O pintor brasiliense Fernando Carpaneda está entre os artistas selecionados para a Bienal de Long Island 2020. Duas obras do candango, Homofobia mata. Caso nº 17 e Jesus Cristo, estão na seleção de 100, a serem exibidas no Museu de Arte Heckscher, em Nova York. A mostra se inicia em 15 de outubro, e vai até 10 de janeiro de 2021.
Em entrevista ao Correio, o artista falou um pouco sobre as obras selecionadas, ambas com teor político e sobre a participação na Bienal. Confira!
O que você pensa sobre as suas obras terem sido selecionadas para a bienal?
Estamos vivendo um momento difícil, e ter essas obras selecionadas para uma exposição em um museu neste momento é uma grande vitória para todos nós, que acreditamos em liberdade e igualdade para todos.
Pode nos contar um pouco sobre o processo de concepção e composição das obras? Elas fazem parte de uma nova série?
Eu geralmente trabalho com modelos. Essas pinturas fazem parte da minha nova série de retratos. A maioria das minhas inspirações vêm de pessoas que conheço em bares e shows de rock que frequento. Ultimamente também tenho acrescentado alguns elementos de pop surrealismo em alguns retratos. Meu trabalho está sempre em evolução. Meu processo de criação é paralelo, meus desenhos são geralmente estudos para minhas pinturas, e minhas esculturas. E geralmente trabalho em várias peças ao mesmo tempo. Eu gosto de fazer obras que não se enquadram no circuito da arte contemporânea. Gosto de ir contra ao padrão imposto por instituições de arte. Tento fugir da estética visual contemporânea que, ao meu ver, se parece mais com design de interiores e vitrines de lojas de Nova York. Eu optei por seguir linhas de trabalhos que fogem dessa estética contemporânea que todo artista formado em faculdade de artes segue.
Os modelos destes dois quadros, você também os conheceu em bares de rock novaiorquinos?
O modelo branco é o David, um gótico francês amigo meu, e o modelo negro é um dos meus vizinhos.
Tendo em vista o seu comentário sobre fugir dos padrões vigentes na arte contemporânea, o que você acha que levou os seus quadros a serem selecionados pela bienal?
Acho que o que sempre me abriu portas foi não seguir padrões estéticos na arte contemporânea. A ideia de "discursos" me incomoda, pois vejo nela uma armadilha de controle institucional que me desagrada. Minha arte é urbana. Tem elementos da gay art, lowbrow art, grafiti e punk art, com isso fazendo uma junção de vários movimentos urbanos e artísticos em uma só obra. Não me entenda errado. Eu gosto e admiro arte contemporânea, conceitual. Tenho uma coleção enorme de trabalhos de artistas contemporâneos. Por isso mesmo, tento seguir em outras direções, pois conheço muitos artistas e trabalhos e ainda tenho a minha revista de arte, Carpazine, que mostra trabalhos de arte de todas as linhas.
Você enviou apenas esses dois quadros, ou houve alguma obra que não foi selecionada?
Eu enviei três trabalhos, um não foi escolhido: A segunda vinda, um trabalho que mexe com muitas crenças religiosas e espiritualidade. Acredito que esse foi um dos motivos para essa obra não ter sido escolhida.
Por que você acha que esse trabalho chocaria mais do que um Jesus Cristo que contraria os padrões europeus com que geralmente é representado?
Essa obra mostra Jesus com cabelos curtos, dentro de uma bolha, para não se contaminar com o mundo. Você pode fazer inúmeras interpretações dessa obra. Os pés de Cristo se transforma em fetiche, e por aí vai.
A primeira vez que postei a foto do Cristo negro na página de fãs do meu Facebook, a pintura teve inúmeras reações, tanto positivas como negativas. As reações negativas vieram de evangélicos, em ver um negro representando Jesus, e muitas dessas reações negativas vieram de negros. A realidade é que todos nós, desde pequenos, fomos obrigados e engolir a imagem padrão europeia de um Jesus branco, loiro e de olhos azuis. Por isso sempre fui contra padrões estéticos.
Qual era a reação negativa dos negros?
Alguns comentários dizendo que era falta de respeito, às vezes porque coloquei aquele corte de cabelo, outros dizendo que o Cristo estava pelado e era um absurdo, que eu iria pagar um preço enorme por ter feito isso, que a mão de Deus é pesada, eu iria ver o que era bom e por aí vai. Não é surpresa alguma para mim esses comentários. O ser humano sempre foi assim, e nunca vai mudar. Lido com esse tipo de reações desde os anos 1980.
Você tem alguma formação superior?
Não tenho. Eu não terminei o segundo grau. Fugi da escola e fui viver a vida, digamos assim.
*Estagiário sob supervisão de Adriana Izel
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