Visão do Direito

Quando o Estado falha, a Justiça corrige: o caso dos policiais federais aposentados por incapacidade

"Trata-se de uma reviravolta histórica, que evidencia uma grave lacuna deixada pela Reforma da Previdência: a ausência de regra de transição para os servidores que não se aposentaram voluntariamente, mas por invalidez..."

 Eixo Capital. Camila Linhares, advogada especialista em gestão de conflitos e sócias da Unniversa Soluções de Conflitos -  (crédito:  Divulgação)
Eixo Capital. Camila Linhares, advogada especialista em gestão de conflitos e sócias da Unniversa Soluções de Conflitos - (crédito: Divulgação)

Por Deborah Toni* — A recente decisão da 16ª Vara Federal do Distrito Federal representa um marco na correção de uma injustiça silenciosa que se arrastava desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 103/2019. Observo com preocupação, e com senso de responsabilidade, os efeitos de reformas que, sob o argumento de modernizar o Estado, acabam por negligenciar princípios constitucionais basilares.

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A sentença reconheceu o direito à aposentadoria com integralidade e paridade para delegados da Polícia Federal aposentados por incapacidade permanente, desde que tenham ingressado no serviço público até 2019. Trata-se de uma reviravolta histórica, que evidencia uma grave lacuna deixada pela Reforma da Previdência: a ausência de regra de transição para os servidores que não se aposentaram voluntariamente, mas por invalidez, uma categoria que, por definição, encontra-se em situação de vulnerabilidade ampliada.

A Constituição Federal sempre conferiu tratamento diferenciado aos servidores que exercem atividades de risco, como os policiais civis. A Lei Complementar nº 51/1985 e a Lei nº 4.878/1965, ambas recepcionadas pela ordem constitucional, asseguram proventos integrais e paridade. O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Tema 1019 da repercussão geral, consolidou esse entendimento ao reforçar que a natureza da atividade policial justifica proteção previdenciária especial, independentemente da modalidade de aposentadoria.

Ignorar esse arcabouço normativo, como fez a EC 103/2019 ao omitir regra de transição, é afrontar o princípio da isonomia. Não há justificativa constitucional para tratar de forma menos benéfica o servidor que, por moléstia ou acidente, é compelido a se aposentar. A inexistência de transição não pode ser interpretada como revogação tácita de direitos fundamentais. A experiência histórica da EC 70/2012, que corrigiu omissão similar da EC 41/2003, reforça esse raciocínio e demonstra que o legislador constituinte derivado pode, sim, falhar — e deve ser corrigido.

A decisão judicial não apenas reconhece esse direito: ela determina sua implementação imediata. Os impactos são concretos. Aposentadorias que antes giravam em torno de R$ 15 mil podem ser recalculadas para valores superiores a R$ 40 mil. Mais do que cifras, trata-se de dignidade, de segurança jurídica e de respeito à trajetória de servidores que dedicaram suas vidas à proteção da sociedade.

Os tribunais pátrios já, há muito, haviam sinalizado a validade da legislação especial aplicável aos policiais. Agora a justiça se confirma aos aposentados por incapacidade permanente. É o momento de o Estado reconhecer que reformas estruturais não podem ser conduzidas às custas dos mais vulneráveis. Que essa decisão sirva de precedente, e de alerta, para futuras alterações legislativas. O direito não pode ser moldado exclusivamente pela lógica fiscal. Ele deve, acima de tudo, servir à Justiça.

Sócia do escritório Deborah Toni Advocacia. Especialista em processo civil pelo Instituto Brasiliense de Direito Aplicado (IDA)*

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postado em 18/12/2025 03:30
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