Deputados a favor do projeto de lei que proíbe manifestações artísticas e culturais com “teor pornográfico” ou vilipêndio a símbolos religiosos em espaços públicos do DF trabalham em uma nova versão do texto, a ser apresentada no início da próxima semana na Câmara Legislativa do DF (CLDF). O objetivo é redigir um outro substitutivo que não “desconfigure o teor do projeto original”, como afirmou, ao Correio, o deputado Rodrigo Delmasso (Republicanos).
“Devemos nos reunir na segunda-feira, porque o autor do projeto (o PL 1.958/18), o deputado Rafael Prudente, está redigindo um segundo substitutivo que garanta dois pontos principais. O primeiro é a proibição de apresentações pornográficas em áreas públicas, no meio da rua. E o segundo é, em espaços públicos que tiverem exposições com nu artístico, que fique garantido a informação da classificação indicativa”, detalhou o parlamentar.
Questionado sobre o que seria considerado pornografia, Delmasso citou a performance de Maikon Kempinski, que acabou detido pela Polícia Militar, durante uma apresentação na praça do Museu Nacional da República. Em 2017, o artista, nu, se apresentou dentro de uma bolha com um líquido viscoso que ressecava na pele.
Enquanto isso, diferentes comissões da Ordem dos Advogados do Brasil no DF se articulam para apresentar, também até segunda-feira, uma nota de repúdio à proposição aprovada em primeiro turno no plenário da CLDF ou mesmo encaminhar um ofício ao presidente da Casa e autor do PL, Rafael Prudente (MDB).
“Esse PL é flagrantemente inconstitucional. Vamos fazer um debate com diferentes comissões, a Comissão de Cultura, Esporte e Lazer, a Comissão de Assuntos Institucionais, de Direitos Humanos, de Liberdade Religiosa. Vamos nos debruçar a respeito dele e a nossa ideia é fazermos um ofício assinado por todos os presidentes dessas comissões”, comentou Veranne Cristina Melo Magalhães, presidente da Comissão de Cultura, Esporte e Lazer da OAB/DF. Para a advogada, o texto votado leva o nu artístico para o campo da pornografia, em uma tentativa de criminalizar as produções artísticas. “Fere de morte a liberdade de expressão. Como disse a ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), censura não se debate, censura se combate.”
Ainda na avaliação de Veranne, diante de uma pandemia, “com tantos assuntos relevantes a serem discutidos, que a própria CLDF pode se debruçar para contribuir com essa crise sanitária, a gente para e despende energia para o que, para mim, parece óbvio que é um projeto inconstitucional”. A advogada lembrou também as diversidades artísticas e culturais da capital do país, incluindo o encontro de embaixadas de todo o mundo com aspectos regionais do Brasil.
Vago
Kátia Catalano, mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e especialista na área de Direito Administrativo, com enfoque em parcerias com a Administração e fomento público, disse que, caso a versão original venha a ser aprovada e sancionada, não demora muito para surgir uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. “Ele é genérico e por isso ele é perigoso”, resume a advogada.
Além de ferir frontalmente a Constituição Federal e a liberdade artística, a advogada destacou que a tentativa de definir legalmente o que é teor pornográfico e incluir, dentro desse conceito, ‘performance com atrizes ou atores desnudos’, é, na verdade, um conceito que depende do contexto no qual isso ocorre. “Vamos supor que eu tenho um teatro público, mas que, eventualmente, ele venha a ser concedido a um gestor privado e esse gestor faça uma programação que, eventualmente, possa vir a ter uma peça que venha a ter uma cena de nudez para um público adulto. Nem de longe isso seria um conteúdo pornográfico”, exemplificou. A advogada ainda completou dizendo que o conceito é algo que varia de tempos em tempos.
Para a advogada, mesmo que o texto seja alterado e deixe claro o local da performance como “espaços abertos onde não se controle o fluxo de pessoas”, a definição permanece ampla. “O problema está quando ele fala em ‘performances com atrizes e atores desnudos’. Ele coloca ai dentro mil possibilidades”, acrescentou. “Tudo depende do contexto em que a situação acontece, o que de fato está acontecendo naquela performance, qual o público que fica naquele local, até chegar à conclusão que aquilo é um ato obsceno. Nem na seara penal se define um ato obsceno, como um PL pretende isso sem considerar o contexto e só com uma frase proibir uma conduta?”, questionou.
O mesmo é válido, na avaliação da advogada, no caso de ‘vilipêndio a símbolos religiosos’. “O que é atentar contra símbolos religiosos? Isso tudo depende do que eu entendo como ofensivo e do que você entende como ofensivo. Na maneira como é colocado no PL fica tão vago que vai ficar na mão do poder público definir ou não. O legislativo não tem como criar uma regra para isso”, afirmou. Especialmente no que tange a arte, Kátia pontuou que qualquer tentativa de definir legalmente é difícil. Mesmo porque a arte é questionadora. “Ela (arte) tem que respeitar determinados regramentos, como informar que aquele conteúdo é inapropriado para menores de 18 anos, mas definir o que é arte é arriscado”.
Disposição
Em carta aberta, a professora e doutora Rosana de Castro, chefe do Departamento de Artes Visuais da UnB, expressou o apoio à classe artística-cultural e demonstrou “a sua perplexidade diante das proposições anticonstitucionais contidas no Projeto de Lei nº 1.958/18”. A professora colocou o departamento à disposição para “esclarecer, ensinar, propor, debater sobre o nosso campo de atuação na qualidade de artistas, docentes, pesquisadores, produtores, executores de arte e cultura, que são a base da civilidade e da humanidade para os que pretendem preservar e incentivar a construção de sociedade digna e fraterna constituída por cidadão críticos e autônomos, o suficiente, para avaliarem a realidade sem cortinas de preconceito e exclusão”.
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