Quando está nos Estados Unidos, todos acham que o cantor, compositor e guitarrista Arto Lindsay é brasileiro. No Brasil, ninguém tem dúvidas de que é norte-americano. É ele mesmo quem descreve a situação no documentário Arto Lindsay 4D, do diretor carioca André Lavaquial, que tem participado de alguns festivais, mas ainda não tem previsão para estrear nas plataformas ou canais de televisão.
Nascido nos EUA, Arto veio morar no Brasil aos 3 anos, com os pais missionários. Viveu em Garanhuns (Pernambuco) até 1967, depois foi estudar em Recife, onde ficou até os anos 1970. Voltou para o país de origem para estudar literatura e teatro. Lá, começou a trajetória artística na cena underground passando por bandas como DNA, The Lounge Lizards e The Golden Palominos e tornando-se uma figura fundamental do movimento no wave, antagonista da new wave.
Ao deixar os Lounge Lizards, formou os Ambitious Lovers com o tecladista Peter Scherer. O grupo tinha uma sonoridade mais pop do que os barulhentos de projetos anteriores, assim como as primeiras aparições da musicalidade brasileira. O músico, que tem um filho baiano e já organizou desfiles de carnaval na Bahia, também produziu discos de artistas como Caetano Veloso, Marisa Monte, Carlinhos Brown, Gal Costa, Vinícius Cantuária, Orquestra Contemporânea de Olinda e Tom Zé.
Esta ponte entre Brasil e Estados Unidos marca intensamente a música do artista. Nos álbuns solo produzidos a partir de 1996, há músicas em inglês e português galgadas em ritmos brasileiros, como samba e bossa nova; na sonoridade do candomblé; nas tinturas de música norte-americana e de outros países; nas texturas eletrônicas; e na inconfundível guitarra de 12 cordas, atonal e ruidosa que permeia todos os trabalhos do artista, com improvisos sem melodia.
Não é de espantar, portanto, que seja tão difícil caracterizar a nacionalidade de Arto, mas, diante das câmeras de André Lavaquial, andando pelas ruas de Nova York, em cena do documentário, o guitarrista oferece uma explicação razoável: “Eu me considero novaiorquino, porque eu vivi aqui por tanto tempo. Eu me sinto completamente em casa aqui.” “Mais do que no Rio?”, André pergunta, atrás da câmera, e Arto responde: “Sim. Eu tenho a sensação de que o Rio é a cidade onde eu vou morrer. Mas não é a minha cidade.”
Relação carioca
Foi no Rio de Janeiro, justamente, que o carioca André Lavaquial, que tem muitos amigos músicos, conheceu Arto Lindsay, em 2011, por meio de amigos em comum. Em 2013, André estava filmando toda a temporada do Quintavant, evento de música experimental em que Arto Lindsay tocou com o baterista norueguês de free jazz Paal Nilssen-Love. André, que filmava tudo do palco e é um grande fã do baterista, ficou impressionado com a desenvoltura dos músicos, que tocaram juntos pela primeira vez, sem ensaiar. “Paal é um dos grandes bateristas do mundo e o Arto estava improvisando de igual para igual, ritmicamente”, descreve o cineasta, em entrevista ao Correio.
Em 2014, André foi chamado para entrevistar Arto pela revista eletrônica Polivox, e os dois ficaram amigos. André começou, então, a se organizar para filmar o documentário, cujo processo de captação de imagens durou de 2015 a 2018, de forma intermitente. “Meu interesse foi musical. Entender melhor o universo artístico, os métodos que o Arto utiliza para trabalhar, para executar as performances dele. O que me levou foi isso, esse interesse pelo ethos artístico do Arto Lindsay. Quando eu comecei a pesquisar profundamente a obra dele, me deparei com um artista plural. Ele não é só um guitarrista. Ele performa, tem uma profunda ligação com as artes visuais”, explica André.
Quatro dimensões
O documentário conta com performances musicais e artísticas, imagens e depoimentos de Arto em quatro cidades: Nova York, Veneza, Tóquio e Rio de Janeiro, e mostra a relação íntima do músico com estas cidades. “Na Itália, ele é conhecido mais pelos álbuns solo. Eles adoram quando ele interpreta as músicas. No Japão, é mais conhecido como improvisador pelos projetos que teve com John Zorn. Nos Estados Unidos, continua muito marcado pela passagem no DNA. E, no Brasil, é sempre lembrado como o produtor do Caetano Veloso e da Marisa Monte, mais do que pela carreira solo”, contextualiza o cineasta.
A primeira viagem à Itália foi financiada com ajuda da produtora Fina Flor Filmes, que apoiou o projeto. A segunda, ao Japão, teve de ser bancada pelo cineasta. Na terceira, aos Estados Unidos, André aproveitou uma viagem de trabalho e que Arto também estava por Nova York. Algumas imagens também foram feitas na Filadélfia. A finalização do filme foi financiada pela produtora norte-americana Oysterpain Productions.
“Eu tinha, antes do processo, várias situações na cabeça, e pretendia conseguir um dinheiro para realizar as ideias que eu tinha. Como não consegui, tive que me adaptar. Tinha essa curiosidade sobre como ele conseguia ter uma carreira tão sólida nesses países com características tão diferentes, tentar entender essa relação do público com a obra dele e como se dá essa dinâmica”, conta André.
Essas quatro dimensões geográficas e culturais, de certa forma, apoiam o título do filme, que faz alusão a uma teoria do artista francês Marcel Duchamp, citada por Arto na primeira entrevista que deu a André. “A quarta dimensão é o âmbito artístico. Participando desse movimento, você acessa a quarta dimensão. Achei muito bonito o que ele estava falando e, de certa forma, o interesse pelo âmbito artístico do Arto foi o que me moveu a fazer o filme. Mais do que o interesse biográfico, propriamente, foi pela práxis artística do Arto”, afirma.
O filme termina com uma performance de Arto Lindsay, cuja obra é marcada pela colaboração, improvisando sozinho com a guitarra, os pedais e o amplificador em um imenso galpão vazio do Brooklyn, com paredes e encanamentos à mostra. De passagem por Nova York, André descobriu por acaso o galpão que era alugado a artistas visuais e que estava passando por uma reforma. O documentarista teve uma semana para produzir, organizar e filmar na locação, antes que voltasse à atividade. Por sorte, Arto também estava na cidade.
“O que eu acho legal nessa cena final é que existe um novo Arto. Ele está apontando para um novo caminho na sequência final. Esse trabalho com overdubs e loopings, ele não costuma fazer isso. Ele lançou isso naquele momento. Fiquei muito feliz com a potência da performance e que ele deu para o filme. Isso mostra que o Arto continua em movimento. É um artista em constante movimento. Por isso é difícil dar conta da obra dele. Ele continua ampliando o leque de possibilidades.”
*Estagiário sob a supervisão de Adriana Izel
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