plano sucessório bem estruturado facilita a tramitação dos atos de transmissão causa mortis, mitiga a carga tributária incidente e assegura a efetividade da vontade do de cujus, conforme preconizado pelos princípios da autonomia privada e da função social da propriedade.

Esse tipo de planejamento é algo só para quem tem muito dinheiro ou faz diferença também para famílias de classe média?

O planejamento sucessório não se restringe a grandes patrimônios. Com efeito, famílias de classe média frequentemente enfrentam maiores dificuldades na ausência de uma estratégia sucessória adequada, já que os custos do inventário e a tributação incidente podem consumir parcela significativa do espólio, comprometendo sua destinação e reduzindo a margem de negociação entre os herdeiros. Além disso, fatores como imobilização patrimonial, pulverização de ativos e ausência de liquidez imediata — situações mais comuns nesse segmento — constituem as principais causas de morosidade na partilha e de entraves à conclusão do inventário. Um planejamento prévio, nesse contexto, atua como instrumento de preservação do patrimônio familiar e de eficiência sucessória.

Qual é a vantagem de deixar parte do patrimônio "fora do inventário", por meio de instrumentos como o seguro de vida?

A principal vantagem consiste na liquidez imediata e na desvinculação desses valores do procedimento sucessório tradicional. Recursos oriundos de seguro de vida, por exemplo, são pagos diretamente aos beneficiários indicados pelo contratante, sem necessidade de partilha judicial ou extrajudicial. Essa característica confere à família maior autonomia financeira no período imediatamente posterior ao falecimento, evitando a necessidade de alienação de bens ou a dependência do inventário — processo que, em muitos casos, se estende por meses ou até anos. Ademais, em determinadas unidades federativas, tais valores não estão sujeitos à incidência do ITCMD, o que representa um ganho fiscal relevante no contexto da sucessão.

Como o seguro de vida e a previdência privada entram nesse planejamento sucessório? Realmente ajudam a reduzir conflitos e impostos?

Tanto o seguro de vida quanto a previdência complementar privada constituem instrumentos eficazes de organização patrimonial e sucessória. Ambos permitem que o titular, em vida, designe livremente os beneficiários e a proporção dos valores destinados a cada um, reduzindo significativamente o potencial de conflitos hereditários, uma vez que tais ativos não integram a herança tradicional e, portanto, não se sujeitam ao regime da legítima. Além disso, esses recursos são disponibilizados sem necessidade de inventário e, em muitos casos, contam com tratamento fiscal mais vantajoso ou até isenção tributária, a depender da legislação estadual e do produto contratado. Outro benefício relevante é a possibilidade de garantir liquidez imediata para custeio de despesas essenciais, como tributos, custas processuais e manutenção do padrão de vida dos dependentes.

Existem riscos jurídicos de deixar tudo em nome de uma empresa ou só de um herdeiro, por exemplo?

Sim. A transferência integral do patrimônio a um único herdeiro ou a concentração dos bens em uma pessoa jurídica, sem a devida estruturação jurídica e documental, pode ensejar riscos significativos. Caso tal operação viole a legítima dos demais herdeiros, poderá ser objeto de impugnação judicial e vir a ser anulada, nos termos do art. 1.846 e seguintes do Código Civil. No caso de estruturas societárias criadas exclusivamente com o propósito de reduzir carga tributária ou frustrar direitos sucessórios, há risco de desconsideração da personalidade jurídica ou de requalificação fiscal da operação por parte do fisco. Por essa razão, tais estratégias devem ser implementadas dentro dos limites da legalidade, mediante assessoria jurídica e contábil especializada, e inseridas em um contexto mais amplo de governança patrimonial e planejamento sucessório.

O planejamento sucessório pode ajudar a reduzir custos e impostos? Como?

Sim. A eficiência tributária e a redução de custos operacionais são os principais objetivos a serem atingidos pelo planejamento sucessório. A economia ocorre, principalmente, pela possibilidade de evitar o custo do processo de inventário judicial ou extrajudicial. Assim, torna-se desnecessário arcar com despesas com custas processuais ou emolumentos cartorários, além de honorários advocatícios que incidem sobre o valor total do monte-mor. Do ponto de vista tributário, o planejamento permite utilizar bases de cálculo mais favoráveis para o ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação) e aproveitar alíquotas fixas em momento oportuno, protegendo o patrimônio de eventuais majorações legislativas da alíquota progressiva. Além disso, estruturas como holdings familiares podem proporcionar eficiência na tributação dos rendimentos (como aluguéis) e na gestão dos ativos, gerando economia fiscal lícita ao longo do tempo, e não apenas no momento da sucessão.

Como o planejamento sucessório pode prevenir disputas judiciais entre herdeiros?

Ao estabelecer regras prévias e definir a destinação de bens específicos — respeitando-se a legítima —, o instituidor do planejamento elimina as dúvidas e conflitos de interesses que usualmente alimentam o litígio. Instrumentos como testamentos bem redigidos, doações com encargos, pactos antenupciais e acordos de sócios (em estruturas corporativas) estabelecem mecanismos de governança e resolução de impasses. Isso retira dos herdeiros o peso de terem que decidir sobre a partilha sob forte carga emocional, transformando o processo sucessório previsível e, portanto, menos litigioso. É uma forma de preservar os laços afetivos.

O que costuma gerar mais conflitos em inventários?

A experiência demonstra que os conflitos em inventários decorrem, majoritariamente, de : (i) a divergência na avaliação dos bens (quando herdeiros atribuem valores diferentes aos ativos para fins de partilha); (ii) a ausência de liquidez para o pagamento do ITCMD e das custas, forçando a venda de bens a preços aviltados; e (iii) a discussão sobre doações feitas em vida a apenas um dos herdeiros sem a devida dispensa de colação. Fora esses pontos há os motivos imponderáveis que surgem da mistura de sentimentos que surgem com a perda do familiar. Ademais, bens indivisíveis (como o imóvel de residência da família ou uma casa de veraneio) e a gestão de empresas familiares durante o espólio são fontes constantes de atrito. Quando não há regras de governança ou um administrador definido previamente, a disputa pelo controle ou pelo uso exclusivo do bem costuma paralisar o inventário e dilapidar o patrimônio.

Como resolver um conflito familiar depois do inventário? Por exemplo, um imóvel que fica como herança para três herdeiros e eles não se entendemquantoàvenda.

O caminho ideal e mais célere é a notificação extrajudicial para tentar uma composição amigável, na qual um herdeiro pode exercer seu direito de preferência para comprar a parte dos demais. Caso não haja acordo ou possibilidade financeira, a solução é a propositura de uma ação de extinção de condomínio cumulada com alienação judicial. Nesse cenário, o bem será avaliado e levado a leilão (hasta pública), e o produto da venda será dividido entre os coproprietários na proporção de seus quinhões. Embora seja uma medida drástica, que muitas vezes resulta em deságio no valor do imóvel, o simples ajuizamento da ação costuma incentivar as partes a buscarem um acordo para evitar o prejuízo financeiro do leilão.

 


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